sábado, 23 de dezembro de 2023

Mensagem de Final de Ano

Dentre meus amigos leitores, vários recebem habitualmente minha carta de final de ano, cuja história contei na crônica “A História de Minha Carta de Natal”, publicada em dezembro de 2012.

Iniciei a carta deste ano com a mensagem que envio, agora, a todos que me honram com sua visita ao blog:

"Caríssimos:

Boas Festas!

Feliz Natal e um Ano Novo melhor.

Como faziam, antigamente, na chegada do novo ano, vamos cantar:

Boa noite, Ano Velho!

 

Bom dia, Ano Novo!

Desejando que todos tenhamos, em 2024, muitos momentos felizes e que os possíveis aborrecimentos sejam poucos e insignificantes, lhes enviamos nosso abraço de final do ano. 

Washington e Leilah"

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas: 

1. O link para ler a crônica mencionada é:

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2012/12/a-historia-de-minha-carta-de-natal.html   

2. A foto do por do sol foi recebida por WhatsApp.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Um casal de idosos e a operação doméstica – Segunda parte

Senhora leitora ou senhor leitor:

Leilah e eu sentimos o avançar da idade (em maio próximo a soma de nossas idades será 180 anos), fazemos o possível para permanecer neste mundo, apesar do desgaste físico, e costumamos dizer que estamos relativamente bem. As observações dos amigos nos encorajam.

Transmitir nossa experiência de vida é a razão de eu vir lhes descrever, minuciosamente, atividades domésticas do casal, atividades comuns que todas as famílias praticam e, provavelmente, nos ajudam a continuar ativos.

Na primeira parte desta crônica, fiz uma introdução sobre o novo enfoque de vida dos idosos que, aposentados, têm ainda pela frente, além de outras atividades, as tarefas da operação doméstica. Também resumi o currículo do casal quanto às atividades dessa natureza e passei a descrever como Leilah e eu fazemos nosso trabalho de planejamento e controle financeiro e de compras. No final prometi descrever, nesta segunda parte, “várias outras tarefas domésticas, como aquelas que envolvem cozinha e a manutenção da casa, que ocupam bastante nosso tempo.” É o que vou fazer agora.


Atendendo a manutenção da casa e dos equipamentos

Gostamos muito de nosso apartamento – é um relacionamento que vai completar 54 anos em janeiro próximo – e sentimos que ele continua sendo o ideal para nós. O Meia Lua (apelido do edifício) tem cerca de 100 unidades, o que lhe dá escala para manter uma equipe de serviços que nos atende muito bem. Sua localização é excelente.

Como é muito comum em edifícios construídos há anos, os apartamentos do nosso prédio requerem serviços de manutenção, especialmente das tubulações de água. As reparações em nosso apartamento se tornam pequenas reformas, que exigem do casal as providências necessárias e muita paciência. Atuamos de comum acordo; ambos se envolvem, mas eu assumo o acompanhamento dos serviços e Leilah faz a avaliação e a aceitação, ou seja, faz o papel de cliente.

Quanto aos equipamentos: são vários eletrodomésticos e eletrônicos de uso corrente em  residências; frequentemente, algum deles apresenta defeito, quebra ou simplesmente para de funcionar. Raramente consigo consertar algum aparelho ou objeto (precisa ser algo muito simples e que não exija ferramenta específica), de modo que temos de recorrer a um técnico (caso dos computadores, por exemplo), mas sempre procuramos entender o defeito e saber como está sendo corrigido.

Rotinas diárias

A limpeza e arrumação da casa é gerenciada pela Leilah, que é muito mais observadora do que eu. Ela orienta e acompanha o trabalho das diaristas.

Outra atividade diária da Leilah é a lavagem de roupa. Embora pouco saiamos de casa, há roupa para lavar todo dia. Logo de manhã, ao se levantar, ela se encaminha à área de serviço sobraçando uma pilha de roupa que leva à máquina de lavar e põe esta a funcionar.

Na atividade de estender a roupa lavada nos varais da área de serviço e de, mais tarde, recolher a roupa seca, eu sou o auxiliar. Não deixa de ser um exercício físico.

Outras rotinas diárias, que fazemos quase automaticamente) são: lavar e guardar a louça, guardar roupa nos armários (nesta, sou muito relapso), “fechar a casa” à noite (portas, janelas, cortinas)...

Observação importante: como meu automatismo aumentou com a idade, nas atividades rotineiras preciso me manter focado para não trocar as bolas.

As atividades culinárias – forno e fogão

Estas são, talvez, das atividades domésticas, aquelas  que dão mais satisfação à Leilah.

Como já contei, ela, quando mocinha, aprendeu a cozinhar com a mãe, durante as férias escolares. Depois de casada, trabalhando fora, tinha a ajuda de empregada, principalmente quando vieram os filhos. Porém, não deixou de cozinhar. Eu me encarregava apenas dos churrascos.

Hoje, Leilah providencia os mantimentos, orienta a diarista cozinheira que, em um dia, prepara a comida básica para a semana (usamos o freezer). Leilah também prepara algumas refeições especiais para variarmos o cardápio, como um bom bacalhau, peixe assado, risoto de camarão, filé grelhado, strogonoff, “spaghettini”, “linguini”...

É oportuno observar que cozinhar é uma tarefa cansativa para os idosos. Ficar de pé muito tempo, lidar com o fogão e o forno, com panelas, talheres e louça e ir aos armários e à geladeira constituem um exercício intenso. No caso da Leilah, o marcapasso está colaborando bastante.

Os extras, as novidades, são um capítulo à parte. Já escrevi sobre o bolo de fubá e a máquina de macarrão no tempo da pandemia. Mais recentemente, Leilah resolveu fazer pão – pão sem glúten – usado em minha dieta. Foi à Internet, assistiu a alguns vídeos e resolveu experimentar. Ficou ótimo e, agora, entrou em produção regular, e é o pão de nosso café da manhã.

Quando estivemos em São Paulo em julho, Leilah aprendeu a fazer iogurte, que ela usa em seu café da manhã. Passou a fazer regularmente e é mais gostoso do que aquele que ela comprava no supermercado.

Quanto a minhas atividades na cozinha, sou responsável pelo café da manhã, nosso “breakfast”. Faço o café, preparo meus ovos quentes e as torradas de pão de glúten, sirvo a mesa para a Leilah, o que inclui levar, da geladeira, mamão, ameixas pretas em sua água e iogurte; na segunda fase, tomamos café com leite e comemos o pão sem glúten, com manteiga. É, também, um trabalho de garçom, de forma que tenho de combinar fazer minha refeição com o serviço à Leilah (o que não é fácil, pois, em geral, os garçons comem antes dos clientes).

Sou também responsável pelo congelamento de comida preparada e dos insumos por cozinhar, faço a etiquetagem das vasilhas (tupperware) e controlo as entradas e saídas do freezer. Ou seja, tenho a função de almoxarife.

Tenho outras tarefas de auxiliar, como por e tirar a mesa às refeições e ajudar na preparação do pão.

Enfim, a cozinha para nós é um tanto divertida, é uma espécie de playground de idosos.


É importante comentar que, como em todas as atividades, temos de ser extremamente cuidadosos ao realizar as tarefas domésticas – temos de nos movimentar com cuidado, evitando o desequilíbrio, não devemos tentar carregar objetos pesados, prestar muita atenção ao lidar com comida e bebida quentes. Enfim, não podemos abusar de nossa atual capacidade física e devemos, sempre, evitar riscos de acidentes.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:

Quanto às diaristas: somos atendidos por duas; cada uma delas, uma vez por semana.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Um casal de idosos e a operação doméstica - Primeira parte

Depois de uma vida inteira com preocupações de estudo, trabalho, atividades sociais, cuidados com a família e cuidados pessoais, os idosos voltam a sentir a importância das necessidades básicas da vida e seu foco se torna a sobrevivência. Aposentados, em sua grande maioria, passam a maior parte do tempo em casa, redobrando a preocupação e os cuidados com a saúde – do corpo e da mente – e, em geral, assumem algumas atividades domésticas; no mínimo, acompanham e supervisionam os trabalhos. No nosso caso, do casal Leilah e Washington, bem mais do que isso. Temos de pôr “a mão na massa”, na medida de nossas possibilidades, física e financeira. Em consequência, a operação doméstica requer muita atenção, esforço e tempo nossos, a ponto de termos de usar a experiência e recursos semelhantes àqueles de nossa atividade profissional pregressa.

Chamo, aqui, “operação doméstica” as atividades de planejamento e controle financeiro do casal; a programação e a realização das compras (de mantimentos e medicamentos, principalmente); o acompanhamento dos pedidos e a recepção de mercadorias; a preparação dos alimentos e sua conservação na geladeira e congelador, a limpeza, a arrumação e a manutenção da casa (apartamento, no nosso caso); a gerência das auxiliares e a interação com o pessoal do condomínio. Não estão incluídas nossas outras atividades, como os exames, consultas e tratamentos médicos; a comunicação e reuniões com a família e amigos; a leitura, meus escritos e nosso lazer.

Minha impressão, com base em observação pessoal, é de que os idosos que conhecemos vivem situações semelhantes, diferentes apenas em detalhes de saúde, preferências pessoais e recursos. Por essa razão tenho a pretensão de considerar válida minha iniciativa de escrever sobre nossa experiência, esperando que seja útil para os leitores esta minha narração de como enfrentamos e continuamos a enfrentar as dificuldades trazidas pela idade avançada, mantendo-nos no estado que chamo “relativamente bem”.

Observação aos leitores: quem imagina que a aposentadoria é apenas descanso ("sombra e água fresca") deve se preparar para as atividades que, pessoalmente, ainda terá pela frente.

Antecedentes de Leilah e Washington

Antes da aposentadoria, Leilah e eu trabalhávamos fora de casa. Nos últimos anos, como consultores; antes, durante muitos anos, como empregados; no meu caso, principalmente na IBM (24 anos) e a Leilah em uma empresa industrial cliente da IBM. Nossa formação universitária e início de trabalho em Engenharia (eu) e Arquitetura (Leilah) nos deram base para uma carreira profissional que nos possibilitou construir a família e preparar e encaminhar os quatro filhos. Hoje, procurando nos adaptar a esta fase da vida, utilizamos nas ações e tarefas diárias o que aprendemos em casa, na convivência social e no trabalho em empresas – nestas, as técnicas utilizadas e o relacionamento com as pessoas.

Em casa, na infância e juventude, aprendemos com os pais e empregados a executar tarefas domésticas, conforme as necessidades e critérios daquele tempo. Por exemplo, Leilah aprendeu a cozinhar com sua mãe, nas férias escolares; eu aprendi a fazer o café da manhã e, auxiliando minha mãe quando estávamos sem empregada doméstica, a varrer a casa e tirar o pó dos móveis. Também era incumbido de fazer compras na padaria, no armazém de secos e molhados e na quitanda (um pequeno mercado hortifruti) quase diariamente, pois no tempo da segunda guerra não tínhamos geladeira. Ainda não tínhamos supermercados em São Paulo – havia as feiras livres e o grande mercado central da cidade. Meu pai fazia compras na feira livre aos domingos e os filhos ajudavam a carregar as sacolas – e o transporte era bonde elétrico.

Quando Leilah e eu nos casamos, as tarefas domésticas continuaram necessárias, apenas os recursos evoluíram muito. Como ambos trabalhávamos fora de casa, ao chegarem os filhos precisamos contratar uma empregada doméstica capaz de atender a casa e os meninos – e a Leilah supervisionava toda a operação doméstica. Minha atuação principal era junto às crianças. Dávamos conta do recado.

Este esquema durou até os filhos, já adultos, saírem de casa, com exceção de nossa temporada de um ano e meio nos Estados Unidos, quando a Leilah, sem empregada, fazia todo o serviço doméstico e cuidava dos três meninos (a filha veio depois). Eu a auxiliava nos fins de semana e, de segunda a sexta-feira, apenas a partir das sete horas da noite.

Quando, muitos anos depois, os filhos se mudaram, a necessidade de auxílio doméstico diminuiu e passamos a usar a solução de diaristas domésticas – o que acontece até hoje.


Cara leitora ou prezado leitor: Depois dessa apresentação resumida de nosso longo currículo vitae, passo à descrição de nossas atividades atuais.

Planejamento e controle financeiro.

Leilah se encarrega de fazer, há já muitos anos, as operações fundamentais de controle financeiro do casal. Cuida de nossa principal conta bancária, o que envolve pagamentos, inclusive débitos automáticos, verificação dos lançamentos e, sempre que necessário, comunicação com o gerente da conta no banco. É uma atividade diária que requer muita atenção. Faz o controle financeiro utilizando uma planilha Excel que preparei há já alguns anos, lançando as receitas e despesas devidamente codificadas, como se faz nas empresas. A planilha é semelhante às planilhas manuais que eu usava no planejamento operacional dos setores que gerenciei na IBM. A codificação dos lançamentos foi estabelecida pela Leilah, de forma análoga àquelas que ela usava quando gerente e consultora de informática nas empresas em que trabalhou. Entre parênteses: nas empresas que atendíamos, era comum pessoas pensarem que ela, arquiteta, era formada em finanças e contabilidade.

Com esse trabalho, temos os valores dos rendimentos e das despesas por tipo ao longo do ano. Periodicamente, fazemos, em conjunto, análises dos números e algumas previsões. Esse controle é muito importante para nosso plano de vida, para saber “a quanto andamos” e que ações tomar para mantermos o rumo do barco.

A tarefa anual da declaração do imposto de renda é de minha incumbência.

As compras do dia a dia.

Outras atividades rotineiras de suma importância, essenciais para a sobrevivência, são as compras de supermercado e de drogaria. Até 2019, antes da pandemia Covid-19, o casal de octogenários fazia suas compras presencialmente. Já não usávamos automóvel próprio, recorríamos a taxis e Uber; compras por internet eram exceções. Durante a pandemia, só fizemos compras para entrega em domicílio; hoje, no “novo normal”, continuamos recorrendo à internet e ao telefone; pequenas compras presenciais são exceções.

A atividade de compra requer a criação de um sistema – cada pessoa tem o seu, mesmo que não haja nenhum roteiro escrito. Em nosso caso, nas compras de supermercado, em intervalos pré-estabelecidos, usamos uma lista básica de itens, cujo estoque levantamos e, com base na experiência de consumo, anotamos quais teremos de comprar e quanto de cada um. Leilah vai ao computador e, ao entrar no site de nosso fornecedor habitual, faz todo o processo de pesquisar marcas e preços, usar promoções e os descontos de fidelidade. O site apresenta dificuldades, pois não é muito amigável e sofre alterações frequentes, de modo que a operação da Leilah se torna cansativa e, às vezes, enervante. Algumas vezes, há necessidade de interromper o trabalho e telefonar para o suporte do site para conseguir a correção necessária. Finalizada a compra e estabelecida a data e horário de entrega, Leilah descansa.

O recebimento da compra é minha tarefa – são caixas e sacolas depositadas na área de serviço, que eu abro uma a uma, verifico o estado dos itens e já os coloco nos locais habituais do armário da despensa, da geladeira ou do congelador, dando a informação das entradas à Leilah, que anota em sua lista do pedido (impressa no computador) e verifica a nota fiscal. Quando tenho dificuldade com o peso das sacolas, peço ajuda à diarista. Esta operação dura umas duas horas e me deixa cansado, mas continuo a enfrentá-la sem problemas. Nos casos de erros na entrega, Leilah cumpre a rotina de reclamar por telefone e o supermercado traz no dia seguinte o item faltante ou faz a troca necessária.

O sistema tem funcionado bem.


Cara leitora ou prezado leitor:

Sei que você tem seus próprios métodos, mais sofisticados talvez, pois as operações domésticas variam com o tipo de vida, as necessidades e recursos de cada um. Como de hábito, procuro descrever o comportamento do casal frente ao avançar da idade, buscando sempre se manter em atividade. 

Várias outras tarefas domésticas, como aquelas que envolvem cozinha e a manutenção da casa, ocupam bastante nosso tempo. Para você descansar, deixo para descrevê-las na próxima crônica.

Washington Luiz Bastos Conceição


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

“O casal de idosos” em edição bilingue

 Cara leitora  ou prezado leitor:

Venho anunciar nova publicação, um livro digital com título curioso: "An elderly couple  no tempo do vírus". Foi um jeito de apresentá-lo como bilíngue.

A história é a seguinte:

Depois de haver publicado, em 2022, “Um casal de idosos no tempo do vírus” e sua versão em Inglês “An elderly couple in the time of the vírus”, lembrei-me de meus estudos de Inglês, quando exercitava a leitura desse idioma em livros didáticos sem ter, porém, lido antes os textos correspondentes em Português. Isto, certamente, facilitaria a compreensão da leitura. Pareceu-me, portanto, que, com as duas publicações, pessoas que, entendendo Português, quisessem exercitar sua leitura em Inglês, poderiam ler, crônica por crônica, primeiro no livro em Português e, a seguir, no livro em Inglês. E vice-versa, aquelas que entendessem Inglês poderiam exercitar sua leitura em Português com procedimento semelhante.  Considerando o inconveniente da pessoa ter de mudar de livro com frequência, decidi reuni-los em uma só publicação, intercalando as crônicas correspondentes.

É importante considerar que o assunto do livro, a vida de pessoas durante a terrível pandemia que assolou o mundo todo, é de interesse geral e tem valor histórico. Apresentei o livro assim:

“Quando o Covid19 atacou a humanidade, Leilah e Washington, octogenários, tiveram de se recolher ao isolamento social. Nessa condição inédita, vivida no mundo todo, o casal brasileiro, residente no Rio de Janeiro, sobreviveu à fase mais grave da pandemia. O livro registra o dia a dia dos dois no período de março de 2020 a março de 2022, as dificuldades, sua forma de enfrentá-las, suas atividades e seu controle pessoal para não se deixarem abater. Nos tempos mais difíceis, analisavam aquela situação esdrúxula, estapafúrdia mesmo, que estavam vivendo, sentindo-se infelizes por estarem privados de ver os filhos e netos, de estarem com os amigos, de passearem livremente pela cidade maravilhosa. A pergunta se repetia: “Até quando?”.

A expectativa do autor é que os fatos aqui narrados venham a ser de interesse para nossos pósteros e que, para os sobreviventes da pandemia, sirvam de lembrança da luta insólita nesse tempo sombrio. Sim, para que não esqueçamos.”

O prazer de quem escreve é ser lido. Se este livro bilingue interessar a empresas e escolas de idiomas, por exemplo, além dos meus leitores habituais,  ficarei muito satisfeito.

A versão e-book apresenta as vantagens conhecidas de preço (neste caso, o equivalente a quatro dólares); entrega imediata sem custo de frete; cada “exemplar” fica disponível em celular, tablet e computador; há um dicionário embutido no aplicativo Kindle; as imagens podem ser coloridas; não requer  espaço em estante e é incorporado à biblioteca digital de cada dispositivo.

Considerando aquelas pessoas que preferem a versão impressa, vou aguardar a oportunidade de um projeto com alguma instituição que se interesse pela publicação.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:

Verifiquei que o e-book está disponível nos links:

No Brasil:

https://www.amazon.com.br/elderly-couple-tempo-v%C3%ADrus-isolamento-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=3P0U4HD8R751U&keywords=washington+luiz+bastos+concei%C3%A7%C3%A3o&qid=1697034711&sprefix=washington+luiz+bastos+conceicao%2Caps%2C309&sr=8-1

Nos Estados Unidos:

https://www.amazon.com/elderly-couple-tempo-v%C3%ADrus-isolamento-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_2?crid=2PRWRY7234ZI7&keywords=washington+luiz+bastos+conceicao&qid=1697034847&sprefix=washington+luiz+bastos+conceicao%2Caps%2C405&sr=8-2

Na França:

https://www.amazon.fr/elderly-couple-tempo-v%C3%ADrus-isolamento-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_2?__mk_fr_FR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=HJKH7Y425IRM&keywords=washington+bastos+conceicao&qid=1697035393&s=books&sprefix=washington+bastos+conceicao%2Cstripbooks%2C271&sr=1-2

Na Alemanha:

https://www.amazon.de/-/en/Washington-Luiz-Bastos-Concei%C3%A7%C3%A3o-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_1?keywords=washington+luiz+bastos+conceicao&qid=1697035630&sr=8-1

Na Inglaterra:

https://www.amazon.co.uk/elderly-couple-tempo-v%C3%ADrus-isolamento-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_9?crid=3FVXURU3TTZ75&keywords=washington+luiz+bastos+conceicao&qid=1697035855&sprefix=washington+luiz+bastos+conceicao%2Caps%2C287&sr=8-9

Na Espanha:

https://www.amazon.es/elderly-couple-tempo-v%C3%ADrus-isolamento-ebook/dp/B0CKS4B6CP/ref=sr_1_7?__mk_es_ES=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=17IM0N4X75HKQ&keywords=washington+baston+conceicao&qid=1697036151&sprefix=washington+luiz+bastos+conceicao%2Caps%2C268&sr=8-7

 


sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Por falar em casamento...

Um amigo de há muitos anos, menos idoso do que eu mas já octogenário, tem ótimas recordações de sua infância e juventude em Ipanema e de sua atividade profissional no Rio de Janeiro. Ele compara as condições de vida, (como segurança, por exemplo) e as manifestações artísticas e culturais (como cinema por exemplo) de anos atrás e as de hoje. E acha estas muito piores. Repete uma frase, que ele mesmo afirma que não é originalmente sua: “Meu mundo me deixou!”.

Confesso que faço um esforço para não sentir o mesmo porque vejo que, realmente, o mundo mudou muito – e sinto que, em muitos aspectos, não foi para melhor. Porém, considero que a tendência das pessoas é esquecer as dificuldades e tristezas do passado, recordando-se melhor das coisas boas que lhes aconteceram. Além do fato básico: a idade nos traz muitas limitações, tornando nossa vida, hoje, mais difícil.

Prefiro observar que, durante todos meus longos anos, as modificações foram muitas, não só dos avanços tecnológicos como dos costumes (uns muito ligados aos outros). Minha frase seria: “O mundo mudou muito e está difícil me adaptar às mudanças todas”. Acompanhar a vida de meus filhos e de meus netos me ajuda muito no esforço, embora eu não pretenda abandonar minhas convicções fundamentais.

Dentre os costumes que mudaram desde nossa juventude, um assunto de que, curiosamente, não tratamos foi a instituição do casamento – que sofreu mudanças muito importantes desde nossa geração. É o assunto desta crônica.


No tempo de meu casamento, este era considerado uma união em que os noivos assumiam o compromisso de se manterem unidos “até que a morte os separasse”; o noivo passava a ser o provedor da família, ou seja, o responsável pelo sustento da esposa e filhos. Era esperado – e até uma questão de honra – que a noiva se casasse virgem, embora não se exigisse o mesmo do noivo.

Quando a união não resultava feliz e se tornava insuportável, as separações eram resolvidas por um processo doloroso chamado desquite (não havia, ainda, o divórcio no Brasil). Os desquitados não podiam se casar novamente  (era comum casarem-se no exterior, no Uruguai, por exemplo) e, de certa forma, ficavam marcados socialmente.

Com a ascensão das mulheres mediante novas atividades de trabalho fora de casa, sua liberação mediante o uso de anticoncepcionais, e com a instituição do divórcio no Brasil, o matrimônio ganhou, de forma gradativa, características diferentes. Os namoros firmes se tornaram íntimos, de forma a servirem de teste para uma união definitiva, que poderia levar ao casamento. Não posso evitar a comparação dessa experiência com os testes a que os softwares da IBM eram submetidos antes de serem oferecidos aos clientes – o alfa teste, para dar prosseguimento ao projeto, e o beta teste, para anunciar o produto. No caso dos namorados, o alfa teste seria o relacionamento íntimo e o beta teste a experiência de morarem juntos, antes de decidirem sobre o casamento. Mais recentemente, foi instituído o casamento para pessoas do mesmo sexo.

Ou seja, as normas sociais relativas ao casamento mudaram profundamente.

Agora, a questão: mudaram para soluções piores?

Apesar de sentir uma certa tristeza romântica, tenho de reconhecer que não, quando me lembro quanto sofreram casais cujo enlace não teve sucesso, alguns causando uma infelicidade profunda; e que não puderam se separar por pressão da família e mesmo social, muitas vezes para não prejudicar os filhos que, afinal, também sofriam com a situação.

Observo, hoje, que as separações de casais, nem sempre amigáveis, são aceitas como solução pelos parentes, amigos e até pelos filhos.

O divórcio substituiu com muita vantagem o desquite e o compromisso de  união estável resolveu muito bem os casos de segundo casamento e aqueles em que o casal tem dúvida quanto ao compromisso firme do casamento propriamente dito. E há, ainda, o caso daqueles que, felizes com sua união informal, não se preocupam com alterar seus status; e alguns  decidem se unir firmemente, mas, por circunstâncias, continuam morando cada um em sua casa.

E, felizmente, o casamento continua sendo motivo para comemorações tão festivas quanto as famílias queiram e as possam realizar. E foi, justamente, um evento muito agradável que me levou a comentar o assunto.


Muitos dos amigos de meus filhos se tornaram nossos amigos (do casal Leilah e Washington). A maioria deles é de amigos de infância e juventude, do bairro e das escolas. Frequentaram nossa casa, especialmente nos aniversários e nas transmissões de jogos da copa do mundo, e hoje dão muita atenção aos velhinhos.

Um deles, com quem temos tido contato frequente, convidou nossa família, no mês passado, para a cerimônia e a comemoração do casamento de sua filha, que seriam realizadas em sua casa, situada em um bairro afastado do Rio de Janeiro.

Como o convite foi feito aos meus três filhos que moram no Rio e respectivos cônjuges, além do neto carioca e do casal idoso (éramos nove pessoas), decidimos fretar uma van. O motorista recolheu os passageiros nas respectivas residências, nos levou ao local da festa (foi uma longa viagem) e passou a  esperar para nos trazer de volta.

O local do evento é uma propriedade que consta de um terreno com a extensão de um sítio, com um grande jardim gramado e arborizado, e as casas da família.

A cerimônia propriamente dita foi realizada ao ar livre, com cadeiras e corredor central sobre gramado, organizados à semelhança de uma igreja. No final do corredor, uma mesa (na posição que corresponderia ao altar) que aguardava a juíza de paz.

Quando chegamos, já havia muitos convidados. Leilah e eu nos sentamos e os “meninos” passaram a circular conversando com os amigos. Os noivos e os pais estavam se preparando para a cerimônia. O tempo estava nublado, ameaçando chuva.

Com a chegada da juíza, iniciou-se a cerimônia: exatamente o ritual de entrada na igreja – os padrinhos com as mães dos noivos, duas meninas levando flores e, no final, nosso amigo conduzindo a filha em seu belo vestido de noiva. O noivo os esperava em frente à mesa da juíza. Todo esse movimento foi acompanhado de música ao vivo.

A juíza conduziu a cerimônia, discursou. De início, apesar da ameaça de chuva, anunciou que não iria chover (e acertou); depois, historiou o relacionamento dos noivos, dando ênfase à legalização dos casamentos. Passou ao diálogo de praxe com os noivos e os declarou casados. Ao colher no livro as assinaturas das testemunhas, uma nota de emoção: os avós da noiva foram chamados para assinar também.

Após a cerimônia, encerrada com nova fala da juíza, os convidados se dirigiram à casa central para os comes e bebes.

Havia acomodação em mesas para todos os convidados (não sou bom avaliador de quantidade de pessoas em reuniões; achei que eram, no mínimo, duzentos os convidados, mas o DJ falou em trezentos). As comidinhas e bebidas foram muito bem servidas, a música bastante apreciada por todos e a pista de dança foi devidamente utilizada. Em resumo, um ”festão” para ninguém botar defeito.


A van nos trouxe de volta, casa por casa, com um serviço muito bom do motorista que até ajudou no embarque e desembarque dos idosos. Durante a viagem, comentamos, satisfeitos, a excelência da festa.

Em particular, destacamos a emoção do pai da noiva, pessoa sempre muito animada, que  chegou ao pranto, e a confraternização dos colegas da Escola Americana do Rio de Janeiro.


Pensei: se me perguntarem “Então Washington, você pensa que a instituição do casamento está morrendo?”, minha resposta será: “Não, penso que apenas mudou de características. Contudo, a comemoração continua emocionante para a família e agradabilíssima para os amigos.”

Viva o casamento, em todas as suas modalidades!

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

  1. Leilah e Washington estão casados há 63 anos e 8 meses.
  2. Meu amigo disse que a frase “Meu mundo me deixou.” é de François-René, Visconde de Chateaubriand, em seu livro “Memórias do Além-Túmulo”.
  3. A juíza de paz, uma senhora experiente, muito atuante no Rio, já era conhecida nossa de outros casamentos.

·L

sábado, 5 de agosto de 2023

A importância de seu idioma

Prezada leitora, ou caro leitor:

Por favor, responda mentalmente às perguntas que faço abaixo:

- Você percebe que, em igualdade de outras aptidões, quem escreve ou fala melhor tem melhores posições no mercado de trabalho?

- No seu trabalho, você pensa que usar o idioma corretamente ajuda na obtenção de resultados ou na qualificação de seu desempenho?

- Você se preocupa em falar corretamente, ou seja, segundo as regras gramaticais estabelecidas?

- Você se preocupa em escrever corretamente, ou seja, segundo as regras gramaticais estabelecidas?

- Você rejeita a incorporação desnecessária de palavras de idiomas estrangeiros ao seu idioma?

- Você gostaria de que seus filhos e netos falassem e escrevessem bem em seu idioma?

Se respondeu positivamente a uma dessas perguntas e se usar o idioma Português, provavelmente se interessará em ler esta crônica.


Estimulado, principalmente por meu pai, a falar e escrever corretamente em Português (minha língua pátria) desde criança, venho tendo esse cuidado ao longo da vida. Transmiti essa preocupação a meus filhos.

Neste blog, tratei do assunto em algumas crônicas, mas permaneço desencantado com o descaso, incompetência e desrespeito com que nosso idioma vem sendo tratado, especialmente por profissionais e políticos, seja por falta de educação, ou por necessidade de desconstrução dos costumes ou de apresentar e forçar novidades desnecessárias, inconvenientes, que não constituem evolução linguística e não melhoram a comunicação.

Então, penso: “Será que estou dando importância exagerada ao assunto?”. Exagerada, no caso, em relação à importância que as pessoas, jovens e maduras, profissionais da comunicação ou não, dão ao uso correto do idioma.

Resolvi, portanto, discutir essa minha preocupação com alguns de meus filhos que, já adultos maduros com estudo e grande experiência de trabalho, escrevem bem textos de apresentações, relatórios, documentos, mas, também, usam a linguagem abreviada das mensagens digitais e expressões coloquiais. Eles demonstram se importar com o assunto.

Outro dia, tive o seguinte diálogo com Jurema, minha filha:

― Pai, não aguento ouvir as pessoas usando “aonde” e “haverão”  erradamente. Por exemplo: “Aonde você está?” em lugar de “Onde você está?” e “Haverão distúrbios” em vez de “Haverá distúrbios”. E, muitas, são pessoas de curso superior, como jornalistas e advogados por exemplo...

Respondi:

― Pois é, minha filha. Usar “haverão” no sentido de “existirão” é um erro antigo, pois o verbo haver, no sentido de existir, é impessoal, não tem sujeito determinado e é conjugado na terceira pessoa do singular. A palavra “haverão” é usada quando “haver” tem outros significados ou é verbo auxiliar.

O uso equivocado de “aonde”, intensificado mais recentemente, de certa forma, virou moda. E é tão fácil observar que “aonde” é “a” mais “onde” e indica movimento. “Onde” indica um lugar (parado).

― Também me incomodam erros de concordância de gênero e número e algumas expressões como “Você quer que eu pego?”, por exemplo.

― Continuam cometendo, além dos erros clássicos de concordância, aqueles de regência de verbos, como: “Prefiro caminhar do que correr.” em vez de “Prefiro caminhar a correr.”; “Você vai assistir o jogo hoje?” em vez de “Você vai assistir ao jogo hoje?”.

― Bem, filha, há, claro, muitos outros exemplos de incorreções, especialmente se considerarmos, também, erros de ortografia; esta nossa conversa iria muito longe. É importante lembrar que estamos tratando de fala e escrita formais, de trabalho, e não do Português coloquial que usamos todos nós; e que, também, mandamos mensagens informais e abreviadas.

― Minhas mensagens no WhatsApp têm de ser rápidas e eu uso muito as abreviações convencionais; mas me faço entender.

― Tenho de comentar que não me considero professor ou “autoridade” no assunto. Considero-me um bom aluno que procura ajudar com seu conhecimento. Como nosso idioma é muito complexo, estamos sujeitos a alguns deslizes. Por exemplo, até outro dia eu falava “octagenário” para me referir a um homem na década dos 80 anos de idade. Na escrita, o corretor acusou erro – e aprendi que o correto é “octogenário”. E veja bem como somos induzidos a erro: o indivíduo na década de sessenta é “sexagenário”, na de setenta é “septuagenário” (ou “setuagenário”) e o de noventa é “nonagenário”. É fogo, não é?

― Sim, pai, bem complicado...

― Penso que as pessoas que precisam falar e ou escrever corretamente podem usar a ajuda de um livro de gramática. Estes livros, entretanto, são organizados em tópicos para estudo, de modo que consultas específicas são trabalhosas e, muitas vezes, o tempo é curto. Neste caso, a versão digital dos livros (e-book) é bastante conveniente, porque o programa Kindle oferece pesquisa automática de palavras. Testei e gostei.

― Pai, seria interessante o senhor escrever uma crônica sobre o assunto.

― Fico satisfeito por saber que você se preocupa com o uso de nosso idioma, o que acontece também com seus irmãos; eles, de vez em quando, me consultam para resolver alguma dúvida. Sim, minha filha, vou escrever nova crônica sobre o tema – e vai ser baseada em nosso diálogo.

Washington Luiz Bastos Conceição


Complementos:

Excerto da crônica “Da Taquigrafia Eletrônica”, publicada em janeiro de 2015.

...

Nada tenho contra a escrita abreviada de e-mails e mensagens, desde que o texto cumpra seu objetivo de comunicar – mas ela não deve ser considerada substituta da redação completa e correta em nosso idioma, não só quanto à ortografia como – e principalmente – quanto à concordância e ao uso apropriado das palavras.

Uma coisa é uma comunicação escrita rápida, informal, outra muito diferente é o texto de uma proposta de negócios, um relatório técnico, uma crônica, uma notícia de jornal, um comentário político, enfim, uma comunicação formal. Este tipo de comunicação requer uma redação que se enquadre nas regras do idioma. Por esta razão, todo profissional, mesmo que não tenha grau universitário, precisa saber escrever corretamente.

Em minha longa vida de trabalho, observei que os profissionais que se expressavam corretamente por escrito levavam vantagem sobre colegas que, embora no mesmo nível técnico, não tinham essa habilidade. As atividades normais do trabalho, até as científicas, requerem competência redacional para a elaboração de apresentações, relatórios, propostas comerciais e planos empresariais.

Em suma, a comunicação eficaz, hoje em dia, requer o uso de mensagens eletrônicas informais, com abreviações ou não, por sua agilidade, rapidez, e por poder ser feita mediante dispositivos portáteis. Por outro lado, quando formal, a comunicação eficaz requer o uso de textos técnicos ou de negócios redigidos corretamente.

Dentre os profissionais igualmente competentes no que fazem, aqueles que têm boa redação valem mais.


Excerto da crônica “O que que há?”, publicada em dezembro de 2016 

Nestes tempos em que a comunicação, escrita e falada, vem se tornando cada vez mais intensa, a importância dos idiomas é cada vez maior. No Brasil, como estamos usando nosso idioma?

De uma forma geral, para escrever, usamos o Português procurando seguir as regras gramaticais e ortográficas.

Para falar usamos o Português coloquial, ou seja, procuramos falar o mais corretamente possível, mas, por hábito, empregamos expressões que, embora incorretas, são de uso geral e corrente. Por exemplo, no dia a dia, empregamos: o verbo “ter” em vez de “haver” (“Tem louça na máquina?); não respeitamos concordâncias (“Você veio no teu carro?”); e muitos ainda cometem erros daqueles bem conhecidos (“haverão” no sentido de existirão, “fui na casa dele”, e outros). Usamos esse mesmo Português coloquial ao trocarmos mensagens por telefone celular, “tablet”, ou computador, recorrendo intensamente a abreviações.

Há, ainda, aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de estudar, muitas analfabetas ou quase, que erram muito ao falar, ofendendo grosseiramente a gramática elementar e, faltando-lhes vocabulário, recorrem à gíria (sempre renovada) e ao jargão de suas atividades específicas.

Meus parentes e amigos, bem como os meus outros leitores mais antigos, já sabem de minha preocupação com o Português. Hoje, volto com mais considerações sobre o assunto porque, mesmo aturdido pelo horrível noticiário da televisão nestes dias tão agitados, não consigo deixar de reparar em algumas impropriedades na linguagem utilizada repetidamente pelos repórteres e comentaristas, jornalistas competentes em seu trabalho, que se expressam muito bem e têm bom vocabulário. Penso, então, que estamos em crise também no uso do Português.

...

Reconheço, aqui, que estou fazendo o papel do brasileiro escolarizado, com a melhor das intenções, altamente preocupado com os comunicadores que falam em público, especialmente na televisão, que poderiam cuidar de passar um “sermo urbanus” de melhor qualidade ao espectador. Na televisão, já corrigiram o “Boa noite a todos que estão nos assistindo!”, passando simplesmente a dizer “Boa noite a todos!”, mas, por exemplo, poderiam passar a usar: “O que está acontecendo?” em vez de “O que é que está acontecendo?”; “onde está” em vez de “aonde está”; “quando se tornou” em vez de “quando tornou-se”; “prefiro este àquele” em vez de “prefiro este do que aquele”.

Destaco aqui a televisão porque, além de realizar papel importantíssimo na unificação do uso do idioma em todo o País, poderá contribuir mais para o aprimoramento desse uso, independentemente de programas educacionais específicos.

O caro leitor ou a prezada leitora poderá reclamar: “Washington, não dá para falar tudo certinho o tempo todo, ficaria até chato!” Concordo, devemos nos esforçar para falar melhor usando o bom senso, ou seja, comunicando-nos da forma mais apropriada a cada ambiente e situação. Por exemplo, “O que é que há?” é perfeitamente adequado a uma comunicação informal. D. Ivone Lara usou essa expressão muito bem e podemos cantar com ela: “Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há...”.

Ou seja, tudo tem seu lugar e sua hora.


Nota:

Para o leitor ou leitora que se interesse em ler estas duas crônicas por completo, informo os respectivos links:

http://washingtonconceicao.blogspot.com/2015/01/da-taquigrafia-eletronica-e-da-escrita.html

e

http://washingtonconceicao.blogspot.com/2016/12/o-que-que-ha.html

terça-feira, 18 de julho de 2023

O casal de idosos volta a voar

Cara leitora ou prezado leitor: Mais uma vez, relato uma experiência vivida pelo casal, com o duplo objetivo de contar um causo e de transmitir uma experiência nossa. Neste caso, não deverá haver novidade para a maioria dos leitores, mas se servir de dica para alguém já me darei por satisfeito.


O casal de idosos (Leilah, minha esposa, e eu) após a pandemia Covid-19, está vivendo nas condições do que se chamou “novo normal”. Em nosso caso, não muito diferente do isolamento social, por causa de nossas dificuldades de locomoção e necessidade de acompanhamento em locais públicos.

Quanto a viagens, a última que havíamos feito foi para Franca, estado de São Paulo, em 2019.

Este ano, contudo, tínhamos o importante compromisso de participar da comemoração, em São Paulo, do octogésimo aniversário da irmã da Leilah. Foi um projeto um tanto complexo para nós, que envolveu a preciosa ajuda de Jurema, minha filha, e Alexandre, seu marido, que foram nossos acompanhantes, ou seja, nos levaram com eles.

Houve momentos de incerteza quanto à realização da viagem, porque Leilah teve de receber seu marcapasso antes de viajar e, na semana anterior à data da viagem, o casal teve um forte resfriado. Vencidos os obstáculos, voamos para a cidade em que Leilah nasceu e na qual me criei.


Era 5 de julho de 2023. Leilah e eu descemos às onze e meia para a portaria de nosso edifício e chamamos o Uber. Jurema e Alexandre saíram da casa deles e nos esperaram no embarque do aeroporto Santos Dumont. Chegamos ao meio-dia e meia. O encontro deu certo.

Eu estreei o uso da cadeira de rodas no saguão do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Ao meu lado, Leilah, em outra cadeira de rodas, já tinha essa experiência.

Observando o intenso movimento de pessoas no aeroporto, a maioria dos passageiros empurrando malas de quatro rodas, alguns com carrinhos cheios de malas, quase todos usando roupas esportivas e tênis, com o celular na mão, pareceu-me que, em relação à nossa última viagem o ambiente todo não estava muito diferente. Talvez, apenas, mais uso do celular e os códigos QR para providências como imprimir cartões de embarque.


Jurema e Alexandre fizeram o check-in e o despacho das malas, enquanto Leilah e eu esperávamos nas respectivas cadeiras de rodas, trazidas por uma acompanhante da Latam.

Para o embarque, tivemos de aguardar os condutores das cadeiras que iriam nos levar ao embarque e até o avião, passando pela revista da polícia. Demorou algum tempo, mas tínhamos chegado com antecedência – o embarque estava marcado para a uma e meia.

Para mim foi uma sensação diferente ser conduzido pelo aeroporto, entrando e saindo de elevador. Na hora da revista, tivemos de passar pela porta lateral, evitando o controle eletrônico, pois os dois temos marcapasso implantado; tivemos de nos submeter à revista manual, tirando os sapatos. Sempre com a assistência de Jurema e Alexandre, foi passada nossa bagagem de mão, celulares e casacos. Não houve problema, fomos tratados com atenção. Conduzidos ao portão de embarque, esperamos algum tempo mas fomos os primeiros a entrar no avião e nele devidamente acomodados.

Dentro do avião, as novidades foram: a capacidade maior dos compartimentos de bagagem (havia passageiros com malas nada pequenas que foram devidamente acomodadas); a substituição do lanche rápido da ponte aérea Rio-São Paulo por um copo d’água com alguns poucos gramas de “chips” de batata doce; a permissão para uso do celular (no modo avião) e as tomadas na frente das poltronas para os carregadores de celular.

O voo foi de curta duração (uns quarenta e cinco minutos) tranquilo, sem turbulências, e o pouso no aeroporto de Congonhas foi normal. Como não havia “finger” disponível, o desembarque dos passageiros foi feito por escada e transporte por ônibus, mas nós, Leilah, eu e nossos acompanhantes, baixamos do avião por um “ambulift” e fomos transportados até a área de desembarque.

Um ambulift (fonte: Google)

De lá, fomos conduzidos, novamente em cadeiras de rodas, até o Uber que Jurema tinha reservado desde o Rio de Janeiro. Chegamos muito bem à residência dos grandes e velhos amigos, também um casal idoso, que nos hospedaram regiamente até a segunda-feira, quando regressamos ao Rio.

A viagem de volta foi feita nos mesmos moldes e, também, foi tranquila.


Foi, para mim,  quase uma aventura, uma situação diferente de minhas viagens anteriores e me fez lembrar, comparando, as viagens frequentes que eu fazia, a trabalho ou de férias, principalmente para o exterior, quando os sistemas e serviços do aeroporto e das companhias aéreas eram muito diferentes do que temos hoje.  

Planejamos nova viagem para São Paulo, ainda este ano, por motivo semelhante. Pelo sucesso da experiência, estamos confiantes.

Washington Luiz Bastos Conceição



quinta-feira, 29 de junho de 2023

National Language

Para escrever no meu computador pessoal eu costumo usar o processador de texto Word, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos. Ele oferece muitos recursos e eu aproveito vários deles, incluindo ditado, tradução e edição de textos em diferentes idiomas. A qualidade da tradução, que não pode ser perfeita, é semelhante à do tradutor do Google (pelo menos para inglês e espanhol, idiomas em que posso fazer essa comparação). A edição melhora a redação.

A lista de idiomas disponíveis para tradução (no meu tempo de escola, quando a tradução era do Português para outra língua, chamava-se versão) é enorme; contei 114, do Africâner ao Zulu, incluindo algumas variações, como Chinês Literário, Chinês Simplificado e Chinês Tradicional, por exemplo.

Para ilustrar, mostro abaixo, sem editar, a versão para o Inglês do primeiro parágrafo acima.

To write on my personal computer I usually use the Word word processor, which has been perfected over the years. It offers many features and I take advantage of several of them, including dictation, translation and editing of texts in different languages. The quality of the translation, which cannot be perfect, is similar to that of Google's translator (for English and Spanish at least, languages in which I can make this comparison). Editing improves the wording.

Por outro lado, meu blog oferece a tradução das crônicas, do Português para 130 idiomas; meus leitores estrangeiros têm utilizado o recurso. Para ilustrar, as imagens do início de uma crônica no blog, em Português e Espanhol:




Esse extraordinário estímulo à comunicação entre pessoas me faz lembrar, frequentemente, da evolução dos softwares nessa área e, especialmente, de um dos projetos mais interessantes de que participei e gerenciei em meu trabalho na IBM do Brasil: o projeto internacional denominado “National Language”, que aconteceu no início da década de 1980.


No início de sua história, os computadores, todos de grande porte e alto preço, eram utilizados nas organizações maiores (órgãos de governo e grandes empresas) com o mesmo conceito das máquinas eletromecânicas que os precederam, ou seja, de forma centralizada, mediante um departamento chamado Centro de Processamento de Dados (o CPD). Este recebia informações dos diversos setores da organização (por exemplo, o Departamento de Pessoal), documentos e relatórios manuscritos ou datilografados, processava os sistemas respectivos (por exemplo o da folha de pagamento) e entregava os resultados (por exemplo, contracheques de pagamento e relatórios da folha). Quem lidava com os computadores eram os funcionários do CPD: analistas de sistema, programadores, operadores das máquinas e perfuradores de cartões. Assim como as mensagens e telas dos softwares, os manuais e “newsletters” disponíveis estavam em Inglês, de sorte que os profissionais precisavam ter o conhecimento desse idioma.

Quando os sistemas evoluíram para o uso de terminais nos departamentos clientes do CPD, ou seja, quando os computadores passaram a ter “usuários finais” nos demais departamentos de cada organização, surgiu a necessidade de que as telas e as mensagens operacionais do sistema, além dos manuais de instruções, estivessem no idioma dos usuários.

Daí o projeto “National Language”, que teve como objetivo produzir, para os muitos países em que a IBM atuava, software e manuais nos respectivos idiomas – em sua língua nacional.


Minha designação para o projeto me levou a trabalhar na implantação do Departamento de National Language no Brasil e a participar do grupo internacional da IBM World Trade, formado pelos gerentes de projeto dos vários países envolvidos. Havia reuniões periódicas nos escritórios da Empresa no Estado de Nova York, para discussão do progresso das atividades, para apresentações de diretrizes e para sessões de trabalho (workshops). Além das reuniões, visitávamos  fábricas e centros de desenvolvimento em várias cidades, para sermos informados sobre novos produtos, hardware e software.

Por necessidades específicas, o Canadá (pelo uso do idioma Francês do Quebec) e o Japão (com seus “alfabetos” especiais) estavam adiantados nas atividades de tradução, com departamentos bem estruturados, razão pela qual, no início do projeto, estendi minha viagem aos Estados Unidos para Montreal e Tóquio. De ambos eu trouxe informações sobre a missão e organização dos respectivos departamentos responsáveis pelas traduções, estruturados já havia algum tempo. No Japão, tive a oportunidade de admirar a criatividade dos analistas ao lidar, nos computadores, com os ideogramas. Haviam começado com o Hiragana e o Katakana, linguagens escritas simplificadas, e evoluíram para o Kanji (deste, lembro de falarem em trabalhar com 4000 ideogramas).

Nas reuniões do grupo do projeto, tomávamos conhecimento das necessidades de cada país, casos de países com dois idiomas além do Canadá (como o da Bélgica, que eu desconhecia), variantes do mesmo idioma em países diferentes (por exemplo, Francês da França e do Canadá), e a necessidade, em alguns países, de traduzirem até as placas identificadoras das máquinas.

Nessas reuniões, eram apresentados, também, produtos novos, alguns antes do anúncio pela Empresa, que iriam requerer nosso trabalho de traduções (nessas apresentações, como a IBM não podia fazer pré-anúncios, assinávamos compromissos de confidencialidade). Por exemplo, guardo a lembrança de uma incrível demonstração do futuro Personal Computer (o PC) dramatizada pelo funcionamento da máquina até com seus componentes desmontados, fora da caixa.

Houve, também, uma apresentação de software que já era classificado como  “Inteligência Artificial”. Era um programa de perguntas e respostas, semelhante, no conceito, ao sistema do Google. Não me lembro de sua abrangência, se era limitado por assuntos, por exemplo.

As visitas aos centros de desenvolvimento de software e às fábricas também eram muito interessantes para orientação ao grupo na produção de seus módulos de software e de seus manuais.

Por exemplo, em uma das fábricas, tomamos conhecimento do procedimento que a IBM chamava de “Human Factors”, que era uma pesquisa do comportamento das pessoas com capacidade de operar um certo equipamento, mas necessitavam de treinamento para um novo produto. Por exemplo, quando foi introduzido o disquete flexível (o floppy disk), fizeram a pesquisa pondo as pessoas em uma sala fechada frente ao equipamento e dando, sem instrução prévia, um disquete para introduzir na máquina e digitar um documento. As reações das pessoas, observadas pelos técnicos fora da sala, eram as mais variadas e indicavam que tipo de treinamento e informação eram necessários para o bom uso do produto.

Nos centros de desenvolvimento de software, éramos informados, sempre nos comprometendo com a confidencialidade, sobre as características dos produtos em desenvolvimento que teríamos de traduzir. O Centro de Desenvolvimento de software de Santa Teresa, na Califórnia, próximo a San José, impressionava os visitantes por ser um edifício moderno construído em um terreno de fazenda, bucólico, com o objetivo de proporcionar aos profissionais de desenvolvimento de software um ambiente tranquilo para seu trabalho. 

De início, a tradução de programas, era muito difícil porque os textos das telas e mensagens em Inglês estavam inseridos na sequência das instruções e precisavam ser pesquisados nos programas, geralmente muito grandes e complexos. Um dos analistas de meu departamento foi aos Estados Unidos trabalhar em um projeto desse tipo, enfrentando a dificuldade enorme do processo. Experiências desse tipo levaram a IBM a mudar a arquitetura dos programas, mediante a inclusão de um módulo de tradução que cada país líder do idioma passou a preparar para introdução no software respectivo.

Alguns anos depois de minha saída da IBM, minha empresa de assessoria e consultoria prestou à IBM serviços de análise de sistemas e tradução na produção dos módulos de “National Language” para vários softwares de mainframes.


Pelo que comentei de início quanto aos recursos de tradução do Word e do Blogger (programa do blog), percebe-se que dou muito valor ao recurso de tradução disponível, hoje em dia, nos aplicativos e software em geral. Dou valor, não somente por ter participado de um trabalho pioneiro tão interessante e importante no processo de globalização da Informática, como também e principalmente, porque a tradução facilita enormemente a comunicação entre pessoas no mundo todo, cada vez mais necessária hoje em dia.

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

  • Em uma das reuniões do grupo de National Language reencontrei Hiroaki Fujita, o colega japonês com quem trabalhei no Projeto 3.7 da IBM, em Chicago, em 1968 e 1969.
  • Dentre os módulos que minha empresa traduziu para a IBM, destacaram-se o Db2 Query Management Facility (QMF), o Cross System Product (CSP) e o OfficeVision/VM.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Viagem de Final de Curso

Nesta semana, faleceu um colega de minha turma de Engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, colega que se tornou um grande amigo, o engenheiro e professor Eluízio de Queiroz Orsini. Casado com Laïs, também colega de turma, o casal manteve, comigo e Leilah, minha esposa, um forte laço de amizade, da juventude à idade avançada.

A triste notícia me trouxe à lembrança um acontecimento que nos aproximou, a mim e ao Eluízio, tornando-nos, além de colegas de classe, grandes amigos. Esse acontecimento foi uma viagem que fizemos, em grupo, no último ano de nosso curso.

Transcrevo a seguir, de meu primeiro livro (o “Histórias do Terceiro Tempo”, publicado em 2009) a narração dessa viagem.


A lo mejor me deportan...

Passei um sufoco em La Paz em um ensolarado domingo de julho. Julho de 1955.

Era meu último ano de Engenharia e eu estava na Bolívia, com um grupo de colegas, em uma viagem de final de curso. Embora tivesse levado dinheiro acima do valor orçado (42% a mais) a viagem não ocorreu conforme as previsões do grupo, quanto aos meios de transporte e quanto à ajuda de hospedagem por parte das autoridades locais, em cada cidade que íamos visitar. As despesas reais estavam bem maiores do que as planejadas. Eu corria o risco de não ter dinheiro suficiente para voltar ao Brasil.

Viagem de estudante daquele tempo era fogo! Nada de Europa, Estados Unidos e outros lugares do Primeiro Mundo. E, também, não podia ser muito longe, porque viajar de avião era para gente rica.

Havia, porém, a tradição de, no fim do curso, os universitários fazerem uma viagem, supostamente relacionada com os estudos, para as quais conseguiam algumas vantagens e favorecimentos nos preços de passagens e hospedagens.

Formamos um grupo de oito estudantes da Poli, a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e de três da Pauli, a Escola Paulista de Medicina, para fazermos uma viagem à Bolívia.

A iniciativa e a  organização foram de meu colega, Eluízio Orsini, o Zico, e seu amigo Ciro, também politécnico. Em memorável reunião, temperada pela fumaça dos cachimbos dos dois, eles nos descreveram o programa: de São Paulo a Bauru por trem da Sorocabana ou da Companhia Paulista; de Bauru para Corumbá, pela Estrada de Ferro Noroeste. Então, teríamos a oportunidade ímpar de conhecer a Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, recém-inaugurada pelo Presidente Café Filho, vice-presidente que assumiu o governo após o suicídio de Getúlio Vargas. Essa etapa nos levaria de Corumbá a Santa Cruz de La Sierra. A seguir, Cochabamba, La Paz e, se possível, chegaríamos ao Peru pelo lago Titicaca. Conseguiríamos as passagens de trem e, quanto às despesas de hospedagem, a expectativa, nada modesta, era de que os prefeitos e outras autoridades de cada cidade se sentiriam honrados em pagá-las por nós. A partir dessas premissas, foi feito o orçamento per capita. Compras e extras ficariam por conta de cada um.

Em matéria de aprendizado, faríamos uma enorme quilometragem de estrada de ferro e, em termos de aventura, a viagem seria um prato cheio. Nada melhor para jovens de vinte e poucos anos que iriam cair na vida dura em seis meses!

De posse das passagens de trem para a ida e a volta no percurso São Paulo – Corumbá, saímos de São Paulo no início de julho.

De São Paulo a Bauru, tudo muito bem – o trem era confortável, a viagem foi muito boa. Chegamos à tarde e, à noite, embarcamos para Corumbá. O trem já não era tão bom, mas conseguimos leitos, muito importantes porque a viagem iria durar uns três dias. Depois de um bom trecho ainda no estado de São Paulo, cruzamos o rio Paraná, entramos em Mato Grosso (hoje, do Sul), passamos sucessivamente por Três Lagoas, Campo Grande, Aquidauana, com algumas paradas imprevistas por problemas na ferrovia, até chegarmos a Corumbá. Como “estudo”, tivemos a experiência de usuário da ferrovia em si e o conhecimento de algumas pontes importantes (embora não parássemos  para observá-las melhor, pois estávamos em um trem comum de passageiros).

Em Corumbá, onde tivemos dificuldade para conseguir hotel, fomos acomodados em um salão grande do Hotel Venizelos, como se estivéssemos em um alojamento militar – e pagamos bem. Lá constatamos que, além do nosso grupo, mais uns dez grupos estavam indo para a Bolívia, entre os quais um da Faculdade de Arquitetura da USP, outro de Ciências Sociais, outro da Faculdade de Odontologia de Alfenas, Minas Gerais. Iríamos encontrar estudantes brasileiros ao longo de toda a viagem.

Ao tentar programar a viagem de trem para Santa Cruz, constatamos que o trem utilizado para a inauguração da Brasil-Bolívia era especial, não circulava normalmente; a viagem teria de ser feita num trem misto (passageiros e carga) em condições totalmente inadequadas. Entre desistir da viagem e prosseguir de outra forma, optamos por fretar um avião, juntamente com os colegas da Arquitetura, para o trecho Puerto Suarez – Santa Cruz. Puerto Suarez fica na Bolívia, do outro lado do Rio Paraguai, em frente a Corumbá. Cruzamos a fronteira, jantamos e dormimos em Puerto Suarez e embarcamos na manhã seguinte. Das acomodações dessa noite, não me lembro, mas do jantar, cujo prato principal era uma espécie de sopa de fubá, sim. Para horror do Sérgio Bastos, que era um bocado enjoado com comida, experimentei a gororoba – eu era bom garfo e corajoso.

Ao mencionar o Sérgio Bastos, meu colega e amigo desde o primeiro científico, primo da Leilah, lembrei-me de que ainda não contei quem participou desta aventura. Da Politécnica: além de nós dois, Eluízio Orsini, um dos organizadores já mencionados, colega que conheci melhor na viagem e com quem mantenho grande amizade; agora somos velhos amigos velhos; o Ciro, o outro organizador, amigo do Zico; o Sérgio Cataldi, outro grande amigo meu até hoje, com quem o Bastos e eu formamos uma “panelinha” para revezamento em algumas aulas teóricas (a “Panela de Ouro”, nome inspirado no papel amarelo que usávamos para nossas anotações); Antoninho Mellone, embora da nossa idade, primo do pai da Leilah; Olympio Pereira de Sousa, um dos goleiros do nosso time de várzea, o “ijk”; Airton Bassani, colega sério e compenetrado; Eduardo Buenaventura de Bello Pedreschi, o Bello, grande panamenho, bolsista, ele e eu servimos de intérpretes para o grupo, quando surgia na comunicação alguma dificuldade com o Espanhol. Da Paulista: o Emílio, o Junqueira e o Lima, dos quais só me lembro do nome de guerra, embora me recorde muito bem deles.

Deu onze? Então relacionei todos.

O grupo: aproveitamos uma parada forçada do trem

 Na manhã seguinte, lá estava, no aeroporto de Puerto Suarez, um belo DC3 esperando por nós.

O DC3 foi, por muito tempo, o avião mais usado no Brasil e, provavelmente, nos países vizinhos, nas décadas de 50 e 60 do século passado. Era um bimotor, a hélice, motor de explosão, asa baixa, relativamente seguro; seu trem de aterragem era composto de duas rodas sob a asa, complementado com uma na cauda. Não me lembro de grandes problemas com esse tipo de avião.

Embarcamos, o nosso grupo e o da Arquitetura, do qual participava um conhecido meu, o Roberto Frioli, namorado (depois noivo e marido) da Isabel, colega de turma e amiga da Leilah. Como os arquitetos eram dez, o avião estava levando 21 passageiros, todos estudantes na casa dos vinte e poucos anos, cheios de energia e animados com a viagem.

A grande emoção do voo aconteceu quando organizaram um programa de visitas à cabine dos pilotos, três ou quatro visitantes de cada vez. Na minha vez, um coleguinha perguntou ao comandante sobre a potência do avião, se era adequada àquela rota. O comandante respondeu algo como: “Claro, esta aeronave voa com apenas um dos motores! Quer ver?” e desacelerou (ou terá mesmo desligado?) um dos motores. Até hoje me lembro do frio que senti na barriga!

A menos da demonstração do piloto, a viagem foi normal e chegamos bem a Santa Cruz de La Sierra.

Santa Cruz, em nosso plano de viagem, era apenas uma parada, não tínhamos planejado nenhuma excursão ou visita especial. Limitamo-nos a conhecer o centro da cidade, sua praça principal, onde fica a Catedral. Chamou-me atenção, além da arquitetura pesada da Igreja, a elevação das calçadas, de cerca de meio metro acima do nível da rua. Fomos visitar a prefeitura para pedir ajuda na hospedagem e no transporte para Cochabamba, mas não conseguimos nada.

Novamente, tivemos de viajar de avião, por nossa conta. Era um avião de carreira, um quadrimotor, provavelmente um DC4. O avião tinha uma configuração padrão de assentos; a única coisa diferente era um grande tubo de oxigênio no fundo, junto ao posto da aeromoça (comissária de bordo). Durante o voo, ficamos sabendo para que servia o tubo: como estávamos subindo para o altiplano (de 400 a 2500 metros de altitude, em números redondos) e a aeronave não era equipada com máscaras de oxigênio como nos aviões de hoje, a aeromoça tinha de injetar, intermitentemente, oxigênio na cabine.

Lembro-me que Cochabamba nos pareceu uma cidade agradável e que ficamos num bom hotel, conseguindo desconto mediante o alojamento de três ou quatro por apartamento.

De Cochabamba a La Paz, um dia de trem, mais ou menos. Os carros eram relativamente confortáveis e, à noite, em Oruro, passamos a um carro com cabines. Conseguimos, porém, apenas nove leitos para os onze passageiros; dois tinham de ficar de fora e dormir nas poltronas do carro comum. Decidimos driblar os fiscais do trem e fomos os onze para as cabines, sorteando duas duplas. Fui sorteado, tive de dormir com o Cataldi; ele não era lá muito magro, mas eu era. Não houve problema, apenas o suspense da visita do chefe de trem que foi examinar as cabines com uma lanterna. Escondemo-nos bem e passamos no exame.

Chegamos a La Paz no dia seguinte, à tarde. Como a cidade fica numa espécie de cratera, a última etapa da viagem foi a descida do trem para a estação, que deve ter durado mais de meia hora. Estávamos descendo de uns 4000 e poucos metros de altitude para apenas 3660!

Tínhamos cumprido, então, o seguinte roteiro:


Desenho sobre o mapa do Google

A essa altura da guerra, já não tínhamos mais ilusão de conseguir qualquer desconto de hospedagem, de forma que optamos pelo Itália, hotel relativamente afastado do centro, um prédio antigo e simples, porém confortável, com uma quadra de bola ao cesto (basquete). Ficamos todos animados; na mesma tarde de nossa chegada, decidimos nos exercitar. Alguns, que trocaram logo de roupa e chegaram antes à quadra, jogaram uns minutos de basquete, mas depois armamos um racha (pelada) de futebol de salão. Então, meus caros leitores, a experiência inesquecível: aqueles garotos, em plena forma física, praticantes de futebol e outros esportes, em quinze minutos estavam de língua de fora! Por isso, sempre que assisto, pela televisão, a jogos de algum time de fora naquela cidade, lembro-me de nossa surpresa e entendo muito bem a dificuldade dos jogadores.

Em La Paz até que passeamos um pouco: conhecemos, e lá fomos várias vezes, a praça central, em frente ao Palácio do Governo. Na praça, como informação turística, mostraram-nos o poste onde um presidente deposto (Villaroel) tinha sido enforcado depois de assassinado no Palácio. Fomos ao mercado, onde fizemos pequenas compras, como meias de lã e gorros (os “pasamontañas”, aqueles gorros coloridos que cobrem as orelhas) mas eu nem tentei comprar a estola de pele que tinha planejado levar ao Brasil, pois já sabia que o dinheiro estava ficando curto. Visitamos também a Universidad Mayor de San Andrés, onde encontramos um estudante falando um português perfeito e sem sotaque espanhol; todos pensamos que ele fosse brasileiro, mas era um boliviano que tinha morado no Brasil. Fora do comum para nós, o prédio da Universidade era um edifício bem alto no centro da cidade.

Nossa possível viagem ao Peru, através do Titicaca, foi descartada por falta geral de recursos, mas quisemos conhecer o lago navegável mais alto do mundo. Tomamos um trem para o porto de Guaqui, aonde chegamos depois de umas quatro horas. Era um vilarejo à beira do lago, largas ruas não pavimentadas, não vimos nada de interessante, apenas conhecemos o lago e o porto. Nada de mais a não ser o registro de que estivemos lá. Alojamo-nos numa espécie de pensão, uma casa bem grande de dois andares, mas que não estava em condições de hospedar o grupo devidamente. O jantar, um macarrão aguado e sem graça, foi improvisado e foram colocadas camas em quartos bem grandes no andar de cima. A perspectiva era triste: uma noite naquele lugar ermo, sem nada que fazer. Mas daí, alguém, tentado pelo demônio, descobriu e comprou umas garrafas de pisco num armazém próximo e resolvemos provar. Primeira impressão: “Bebida fraca, não se compara com a cachaça.”;  depois: “Já bebi duas doses e não sinto nada.”; e assim foi até que, um a um, ficamos todos de porre, o maior porre coletivo que presenciei na vida. À medida que um deles ficava ruim, os outros ajudavam, levavam-no para tomar ar na rua, mas todos acabaram sucumbindo. O Antoninho e eu estávamos aguentando bem, eu estava todo senhor de mim, apreciando pela janela do quarto o céu mais estrelado que vi em minha vida. Então, o Antoninho me ofereceu um cigarro (eu não fumava e, acho, ele também não). Comecei a fumar, sem tragar. De repente, o bicho pegou – tive de descer ao banheiro às pressas e vomitar a alma. O Antoninho também capotou.

No dia seguinte, ao embarcarmos no trem, de volta para La Paz, estava todo mundo meio zumbi, quieto, curtindo a ressaca.

A excursão a Guaqui foi dramaticamente inesquecível. Para a dona da pensão também, que disse que nunca mais iria hospedar brasileiros!

O que vimos de interessante em La Paz foi a festa tradicional dos índios, realizada em julho, a “Diablada”. Assistimos, no Estádio de Futebol de La Paz, ao espetáculo dos grupos de várias cidades, numa organização semelhante ao desfile de escolas de samba. Os participantes se fantasiavam de “diablos”, pintados e com chifres; tocavam flautas longas, acompanhadas por tambores. O colorido das roupas, não só dos artistas como da própria audiência, era muito bonito e as danças bem movimentadas. Para mim, entretanto, depois de ver umas três diabladas (a mais famosa era a de Oruro) já tinha visto tudo, pois parecia uma repetição infindável. Assim mesmo, parece-me, assistimos a todo o espetáculo.

De qualquer forma, valeu a pena.

Meus companheiros foram ainda a Chacaltaya, pico da Cordilheira dos Andes perto de La Paz, mas eu não pude ir porque tive de antecipar a viagem.

Para que não ficasse sem dinheiro para voltar ao Brasil, problema que estudantes de outras faculdades já estavam tendo, antecipei minha data de volta. Meus colegas iam voltar na terça ou quarta e eu programei voltar no domingo para aproveitar, em Santa Cruz, uma carona com os cariocas da Escola Nacional de Engenharia, que tinham conseguido o transporte por trem especial de Santa Cruz de La Sierra para Corumbá.

Eu tinha, então, de providenciar, junto à Polícia, em La Paz, minha documentação de volta, uma espécie de salvo-conduto, exigência do governo deles daquele tempo. Tudo isso, em pleno domingo!

Fui ao quartel da Polícia. Dei sorte, porque o oficial que me atendeu, todo galã, estava com a noiva. Talvez por estar com ela, foi muito cordial, me atendeu muito bem e preparou o documento. Só que eu tinha de conseguir também a assinatura de uma autoridade de outro órgão do governo, que não funcionava aos domingos. Como eu tinha de tomar o avião naquela tarde, o oficial me deu o endereço da casa da pessoa – e para lá fui.

Encontrei a casa do homem. Por sorte ele estava, me atendeu muito bem e, afinal, consegui sua assinatura no documento.

Do aeroporto de La Paz, voei para Santa Cruz, encontrei os cariocas, me juntei a eles e fomos de trem para Corumbá, o que levou uns três dias de viagem, pois à noite o trem ficava parado para o maquinista dormir. As estações também fechavam à noite, de modo que não podíamos comprar comida para jantar – eta viagem boa! As dificuldades foram compensadas pela alegria e cordialidade da turma. Afinal, chegamos de volta ao Brasil.

Em Corumbá, juntei-me novamente ao meu grupo, que voltou da Bolívia de avião. Finalmente, tomamos o trem de volta para São Paulo.

Não posso me esquecer, contudo, da sorte que tive naquele último domingo em La Paz, e, especialmente, da atenção do homem que assinou o meu salvo-conduto. Funcionário de um governo forte, num país com histórico de várias revoluções, ele me disse algo que me calou fundo e que gravei na memória. Quando agradeci a gentileza dele e lhe dei um cartão com meu endereço, dizendo para me procurar se algum dia fosse a São Paulo, ele tomou o cartão, um pouco hesitante, fez uma cara um tanto desanimada e falou: “Está bien, a lo mejor me deportan...”.


Sei de cinco companheiros do grupo que nos deixaram antes do Zico; dos outros, não tive notícia. Contudo, durante muito tempo, essa viagem de jovens estudantes foi uma alegre recordação para nós, por tudo que vimos e passamos. Para mim, hoje, carregada de forte emoção.

Washington Luiz Bastos Conceição