sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Um casal de idosos e a operação doméstica – Segunda parte

Senhora leitora ou senhor leitor:

Leilah e eu sentimos o avançar da idade (em maio próximo a soma de nossas idades será 180 anos), fazemos o possível para permanecer neste mundo, apesar do desgaste físico, e costumamos dizer que estamos relativamente bem. As observações dos amigos nos encorajam.

Transmitir nossa experiência de vida é a razão de eu vir lhes descrever, minuciosamente, atividades domésticas do casal, atividades comuns que todas as famílias praticam e, provavelmente, nos ajudam a continuar ativos.

Na primeira parte desta crônica, fiz uma introdução sobre o novo enfoque de vida dos idosos que, aposentados, têm ainda pela frente, além de outras atividades, as tarefas da operação doméstica. Também resumi o currículo do casal quanto às atividades dessa natureza e passei a descrever como Leilah e eu fazemos nosso trabalho de planejamento e controle financeiro e de compras. No final prometi descrever, nesta segunda parte, “várias outras tarefas domésticas, como aquelas que envolvem cozinha e a manutenção da casa, que ocupam bastante nosso tempo.” É o que vou fazer agora.


Atendendo a manutenção da casa e dos equipamentos

Gostamos muito de nosso apartamento – é um relacionamento que vai completar 54 anos em janeiro próximo – e sentimos que ele continua sendo o ideal para nós. O Meia Lua (apelido do edifício) tem cerca de 100 unidades, o que lhe dá escala para manter uma equipe de serviços que nos atende muito bem. Sua localização é excelente.

Como é muito comum em edifícios construídos há anos, os apartamentos do nosso prédio requerem serviços de manutenção, especialmente das tubulações de água. As reparações em nosso apartamento se tornam pequenas reformas, que exigem do casal as providências necessárias e muita paciência. Atuamos de comum acordo; ambos se envolvem, mas eu assumo o acompanhamento dos serviços e Leilah faz a avaliação e a aceitação, ou seja, faz o papel de cliente.

Quanto aos equipamentos: são vários eletrodomésticos e eletrônicos de uso corrente em  residências; frequentemente, algum deles apresenta defeito, quebra ou simplesmente para de funcionar. Raramente consigo consertar algum aparelho ou objeto (precisa ser algo muito simples e que não exija ferramenta específica), de modo que temos de recorrer a um técnico (caso dos computadores, por exemplo), mas sempre procuramos entender o defeito e saber como está sendo corrigido.

Rotinas diárias

A limpeza e arrumação da casa é gerenciada pela Leilah, que é muito mais observadora do que eu. Ela orienta e acompanha o trabalho das diaristas.

Outra atividade diária da Leilah é a lavagem de roupa. Embora pouco saiamos de casa, há roupa para lavar todo dia. Logo de manhã, ao se levantar, ela se encaminha à área de serviço sobraçando uma pilha de roupa que leva à máquina de lavar e põe esta a funcionar.

Na atividade de estender a roupa lavada nos varais da área de serviço e de, mais tarde, recolher a roupa seca, eu sou o auxiliar. Não deixa de ser um exercício físico.

Outras rotinas diárias, que fazemos quase automaticamente) são: lavar e guardar a louça, guardar roupa nos armários (nesta, sou muito relapso), “fechar a casa” à noite (portas, janelas, cortinas)...

Observação importante: como meu automatismo aumentou com a idade, nas atividades rotineiras preciso me manter focado para não trocar as bolas.

As atividades culinárias – forno e fogão

Estas são, talvez, das atividades domésticas, aquelas  que dão mais satisfação à Leilah.

Como já contei, ela, quando mocinha, aprendeu a cozinhar com a mãe, durante as férias escolares. Depois de casada, trabalhando fora, tinha a ajuda de empregada, principalmente quando vieram os filhos. Porém, não deixou de cozinhar. Eu me encarregava apenas dos churrascos.

Hoje, Leilah providencia os mantimentos, orienta a diarista cozinheira que, em um dia, prepara a comida básica para a semana (usamos o freezer). Leilah também prepara algumas refeições especiais para variarmos o cardápio, como um bom bacalhau, peixe assado, risoto de camarão, filé grelhado, strogonoff, “spaghettini”, “linguini”...

É oportuno observar que cozinhar é uma tarefa cansativa para os idosos. Ficar de pé muito tempo, lidar com o fogão e o forno, com panelas, talheres e louça e ir aos armários e à geladeira constituem um exercício intenso. No caso da Leilah, o marcapasso está colaborando bastante.

Os extras, as novidades, são um capítulo à parte. Já escrevi sobre o bolo de fubá e a máquina de macarrão no tempo da pandemia. Mais recentemente, Leilah resolveu fazer pão – pão sem glúten – usado em minha dieta. Foi à Internet, assistiu a alguns vídeos e resolveu experimentar. Ficou ótimo e, agora, entrou em produção regular, e é o pão de nosso café da manhã.

Quando estivemos em São Paulo em julho, Leilah aprendeu a fazer iogurte, que ela usa em seu café da manhã. Passou a fazer regularmente e é mais gostoso do que aquele que ela comprava no supermercado.

Quanto a minhas atividades na cozinha, sou responsável pelo café da manhã, nosso “breakfast”. Faço o café, preparo meus ovos quentes e as torradas de pão de glúten, sirvo a mesa para a Leilah, o que inclui levar, da geladeira, mamão, ameixas pretas em sua água e iogurte; na segunda fase, tomamos café com leite e comemos o pão sem glúten, com manteiga. É, também, um trabalho de garçom, de forma que tenho de combinar fazer minha refeição com o serviço à Leilah (o que não é fácil, pois, em geral, os garçons comem antes dos clientes).

Sou também responsável pelo congelamento de comida preparada e dos insumos por cozinhar, faço a etiquetagem das vasilhas (tupperware) e controlo as entradas e saídas do freezer. Ou seja, tenho a função de almoxarife.

Tenho outras tarefas de auxiliar, como por e tirar a mesa às refeições e ajudar na preparação do pão.

Enfim, a cozinha para nós é um tanto divertida, é uma espécie de playground de idosos.


É importante comentar que, como em todas as atividades, temos de ser extremamente cuidadosos ao realizar as tarefas domésticas – temos de nos movimentar com cuidado, evitando o desequilíbrio, não devemos tentar carregar objetos pesados, prestar muita atenção ao lidar com comida e bebida quentes. Enfim, não podemos abusar de nossa atual capacidade física e devemos, sempre, evitar riscos de acidentes.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:

Quanto às diaristas: somos atendidos por duas; cada uma delas, uma vez por semana.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Um casal de idosos e a operação doméstica - Primeira parte

Depois de uma vida inteira com preocupações de estudo, trabalho, atividades sociais, cuidados com a família e cuidados pessoais, os idosos voltam a sentir a importância das necessidades básicas da vida e seu foco se torna a sobrevivência. Aposentados, em sua grande maioria, passam a maior parte do tempo em casa, redobrando a preocupação e os cuidados com a saúde – do corpo e da mente – e, em geral, assumem algumas atividades domésticas; no mínimo, acompanham e supervisionam os trabalhos. No nosso caso, do casal Leilah e Washington, bem mais do que isso. Temos de pôr “a mão na massa”, na medida de nossas possibilidades, física e financeira. Em consequência, a operação doméstica requer muita atenção, esforço e tempo nossos, a ponto de termos de usar a experiência e recursos semelhantes àqueles de nossa atividade profissional pregressa.

Chamo, aqui, “operação doméstica” as atividades de planejamento e controle financeiro do casal; a programação e a realização das compras (de mantimentos e medicamentos, principalmente); o acompanhamento dos pedidos e a recepção de mercadorias; a preparação dos alimentos e sua conservação na geladeira e congelador, a limpeza, a arrumação e a manutenção da casa (apartamento, no nosso caso); a gerência das auxiliares e a interação com o pessoal do condomínio. Não estão incluídas nossas outras atividades, como os exames, consultas e tratamentos médicos; a comunicação e reuniões com a família e amigos; a leitura, meus escritos e nosso lazer.

Minha impressão, com base em observação pessoal, é de que os idosos que conhecemos vivem situações semelhantes, diferentes apenas em detalhes de saúde, preferências pessoais e recursos. Por essa razão tenho a pretensão de considerar válida minha iniciativa de escrever sobre nossa experiência, esperando que seja útil para os leitores esta minha narração de como enfrentamos e continuamos a enfrentar as dificuldades trazidas pela idade avançada, mantendo-nos no estado que chamo “relativamente bem”.

Observação aos leitores: quem imagina que a aposentadoria é apenas descanso ("sombra e água fresca") deve se preparar para as atividades que, pessoalmente, ainda terá pela frente.

Antecedentes de Leilah e Washington

Antes da aposentadoria, Leilah e eu trabalhávamos fora de casa. Nos últimos anos, como consultores; antes, durante muitos anos, como empregados; no meu caso, principalmente na IBM (24 anos) e a Leilah em uma empresa industrial cliente da IBM. Nossa formação universitária e início de trabalho em Engenharia (eu) e Arquitetura (Leilah) nos deram base para uma carreira profissional que nos possibilitou construir a família e preparar e encaminhar os quatro filhos. Hoje, procurando nos adaptar a esta fase da vida, utilizamos nas ações e tarefas diárias o que aprendemos em casa, na convivência social e no trabalho em empresas – nestas, as técnicas utilizadas e o relacionamento com as pessoas.

Em casa, na infância e juventude, aprendemos com os pais e empregados a executar tarefas domésticas, conforme as necessidades e critérios daquele tempo. Por exemplo, Leilah aprendeu a cozinhar com sua mãe, nas férias escolares; eu aprendi a fazer o café da manhã e, auxiliando minha mãe quando estávamos sem empregada doméstica, a varrer a casa e tirar o pó dos móveis. Também era incumbido de fazer compras na padaria, no armazém de secos e molhados e na quitanda (um pequeno mercado hortifruti) quase diariamente, pois no tempo da segunda guerra não tínhamos geladeira. Ainda não tínhamos supermercados em São Paulo – havia as feiras livres e o grande mercado central da cidade. Meu pai fazia compras na feira livre aos domingos e os filhos ajudavam a carregar as sacolas – e o transporte era bonde elétrico.

Quando Leilah e eu nos casamos, as tarefas domésticas continuaram necessárias, apenas os recursos evoluíram muito. Como ambos trabalhávamos fora de casa, ao chegarem os filhos precisamos contratar uma empregada doméstica capaz de atender a casa e os meninos – e a Leilah supervisionava toda a operação doméstica. Minha atuação principal era junto às crianças. Dávamos conta do recado.

Este esquema durou até os filhos, já adultos, saírem de casa, com exceção de nossa temporada de um ano e meio nos Estados Unidos, quando a Leilah, sem empregada, fazia todo o serviço doméstico e cuidava dos três meninos (a filha veio depois). Eu a auxiliava nos fins de semana e, de segunda a sexta-feira, apenas a partir das sete horas da noite.

Quando, muitos anos depois, os filhos se mudaram, a necessidade de auxílio doméstico diminuiu e passamos a usar a solução de diaristas domésticas – o que acontece até hoje.


Cara leitora ou prezado leitor: Depois dessa apresentação resumida de nosso longo currículo vitae, passo à descrição de nossas atividades atuais.

Planejamento e controle financeiro.

Leilah se encarrega de fazer, há já muitos anos, as operações fundamentais de controle financeiro do casal. Cuida de nossa principal conta bancária, o que envolve pagamentos, inclusive débitos automáticos, verificação dos lançamentos e, sempre que necessário, comunicação com o gerente da conta no banco. É uma atividade diária que requer muita atenção. Faz o controle financeiro utilizando uma planilha Excel que preparei há já alguns anos, lançando as receitas e despesas devidamente codificadas, como se faz nas empresas. A planilha é semelhante às planilhas manuais que eu usava no planejamento operacional dos setores que gerenciei na IBM. A codificação dos lançamentos foi estabelecida pela Leilah, de forma análoga àquelas que ela usava quando gerente e consultora de informática nas empresas em que trabalhou. Entre parênteses: nas empresas que atendíamos, era comum pessoas pensarem que ela, arquiteta, era formada em finanças e contabilidade.

Com esse trabalho, temos os valores dos rendimentos e das despesas por tipo ao longo do ano. Periodicamente, fazemos, em conjunto, análises dos números e algumas previsões. Esse controle é muito importante para nosso plano de vida, para saber “a quanto andamos” e que ações tomar para mantermos o rumo do barco.

A tarefa anual da declaração do imposto de renda é de minha incumbência.

As compras do dia a dia.

Outras atividades rotineiras de suma importância, essenciais para a sobrevivência, são as compras de supermercado e de drogaria. Até 2019, antes da pandemia Covid-19, o casal de octogenários fazia suas compras presencialmente. Já não usávamos automóvel próprio, recorríamos a taxis e Uber; compras por internet eram exceções. Durante a pandemia, só fizemos compras para entrega em domicílio; hoje, no “novo normal”, continuamos recorrendo à internet e ao telefone; pequenas compras presenciais são exceções.

A atividade de compra requer a criação de um sistema – cada pessoa tem o seu, mesmo que não haja nenhum roteiro escrito. Em nosso caso, nas compras de supermercado, em intervalos pré-estabelecidos, usamos uma lista básica de itens, cujo estoque levantamos e, com base na experiência de consumo, anotamos quais teremos de comprar e quanto de cada um. Leilah vai ao computador e, ao entrar no site de nosso fornecedor habitual, faz todo o processo de pesquisar marcas e preços, usar promoções e os descontos de fidelidade. O site apresenta dificuldades, pois não é muito amigável e sofre alterações frequentes, de modo que a operação da Leilah se torna cansativa e, às vezes, enervante. Algumas vezes, há necessidade de interromper o trabalho e telefonar para o suporte do site para conseguir a correção necessária. Finalizada a compra e estabelecida a data e horário de entrega, Leilah descansa.

O recebimento da compra é minha tarefa – são caixas e sacolas depositadas na área de serviço, que eu abro uma a uma, verifico o estado dos itens e já os coloco nos locais habituais do armário da despensa, da geladeira ou do congelador, dando a informação das entradas à Leilah, que anota em sua lista do pedido (impressa no computador) e verifica a nota fiscal. Quando tenho dificuldade com o peso das sacolas, peço ajuda à diarista. Esta operação dura umas duas horas e me deixa cansado, mas continuo a enfrentá-la sem problemas. Nos casos de erros na entrega, Leilah cumpre a rotina de reclamar por telefone e o supermercado traz no dia seguinte o item faltante ou faz a troca necessária.

O sistema tem funcionado bem.


Cara leitora ou prezado leitor:

Sei que você tem seus próprios métodos, mais sofisticados talvez, pois as operações domésticas variam com o tipo de vida, as necessidades e recursos de cada um. Como de hábito, procuro descrever o comportamento do casal frente ao avançar da idade, buscando sempre se manter em atividade. 

Várias outras tarefas domésticas, como aquelas que envolvem cozinha e a manutenção da casa, ocupam bastante nosso tempo. Para você descansar, deixo para descrevê-las na próxima crônica.

Washington Luiz Bastos Conceição