quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Um casal de idosos e a operação doméstica - Primeira parte

Depois de uma vida inteira com preocupações de estudo, trabalho, atividades sociais, cuidados com a família e cuidados pessoais, os idosos voltam a sentir a importância das necessidades básicas da vida e seu foco se torna a sobrevivência. Aposentados, em sua grande maioria, passam a maior parte do tempo em casa, redobrando a preocupação e os cuidados com a saúde – do corpo e da mente – e, em geral, assumem algumas atividades domésticas; no mínimo, acompanham e supervisionam os trabalhos. No nosso caso, do casal Leilah e Washington, bem mais do que isso. Temos de pôr “a mão na massa”, na medida de nossas possibilidades, física e financeira. Em consequência, a operação doméstica requer muita atenção, esforço e tempo nossos, a ponto de termos de usar a experiência e recursos semelhantes àqueles de nossa atividade profissional pregressa.

Chamo, aqui, “operação doméstica” as atividades de planejamento e controle financeiro do casal; a programação e a realização das compras (de mantimentos e medicamentos, principalmente); o acompanhamento dos pedidos e a recepção de mercadorias; a preparação dos alimentos e sua conservação na geladeira e congelador, a limpeza, a arrumação e a manutenção da casa (apartamento, no nosso caso); a gerência das auxiliares e a interação com o pessoal do condomínio. Não estão incluídas nossas outras atividades, como os exames, consultas e tratamentos médicos; a comunicação e reuniões com a família e amigos; a leitura, meus escritos e nosso lazer.

Minha impressão, com base em observação pessoal, é de que os idosos que conhecemos vivem situações semelhantes, diferentes apenas em detalhes de saúde, preferências pessoais e recursos. Por essa razão tenho a pretensão de considerar válida minha iniciativa de escrever sobre nossa experiência, esperando que seja útil para os leitores esta minha narração de como enfrentamos e continuamos a enfrentar as dificuldades trazidas pela idade avançada, mantendo-nos no estado que chamo “relativamente bem”.

Observação aos leitores: quem imagina que a aposentadoria é apenas descanso ("sombra e água fresca") deve se preparar para as atividades que, pessoalmente, ainda terá pela frente.

Antecedentes de Leilah e Washington

Antes da aposentadoria, Leilah e eu trabalhávamos fora de casa. Nos últimos anos, como consultores; antes, durante muitos anos, como empregados; no meu caso, principalmente na IBM (24 anos) e a Leilah em uma empresa industrial cliente da IBM. Nossa formação universitária e início de trabalho em Engenharia (eu) e Arquitetura (Leilah) nos deram base para uma carreira profissional que nos possibilitou construir a família e preparar e encaminhar os quatro filhos. Hoje, procurando nos adaptar a esta fase da vida, utilizamos nas ações e tarefas diárias o que aprendemos em casa, na convivência social e no trabalho em empresas – nestas, as técnicas utilizadas e o relacionamento com as pessoas.

Em casa, na infância e juventude, aprendemos com os pais e empregados a executar tarefas domésticas, conforme as necessidades e critérios daquele tempo. Por exemplo, Leilah aprendeu a cozinhar com sua mãe, nas férias escolares; eu aprendi a fazer o café da manhã e, auxiliando minha mãe quando estávamos sem empregada doméstica, a varrer a casa e tirar o pó dos móveis. Também era incumbido de fazer compras na padaria, no armazém de secos e molhados e na quitanda (um pequeno mercado hortifruti) quase diariamente, pois no tempo da segunda guerra não tínhamos geladeira. Ainda não tínhamos supermercados em São Paulo – havia as feiras livres e o grande mercado central da cidade. Meu pai fazia compras na feira livre aos domingos e os filhos ajudavam a carregar as sacolas – e o transporte era bonde elétrico.

Quando Leilah e eu nos casamos, as tarefas domésticas continuaram necessárias, apenas os recursos evoluíram muito. Como ambos trabalhávamos fora de casa, ao chegarem os filhos precisamos contratar uma empregada doméstica capaz de atender a casa e os meninos – e a Leilah supervisionava toda a operação doméstica. Minha atuação principal era junto às crianças. Dávamos conta do recado.

Este esquema durou até os filhos, já adultos, saírem de casa, com exceção de nossa temporada de um ano e meio nos Estados Unidos, quando a Leilah, sem empregada, fazia todo o serviço doméstico e cuidava dos três meninos (a filha veio depois). Eu a auxiliava nos fins de semana e, de segunda a sexta-feira, apenas a partir das sete horas da noite.

Quando, muitos anos depois, os filhos se mudaram, a necessidade de auxílio doméstico diminuiu e passamos a usar a solução de diaristas domésticas – o que acontece até hoje.


Cara leitora ou prezado leitor: Depois dessa apresentação resumida de nosso longo currículo vitae, passo à descrição de nossas atividades atuais.

Planejamento e controle financeiro.

Leilah se encarrega de fazer, há já muitos anos, as operações fundamentais de controle financeiro do casal. Cuida de nossa principal conta bancária, o que envolve pagamentos, inclusive débitos automáticos, verificação dos lançamentos e, sempre que necessário, comunicação com o gerente da conta no banco. É uma atividade diária que requer muita atenção. Faz o controle financeiro utilizando uma planilha Excel que preparei há já alguns anos, lançando as receitas e despesas devidamente codificadas, como se faz nas empresas. A planilha é semelhante às planilhas manuais que eu usava no planejamento operacional dos setores que gerenciei na IBM. A codificação dos lançamentos foi estabelecida pela Leilah, de forma análoga àquelas que ela usava quando gerente e consultora de informática nas empresas em que trabalhou. Entre parênteses: nas empresas que atendíamos, era comum pessoas pensarem que ela, arquiteta, era formada em finanças e contabilidade.

Com esse trabalho, temos os valores dos rendimentos e das despesas por tipo ao longo do ano. Periodicamente, fazemos, em conjunto, análises dos números e algumas previsões. Esse controle é muito importante para nosso plano de vida, para saber “a quanto andamos” e que ações tomar para mantermos o rumo do barco.

A tarefa anual da declaração do imposto de renda é de minha incumbência.

As compras do dia a dia.

Outras atividades rotineiras de suma importância, essenciais para a sobrevivência, são as compras de supermercado e de drogaria. Até 2019, antes da pandemia Covid-19, o casal de octogenários fazia suas compras presencialmente. Já não usávamos automóvel próprio, recorríamos a taxis e Uber; compras por internet eram exceções. Durante a pandemia, só fizemos compras para entrega em domicílio; hoje, no “novo normal”, continuamos recorrendo à internet e ao telefone; pequenas compras presenciais são exceções.

A atividade de compra requer a criação de um sistema – cada pessoa tem o seu, mesmo que não haja nenhum roteiro escrito. Em nosso caso, nas compras de supermercado, em intervalos pré-estabelecidos, usamos uma lista básica de itens, cujo estoque levantamos e, com base na experiência de consumo, anotamos quais teremos de comprar e quanto de cada um. Leilah vai ao computador e, ao entrar no site de nosso fornecedor habitual, faz todo o processo de pesquisar marcas e preços, usar promoções e os descontos de fidelidade. O site apresenta dificuldades, pois não é muito amigável e sofre alterações frequentes, de modo que a operação da Leilah se torna cansativa e, às vezes, enervante. Algumas vezes, há necessidade de interromper o trabalho e telefonar para o suporte do site para conseguir a correção necessária. Finalizada a compra e estabelecida a data e horário de entrega, Leilah descansa.

O recebimento da compra é minha tarefa – são caixas e sacolas depositadas na área de serviço, que eu abro uma a uma, verifico o estado dos itens e já os coloco nos locais habituais do armário da despensa, da geladeira ou do congelador, dando a informação das entradas à Leilah, que anota em sua lista do pedido (impressa no computador) e verifica a nota fiscal. Quando tenho dificuldade com o peso das sacolas, peço ajuda à diarista. Esta operação dura umas duas horas e me deixa cansado, mas continuo a enfrentá-la sem problemas. Nos casos de erros na entrega, Leilah cumpre a rotina de reclamar por telefone e o supermercado traz no dia seguinte o item faltante ou faz a troca necessária.

O sistema tem funcionado bem.


Cara leitora ou prezado leitor:

Sei que você tem seus próprios métodos, mais sofisticados talvez, pois as operações domésticas variam com o tipo de vida, as necessidades e recursos de cada um. Como de hábito, procuro descrever o comportamento do casal frente ao avançar da idade, buscando sempre se manter em atividade. 

Várias outras tarefas domésticas, como aquelas que envolvem cozinha e a manutenção da casa, ocupam bastante nosso tempo. Para você descansar, deixo para descrevê-las na próxima crônica.

Washington Luiz Bastos Conceição


3 comentários:

  1. De minha prima Thais: Não resisti e li sua nova crônica agora. Parabéns a você e Leilah por serem tão organizados, ativos e independentes. Um exemplo a seguir.

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  2. De D. Isette:
    Boa tarde,Washington. Consegui ler sua crônica e, como sempre, achei perfeita sua descrição…. É assim mesmo a “nossa” vida de idosos dentro de nossas casas! São essas atividades domésticas que nos mantém ativos ,não é?? Deixo meu abraço amigo para Leilah e para você. Até a próxima crônica!

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  3. Estava falando isso essa semana. Como as atividades domésticas nos consome…. Aqui é o contrário, eu na manutenção, organização e e limpeza e Sergio na cozinha (rsrsrs)

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