segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O que é que há?

Nestes tempos em que a comunicação, escrita e falada, vem se tornando cada vez mais intensa, a importância dos idiomas é cada vez maior. No Brasil, como estamos usando nosso idioma?
De uma forma geral, para escrever, usamos o Português procurando seguir as regras gramaticais e ortográficas.
Para falar usamos o Português coloquial, ou seja, procuramos falar o mais corretamente possível, mas, por hábito, empregamos expressões que, embora incorretas, são de uso geral e corrente. Por exemplo, no dia a dia, empregamos: o verbo “ter” em vez de “haver” (“Tem louça na máquina?); não respeitamos concordâncias (“Você veio no teu carro?”); e muitos ainda cometem erros daqueles bem conhecidos (“haverão” no sentido de existirão, “fui na casa dele”, e outros). Usamos esse mesmo Português coloquial ao trocarmos mensagens por telefone celular, “tablet”, ou computador, recorrendo intensamente a abreviações.
Há, ainda, aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de estudar, muitas analfabetas ou quase, que erram muito ao falar, ofendendo grosseiramente a gramática elementar e, faltando-lhes vocabulário, recorrem à gíria (sempre renovada) e ao jargão de suas atividades específicas.
Meus parentes e amigos, bem como os meus outros leitores mais antigos, já sabem de minha preocupação com o Português. Hoje, volto com mais considerações sobre o assunto porque, mesmo aturdido pelo horrível noticiário da televisão nestes dias tão agitados, não consigo deixar de reparar em algumas impropriedades na linguagem utilizada repetidamente pelos repórteres e comentaristas, jornalistas competentes em seu trabalho, que se expressam muito bem e têm bom vocabulário. Penso, então, que estamos em crise também no uso do Português.

Sou do tempo em que se estudava Latim no Ginásio (curso secundário correspondente ao atual segundo ciclo do ensino fundamental), que cursávamos dos 11 aos 14 anos. O Latim era ensinado, diziam, porque, sendo o idioma de que se originou o Português, servia de base para o aprendizado deste. Mais para diante, na Universidade, era aplicado principalmente em Direito. Aprendi que em Roma os nobres usavam o Latim Clássico e a plebe o Latim Vulgar e, agora, concluí “brilhantemente” que vivemos uma situação parecida, porém em três níveis.
Resolvi pesquisar um pouco e encontrei um trabalho muito interessante que me trouxe esclarecimentos e, em meio a uma extensa matéria, mostrou que nossa situação é muito semelhante à dos romanos.
Nesse trabalho, de Maria Cristina Martins, a autora apresenta uma síntese da história da língua latina, e faz considerações sobre o Latim Clássico, o Latim Culto Falado e o Latim Vulgar, assim definidos por ela:
“O Latim Clássico era a norma literária, altamente estilizada, usada no período que vai de 81 A.C. a 14 D.C. ... O Latim Culto Falado era o “sermo (linguagem) urbanus”, a língua falada pelas classes altas de Roma ... O Latim Vulgar era o latim essencialmente falado pela grande massa popular menos favorecida do Império Romano, quase que inteiramente analfabeta.”
Mais adiante, ela faz a comparação que eu estava buscando:
“Para tornar a comparação entre o latim vulgar e o latim culto – ou até mesmo o literário – mais próxima à nossa realidade, podemos pensar no Português falado pelas populações de um âmbito social limitado do ponto de vista de escolarização... A mesma impressão que temos ao ouvir um Português cheio de “erros” em comparação com a norma culta, teria um romano escolarizado ouvindo o latim vulgar, acostumado a uma língua ricamente flexionada e elegante.”

Vesti a carapuça. Reconheço, aqui, que estou fazendo o papel do brasileiro escolarizado, com a melhor das intenções, altamente preocupado com os comunicadores que falam em público, especialmente na televisão, que poderiam cuidar de passar um “sermo urbanus” de melhor qualidade ao espectador. Na televisão, já corrigiram o “Boa noite a todos que estão nos assistindo!”, passando simplesmente a dizer “Boa noite a todos!”, mas, por exemplo, poderiam passar a usar: “O que está acontecendo?” em vez de “O que é que está acontecendo?”; “onde está” em vez de “aonde está”; “quando se tornou” em vez de “quando tornou-se”; “prefiro este àquele” em vez de “prefiro este do que aquele”.
Destaco aqui a televisão porque, além de realizar papel importantíssimo na unificação do uso do idioma em todo o País, poderá contribuir mais para o aprimoramento desse uso, independentemente de programas educacionais específicos.

O caro leitor ou a prezada leitora poderá reclamar: “Washington, não dá para falar tudo certinho o tempo todo, ficaria até chato!” Concordo, devemos nos esforçar para falar melhor usando o bom senso, ou seja, comunicando-nos da forma mais apropriada a cada ambiente e situação. Por exemplo, “O que é que há?” é perfeitamente adequado a uma comunicação informal. D. Ivone Lara usou essa expressão muito bem e podemos cantar com ela: “Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há...”.
Ou seja, tudo tem seu lugar e sua hora.

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

1) O trabalho de Maria Cristina Martins (UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul) tem por título: “A LÍNGUA LATINA: SUA ORIGEM, VARIEDADES E DESDOBRAMENTOS” e pode ser acessado pelo link:

2) Eu pretendia publicar esta crônica antes. Porém, os acontecimentos da última semana (tristeza pelo terrível acidente aéreo na Colômbia e indignação pelas manobras indecentes dos políticos) me fizeram adiar a publicação. A razão deste meu cuidado? Pareceu-me que o assunto desta não seria, então, oportuno. Hoje, contei com a magnanimidade de meus caros leitores e agradeço a você pela atenção.

4 comentários:

  1. Muito interessante essa comparação entre o que aconteceu com o latim e o português. Será que isso acontece em outras línguas também? Digo, é claro que existe o inglês coloquial e o inglês culto (e também o francês, o alemão etc.), mas será que as diferenças são tão grandes quanto as que observamos no nosso sofrido português?

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  2. Essas diferenças entre o culto e o coloquial existem em todas as línguas. A fala é rápida, sem pensar muito, é o momento.. a escrita é mais pausada, pensada, é o depois. Eu sempre me preocupei com a escrita muito mais do que com a fala, até para não parecer pedante. Mas como toda língua, existe evolução, adaptação, mistura com outras línguas... eu nunca falei convescote, sempre preferi picnic, ou o aportuguesado, piquenique..

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  3. Da Isa:
    Oi, primo. Nesta crônica você me fez lembrar a mana, afiadíssima no Português, muito preocupada com qualquer deslize dos comunicadores, com qualquer errinho inocente... Como vê, sou mais "light", o ouvido não me dói se o erro não é crasso...Analiso mais as ideias do que a correção pura e simples. No caso dos comunicadores que falam ao vivo, às vezes, em condição de choque com desastres, catástrofes, tragédias, acho que levo mais em conta o sentimento com que falam, do que a forma do que dizem. É claro que nem sempre é emergência o que está se apresentando, então dá pra ser um pouquinho mais exigente com o palavreado... Há vícios dos quais a gente não se livra fácil: eles escapam numa conversa descontraída, se a gente não pensa no assunto. É mais que claro que você tem toda a razão em defender nossa língua tão bonita de agressões e deturpações. Para mim, da velha guarda, às vezes fica difícil entender a enxurrada de gírias e termos novos que os jovens usam, hoje em dia, suas abreviações na escrita, os palavrões voando fácil, na maior naturalidade na boca de mocinhas educadas em colégio francês... Pois é, Washington, nossa língua anda mesmo desrespeitada: gente como você e a mana são os guardiões do templo. Não desista dessa defesa. Abraços da prima Isa

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  4. Oi tio, muito bom, meus parabéns.
    Outro dia fui surfar e o mar estava proceloso.
    Fica a dica de pesquisa da palavra rs.
    Abs!

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