sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Road Show do Sistema IBM/3 ®

Não esqueço a declaração que um amigo fez quando eu comentava as dificuldades que um conhecido comum estava enfrentando no trabalho: “Se trabalho fosse uma coisa boa, não pagariam para a gente trabalhar.”
Um tanto irônica – e até iconoclástica – essa frase me faz lembrar contrariedades que enfrentei ao longo de uma vida laboriosa de 54 anos.
Contudo, nossa memória nos favorece por dar ênfase às lembranças agradáveis. Assim sendo, lembro-me mais das realizações no trabalho que me deram satisfação do que das situações de pressão de prazos, de cobrança de resultados, bem como de algumas divergências com colegas e de imprevistos perturbadores.
Dentre minhas atividades de trabalho de que recordo com satisfação, está o projeto “Road Show do Sistema IBM/3”, da IBM Brasil, o qual coordenei, na qualidade de gerente de Marketing de Produto da área de computadores de pequeno e médio porte (depois chamados minicomputadores, precursores dos microcomputadores).

Realizado de 1971 a 1972, o Road Show atingiu plenamente seus objetivos: o de divulgar um novo produto da IBM, o menor computador por ela produzido até então, abrindo perspectivas de venda; e o de desmitificar os computadores, levando-o mais perto do público. Chamados inicialmente “cérebros eletrônicos”, os computadores eram, até então, máquinas extremamente poderosas, que ocupavam um espaço enorme e requeriam instalações especiais, de tal forma que só as maiores organizações do País as poderiam utilizar. O objetivo do Road Show era mostrar que os recursos da computação eletrônica haviam se tornado acessíveis a organizações menores.

Uma instalação de sistema de grande porte
Fonte: Site "IBM 100 Sistema 360"

O Sistema 3 foi projetado e construído com a finalidade de atender as necessidades de informática de organizações de médio e pequeno porte, por oferecer menor preço, instalações mais simples e facilidade de programação e operação, com características de desempenho excelentes. Nele, foi utilizada a tecnologia mais avançada na época (circuitos lógicos MST – Monolithic System Technology). Seu tamanho foi reduzido mediante a adoção de um novo cartão perfurado de cerca de um terço do tamanho do cartão IBM de 80 colunas.

O Sistema 3, como foi mostrado no filme de seu lançamento.

Em 1971, para o apoio aos clientes na implantação do sistema, a IBM criou Centros de Instalação em São Paulo e no Rio de Janeiro, com analistas de sistema especializados. Nestes centros, onde os clientes preparavam com antecedência seus procedimentos e programas, eram feitas também demonstrações, necessárias para a divulgação e venda do produto.
Porém, já que queríamos vender o sistema no Brasil todo, aproveitando o alto potencial de negócios devido à sua relação de preço-desempenho, teríamos de mostrá-lo em outras cidades importantes do País, enfatizando suas caraterísticas inéditas de porte e simplicidade de instalação, além de sua capacidade de processamento de dados. Alguém sugeriu fazermos um “road show”. Este não seria uma atividade inédita, pois, havia alguns anos, quando o IBM 1401 foi anunciado, este sistema foi instalado em um vagão de estrada de ferro e percorreu os Estados Unidos em um programa de demonstrações. À sua época (1960) o 1401 era um computador muito mais compacto do que seus antecessores, pois usava a nova tecnologia de circuitos impressos e transistores, em substituição às válvulas eletrônicas.

No Brasil, teríamos de fazer o “road show” usando um caminhão. Este teria de comportar o sistema, em uma configuração média, de uma forma que houvesse também espaço para a audiência durante as demonstrações. E mais, teria de receber as instalações elétricas e de ar condicionado adequadas.
Quando a ideia do projeto chegou ao ponto de descrevê-lo para a Diretoria da Empresa, preparando-a para a futura análise executiva e a aprovação, apresentei-a, devidamente, em reunião com um grupo de diretores e gerentes de alto nível para obter o “go ahead” (expressão que significava que eu poderia prosseguir no planejamento para, depois, apresentar a proposta e obter a aprovação final). Um ponto discutido, de que me lembro até hoje, foi a questão do ar condicionado e do espaço na carroceria para as demonstrações. Um dos participantes previu que seriam necessários dois caminhões, sugerindo que eles se acoplassem de ré para se ter o espaço necessário. Considerando que, por causa dos locais previstos para o estacionamento, o caminhão teria de ser de porte médio, a sugestão não era exagerada, mas esta solução encareceria o projeto e a operação seria mais complexa.
Consegui o “go-ahead”, mas saí da reunião preocupado com a questão levantada. Um colega, que já exercia uma gerência importante na Matriz e que havia participado da reunião, discutiu o assunto com conhecidos seus que lidavam com transporte e trouxe a solução para a questão de espaço e do ar condicionado, usando um só caminhão de porte médio: uma das laterais da carroceria seria dobrável, de forma que, nos locais de demonstração, ela seria baixada, transformando-se numa plataforma, devidamente apoiada no solo, em que ficaria a audiência. Para manter o ambiente fechado (requerido para o condicionamento do ar) a plataforma seria coberta e fechada lateralmente com lona, formando uma espécie de barraca. Ao ser fechada a lateral da carroceria, a lona ficaria dobrada no interior do caminhão. Engenhoso, não?

Pois, apesar de parecer algo complicado para se fazer, a carroceria do caminhão foi construída dessa forma e funcionou perfeitamente.
A dificuldade formal que tivemos de resolver foi que, por prática da IBM naquele tempo, o caminhão não seria comprado, mas alugado, mesmo sendo especialmente adaptado para nós. As condições foram estabelecidas, um contrato de aluguel devidamente celebrado e o caminhão foi preparado para cumprir o programa de viagens pelo Brasil afora.
Abaixo, duas fotos do caminhão, que copiei da revista IBM “Notícias Brasileiras” de outubro de 1971.

1) Estacionado, com a plataforma armada e 2) Visto de trás.

Para a aprovação do projeto, tive de levantar todos os departamentos e pessoas envolvidos: a Administração de Marketing, que iria fornecer o sistema e a documentação correspondente; o Departamento Técnico, cujos técnicos iriam instalar o computador no caminhão e dar assistência de manutenção “full time” durante as viagens e as demonstrações; os Centros de Instalação, responsáveis pela preparação e realização das demonstrações, mediante seus analistas de sistemas; as Filiais, encarregadas de convidar as organizações dos respectivos territórios, clientes e clientes em perspectiva, para assistirem às demonstrações; e, ainda, os setores responsáveis pela documentação referente às máquinas, durante as viagens, especialmente ao cruzar as divisas de estados, e pelo seguro do equipamento; o Departamento de Comunicação, responsável pela divulgação do projeto para a imprensa; além do meu próprio departamento, o de Programas de Marketing, encarregado da coordenação geral do projeto. Revi, agora, a lista desses setores da Empresa – eram treze, além das filiais!

Projetamos o roteiro, decidindo começar o programa por Belo Horizonte, sede da filial responsável pelas operações da IBM no Estado de Minas Gerais.
O gerente designou um representante de marketing para coordenar as atividades do projeto na filial, que consistiam em elaborar a lista de organizações que seriam convidadas, fazer os convites, organizar a agenda das sessões de demonstração, interagir com os analistas de sistemas que fariam as demonstrações, colaborar com o Departamento de Comunicações da Matriz nos comunicados à imprensa e acompanhar o trabalho dos técnicos envolvidos. Esta filial teria, em seguida, de fazer o mesmo trabalho em Uberlândia e Uberaba, inclusive os entendimentos para a instalação do caminhão nos locais estabelecidos, os quais, nestes casos, como em várias outras cidades, foram os campus das universidades locais.
Trabalhei de acordo com o gerente da Filial e, todo o tempo, com o coordenador local do projeto.
O mesmo esquema foi montado para as outras filiais envolvidas. No caso das filiais do Sul, o projeto contou com o coordenador do Distrito Sul que atuou junto às filiais daquele distrito, as quais atendiam os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Feitos os preparativos, o grande dia chegou – o da inauguração do “Road Show” na filial Belo Horizonte. Era 9 de setembro de 1971. O gerente da Filial conseguira um espaço no pavimento térreo do edifício onde funcionava a filial e lá foi estacionado o caminhão, usando-se a energia elétrica (a “força”) do prédio.
Tudo transcorreu muito bem, o programa de demonstrações foi realizado conforme planejado, durante seis dias.
Os convidados entravam no caminhão em grupos e cada demonstração, feita por um analista de sistemas, consistia, inicialmente, em mostrar as unidades do sistema, descrevendo suas funções; a seguir, rodar exemplos das aplicações usuais na administração de empresas, como faturamento, controle de estoques, estatísticas de vendas, pagamento ao pessoal e contabilidade, imprimindo relatórios e documentos; e, no final, para amenizar a sessão, imprimir desenhos, habilmente formados por letras e símbolos, pois a impressora não era gráfica. Os assistentes levavam os desenhos como lembrança.

O sistema no caminhão.
Fonte: Revista IBM "Notícias Brasileiras". 

De Belo Horizonte, o caminhão foi para Uberlândia, onde estacionou no campus da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia e, de lá, seguiu para Uberaba, ficando no pátio da Faculdade de Engenharia do Triângulo Mineiro.
Nesta cidade, fiz visitas a jornais e rádio locais para divulgar o programa, acompanhado pelo coordenador do projeto na filial. Ao mesmo tempo, analistas “trainees” visitavam empresas e organizações públicas para convidar executivos e técnicos para assistirem às demonstrações. Não me esqueço de que, ao nos encontrarmos pelas ruas, reconhecíamo-nos de longe, pois éramos, os homens, os únicos vestindo terno e gravata na cidade. A IBM exigia de seus empregados o uso dessa roupa formal.
De Uberaba, o sistema seguiu para o estado de São Paulo, cumprindo programas de demonstrações (tipicamente de três dias de duração) em Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo e Osasco.

O analista de sistemas e a audiência.
Fonte: Revista IBM "Noticias Brasileiras".
Após o programa em São Paulo, o caminhão seguiu para o Sul, quando passou a usar, levando-o a reboque, um gerador a diesel, pois o eletricista, encarregado da instalação elétrica, estava encontrando dificuldades na conexão às redes nos locais de estacionamento. Foi uma providência muito importante, que permitiu levar as demonstrações a lugares remotos.
Do Sul, voltou para São Paulo e concluiu a primeira fase das viagens em dezembro, em Bauru, São Paulo.
Ao longo da viagem, os jornais locais noticiaram a visita do computador no caminhão. Abaixo, alguns exemplos.




No ano seguinte, 1972, na segunda fase do programa, o sistema percorreu o Nordeste, o Centro e o Norte do País, aventurando-se pela Transamazônica, cruzando rios sobre balsa e chegando até Altamira.

Avaliar a contribuição de programas de marketing, em termos de resultado de venda, é difícil. Neste caso, porém, com base nos registros dos visitantes do caminhão e organizações representadas, tivemos certeza de que o Road Show foi muito importante, tanto para a obtenção dos excelentes resultados de vendas do Sistema 3 pela IBM do Brasil, como para a divulgação da Empresa e de seus serviços e outros produtos.

Para finalizar, volto à questão do início da crônica. Com as dificuldades e contrariedades que possamos ter no trabalho, ele também pode nos oferecer desafios. Talvez por termos sido condicionados durante nossa formação, gostamos de enfrentá-los e, mais ainda, de vencê-los, o que nos dá a oportunidade de não trabalharmos apenas por dinheiro. Portanto, embora não o seja durante o tempo todo, o trabalho pode ser uma coisa boa – e, especialmente, trazer boas recordações aos aposentados!

Washington Luiz Bastos Conceição



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Meia Lua


Se você tomar um taxi que circule pelo Leblon, no Rio de Janeiro, pedindo ao motorista para levá-la (ou levá-lo) ao edifício em que moro, informando-lhe o endereço, é provável que ele conheça o mesmo por seu apelido, “Meia Lua”. Este apelido decorre do formato curvo de sua planta.
Moro no Meia Lua, aliás, edifício “Condomínio Parque Visconde de Albuquerque” – o CPVA – há 43 anos, ou seja, desde que nos mudamos, minha família e eu, para o Rio.
Na ocasião da mudança, após encontrarmos dificuldade para alugar um apartamento que nos satisfizesse – casal com quatro filhos pequenos – decidimos partir para a compra.
No meu livro “O Projeto 3.7 e Nós”, conto como fizemos a escolha:
“Na fase de procura de apartamento para alugar, visitei muitos apartamentos, uns vinte, e selecionei pelo menos seis para que a Leilah os visitasse e fizesse sua apreciação. Como arquiteta e dona de casa competente, certamente ela veria melhor se o apartamento serviria para nós ou não. E eu não resolveria o assunto sozinho, já tinha juízo suficiente para não cometer esse desatino.
Era novembro, ela teria apenas um dia para as visitas, pois estava amamentando nossa filha recém-nascida. Viajou de avião, veio de manhã e voltou à tarde. Não gostou de nenhum.
Imediatamente passamos para o plano alternativo (hoje se diz “Plano B”): comprar um apartamento.
Nova pré-seleção de minha parte, novas visitas da Leilah, até que um corretor, simpático, falante, muito carioca, após nos mostrar dois apartamentos com a área e os cômodos requeridos, percebeu que não havíamos ficado muito interessados por eles e resolveu mostrar-nos aquele que, provavelmente, era o melhor que tinha para vender, dentro das características desejadas por nós. Lembramo-nos até hoje do que ele disse para a Leilah, depois que ela reclamou da iluminação e da falta de sol dos apartamentos visitados: “Agora a senhora vai precisar pôr óculos escuros quando eu abrir a porta do apartamento.”. Quando entramos no apartamento, vimos que ele não estava exagerando – ainda mais que as janelas estavam sem cortinas – o sol batia forte na sala e em toda a parte da frente do edifício e, no fundo, a cozinha era clara, pois não havia poço interno, o apartamento ia da frente aos fundos.
Esse apartamento, em um edifício do Leblon, reunia vários atrativos: além de bem ensolarado e de não ter poço interno, tinha uma sala de muito bom tamanho, três quartos, dois banheiros, copa, cozinha e dependências de serviço. E mais: oferecia uma vista muito bonita do Corcovado, da Lagoa Rodrigo de Freitas e de parte dos bairros do Leblon, Gávea e Ipanema, que nos encantou. Até hoje, decorridos mais de quarenta anos durante os quais os novos edifícios esconderam um pouco a Lagoa e Ipanema, todos da família e nossos visitantes apreciam muito esse lindo quadro, que à noite se torna um verdadeiro presépio.
 
Vista da janela de meu apartamento

Ainda mais: as áreas comuns também eram fora de série: um grande e bonito jardim, projetado e conservado por paisagista; uma garagem com vagas exclusivas, demarcadas, que não requeriam manobristas; uma área de lazer no fundo com um salão de recreação, um recanto com mesas, bancada e churrasqueira e, muito especial, uma quadra esportiva de uso múltiplo. O prédio era formado por três blocos contíguos; o acesso da rua era comum a os blocos tinham, depois do jardim, entradas (portarias) independentes. Naquele final de ano, as obras da quadra e o acabamento das entradas dos blocos estavam em fase de conclusão.
Fechamos o negócio com o corretor. Assinamos a escritura de compra e venda no Savoy, em Copacabana, pois o proprietário gozou da regalia de fazer em seu apartamento naquele hotel, na mesma hora, duas escrituras: a da venda, para nós, e a da compra de uma cobertura duplex em Ipanema, de outra pessoa. Ele era um artista de muita evidência naquela ocasião. Chamava-se Wilson Simonal de Castro.
Em janeiro de 1970, mudamo-nos para o apartamento, no qual Leilah e eu moramos até hoje. Os filhos cresceram, aproveitaram bastante o prédio e o bairro, onde fizeram amigos para toda a vida, mas acabaram batendo asas. Voltam ao Leblon, sempre que possível, para encontrar os amigos, tomar aquele chope, comemorar as vitórias do Flamengo na Casa Clipper ou outros dos bons e tradicionais bares do Leblon.”
 
As características do prédio, acima descritas, se mantêm até hoje.
Vista parcial da fachada
Muito além de suas qualidades, o Meia Lua tem uma história rica, exemplar, de pessoas e de seu relacionamento.
Quando conheci o edifício, falei com colegas da IBM e me lembrei da fase de seu lançamento. Em meados dos anos sessenta (1960) eu trabalhava na IBM e vinha ao Rio para reuniões com gerentes da Matriz. Em uma dessas visitas, o Leo Grieco de Almeida, colega amigo, então gerente de Educação (treinamento) da IBM Brasil, me contou que estava comprando um apartamento, ainda a ser construído. Disse que estava fazendo uma aposta (sua expressão) nos reajustes de salário que a IBM fazia para enfrentarmos a inflação, bem alta naquele tempo. Mostrou-me a planta do edifício e sua forma curva me chamou a atenção. Contou-me que outros colegas da IBM do Rio estavam comprando apartamentos no mesmo edifício.
Depois de algum tempo, o Leo mudou de cargo e meus contatos com ele rarearam, de forma que não acompanhei a construção do prédio e nem sua mudança para o novo apartamento.
Quando vim para o Rio, ele havia vendido seu apartamento e estava morando em Campinas, estado de São Paulo, pois fora promovido para o cargo de Diretor da nova fábrica da IBM em Sumaré, de modo que a história da construção do prédio me foi contada pelos meus novos vizinhos.
Os moradores eram, na grande maioria, talvez todos, proprietários dos respectivos apartamentos. Embora tenhamos (minha família) sido os primeiros a morar no nosso, os vizinhos tinham se mudado para o prédio algum tempo antes de nós.
Fiquei sabendo, então, da luta deles, os compradores do apartamento na planta, para que o edifício fosse concluído e eles pudessem habitá-lo. Dificuldades, certamente decorrentes de problemas com a inflação, fizeram com que fosse formada pelos condôminos uma comissão de obra para viabilizar sua conclusão. Não sei de detalhes, mas alguns deles me disseram que “dava para escrever um livro” contando essa história.
Como “há males que vêm para bem”, resultou da luta deles, além do sucesso da construção, uma união muito grande de alguns vizinhos que (algo que não é comum em nossos dias) passaram a ter, com as famílias, um convívio próximo e muito bom. Quando me instalei, passei a participar de eventos do edifício, das assembleias e, principalmente, do vôlei dos coroas, nos finais de semana.
Dentre os compradores originais dos apartamentos, havia dois grupos maiores: empregados da IBM e artistas de televisão. Para mim, foi muito interessante encontrar colegas de trabalho, com quem estreitei amizades, e o pessoal de televisão, pessoas que, mesmo longe das câmeras, animavam qualquer reunião. Destes, o Paulo Celestino, que participava do vôlei, era o mais frequente em nossas atividades comuns; entre os demais, lembro-me de Colé, Daniel Filho e Dorinha Duval. E mais, Carmem Verônica é nossa vizinha-amiga até hoje. Como já contei, o Simonal vendeu seu apartamento para nós.
Parte do jardim, visto de minha janela
O maior benefício que tivemos, ao escolher o Meia Lua, foi, talvez, a forma de criação dos filhos. Quando
garotos, estudavam na Escola Americana, localizada inicialmente no Leblon e depois na Gávea. Voltavam da escola no início da tarde, tomavam um lanche, faziam as lições e depois desciam para a área de recreação do prédio. Esta funcionava como um quintal de casa. Além do salão de recreação, a área da churrasqueira e a quadra de esportes, já mencionadas, eram também atrações seus caminhos entre plantas e árvores e uma área com balanços e piso de terra arenosa que permitia jogar bola de gude. Os menores brincavam muito de "pique-esconde" (na minha infância, em São Paulo, chamava-se "esconde-esconde") para o que usavam também a passarela, passagem na frente do prédio entre o jardim e as portarias dos blocos, muito frequentada por babás com carrinhos de bebês. Os maiores usavam muito a quadra, para um futebol animado.
 
 

Já moços, eles jogavam na quadra uma célebre pelada de futsal, no sábado; e, aderindo ao vôlei do prédio, passaram a participar de partidas com os coroas e de nossos torneios internos.
Morar no Meia Lua facilitou também seu estudo na PUC (Pontifícia Universidade Católica),  no campus da Gávea, bem perto de casa, onde três deles fizeram faculdade e cursos de pós-graduação.
Na ocasião de nossa mudança para o Rio, facilidades como as oferecidas pelo nosso prédio não havia, habitualmente, nos edifícios da zona sul. Em minha procura por apartamento, visitei muitos. Os “playgrounds” eram raros e sem boas instalações, o que estimulava as crianças a sair para a rua. Edifícios com áreas esportivas comuns surgiriam, mais tarde, nos condomínios da barra.
Nesses anos todos de Meia Lua, meus filhos fizeram amizades boas e duradouras, que conservam até hoje; agora são todos chefes de família e, vários, pais de filhos. Claro, têm também amigos de infância e juventude feitos na escola e no próprio bairro, quando, mais velhos, estenderam suas atividades para todo o Leblon.
O perfil dos moradores do edifício vem se alterando ao longo dos anos, claro que já não é mais o da década de 1970. Não só porque os poucos remanescentes ficamos mais velhos, mas também porque alguns, ao se aposentar, voltaram aos estados de origem; outros se mudaram para outros bairros para morar perto de filhos, alguns faleceram. A quantidade de apartamentos alugados aumentou e alguns são, hoje, ocupados pelos filhos dos moradores originais. Essas renovações garantem a presença de crianças no edifício, o que lhe dá animação constante.
O principal tipo de animação é proporcionado pelas festas de aniversário, realizadas, em geral, aos sábados. O salão de recreação, a área da churrasqueira e, principalmente, a quadra de esportes constituem espaços muito favoráveis.
A quadra continua cumprindo seu papel, agora com a terceira geração.
Manter um edifício com quase cem unidades não é fácil. Exige uns vinte empregados, além de compras e serviços externos de manutenção consideráveis.
Quando nos mudamos para o Meia Lua, um dos condôminos da comissão de construção do edifício exercia a função de síndico. Foi reeleito, exerceu alguns mandatos de forma muito apreciada por todos, e só deixou o cargo porque se mudou. Outros membros da comissão, devidamente eleitos, o sucederam. Alguns enfrentaram maiores dificuldades, como reformas da fachada, por exemplo, mas, de uma forma geral, a vida no edifício não apresentou maiores problemas. O que espantava conhecidos meus que moravam em outros prédios era o fato de haver concorrência nas eleições para síndico, pois sempre havia mais de um interessado em exercer a função, que não é remunerada. Isto porque, em geral, os condôminos de edifícios fogem dessa incumbência. Durante um bom tempo, eu fiz parte do conselho consultivo ou do conselho fiscal, o que dava algum trabalho mas não interferia nas minhas atividades na IBM.
Recentemente, os condôminos constataram que havia a necessidade de uma revisão dos principais itens de manutenção do edifício. Uma das moradoras provocou uma discussão geral sobre um desses itens, usando e-mail, e obteve uma resposta rápida dos vizinhos, que estenderam a lista de itens. Sucederam-se reuniões. O síndico informou sobre as medidas em andamento e foram formadas comissões que já estão agindo para acelerar os processos de revisão e para implantar outros. Por exemplo, promovendo uma vistoria do prédio pelo Corpo de Bombeiros. A animação da comunidade é grande, com atuação destacada das mulheres – agora, para o bem de todos, não são mais donas de casa, são donas de prédio...
Por enquanto, da mesma forma que outros condôminos idosos, estou torcendo na arquibancada. E é um grande prazer observar a nova geração assumir os cuidados do Meia Lua. Ele merece.
 
Washington Luiz Bastos Conceição