sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Por falar em casamento...

Um amigo de há muitos anos, menos idoso do que eu mas já octogenário, tem ótimas recordações de sua infância e juventude em Ipanema e de sua atividade profissional no Rio de Janeiro. Ele compara as condições de vida, (como segurança, por exemplo) e as manifestações artísticas e culturais (como cinema por exemplo) de anos atrás e as de hoje. E acha estas muito piores. Repete uma frase, que ele mesmo afirma que não é originalmente sua: “Meu mundo me deixou!”.

Confesso que faço um esforço para não sentir o mesmo porque vejo que, realmente, o mundo mudou muito – e sinto que, em muitos aspectos, não foi para melhor. Porém, considero que a tendência das pessoas é esquecer as dificuldades e tristezas do passado, recordando-se melhor das coisas boas que lhes aconteceram. Além do fato básico: a idade nos traz muitas limitações, tornando nossa vida, hoje, mais difícil.

Prefiro observar que, durante todos meus longos anos, as modificações foram muitas, não só dos avanços tecnológicos como dos costumes (uns muito ligados aos outros). Minha frase seria: “O mundo mudou muito e está difícil me adaptar às mudanças todas”. Acompanhar a vida de meus filhos e de meus netos me ajuda muito no esforço, embora eu não pretenda abandonar minhas convicções fundamentais.

Dentre os costumes que mudaram desde nossa juventude, um assunto de que, curiosamente, não tratamos foi a instituição do casamento – que sofreu mudanças muito importantes desde nossa geração. É o assunto desta crônica.


No tempo de meu casamento, este era considerado uma união em que os noivos assumiam o compromisso de se manterem unidos “até que a morte os separasse”; o noivo passava a ser o provedor da família, ou seja, o responsável pelo sustento da esposa e filhos. Era esperado – e até uma questão de honra – que a noiva se casasse virgem, embora não se exigisse o mesmo do noivo.

Quando a união não resultava feliz e se tornava insuportável, as separações eram resolvidas por um processo doloroso chamado desquite (não havia, ainda, o divórcio no Brasil). Os desquitados não podiam se casar novamente  (era comum casarem-se no exterior, no Uruguai, por exemplo) e, de certa forma, ficavam marcados socialmente.

Com a ascensão das mulheres mediante novas atividades de trabalho fora de casa, sua liberação mediante o uso de anticoncepcionais, e com a instituição do divórcio no Brasil, o matrimônio ganhou, de forma gradativa, características diferentes. Os namoros firmes se tornaram íntimos, de forma a servirem de teste para uma união definitiva, que poderia levar ao casamento. Não posso evitar a comparação dessa experiência com os testes a que os softwares da IBM eram submetidos antes de serem oferecidos aos clientes – o alfa teste, para dar prosseguimento ao projeto, e o beta teste, para anunciar o produto. No caso dos namorados, o alfa teste seria o relacionamento íntimo e o beta teste a experiência de morarem juntos, antes de decidirem sobre o casamento. Mais recentemente, foi instituído o casamento para pessoas do mesmo sexo.

Ou seja, as normas sociais relativas ao casamento mudaram profundamente.

Agora, a questão: mudaram para soluções piores?

Apesar de sentir uma certa tristeza romântica, tenho de reconhecer que não, quando me lembro quanto sofreram casais cujo enlace não teve sucesso, alguns causando uma infelicidade profunda; e que não puderam se separar por pressão da família e mesmo social, muitas vezes para não prejudicar os filhos que, afinal, também sofriam com a situação.

Observo, hoje, que as separações de casais, nem sempre amigáveis, são aceitas como solução pelos parentes, amigos e até pelos filhos.

O divórcio substituiu com muita vantagem o desquite e o compromisso de  união estável resolveu muito bem os casos de segundo casamento e aqueles em que o casal tem dúvida quanto ao compromisso firme do casamento propriamente dito. E há, ainda, o caso daqueles que, felizes com sua união informal, não se preocupam com alterar seus status; e alguns  decidem se unir firmemente, mas, por circunstâncias, continuam morando cada um em sua casa.

E, felizmente, o casamento continua sendo motivo para comemorações tão festivas quanto as famílias queiram e as possam realizar. E foi, justamente, um evento muito agradável que me levou a comentar o assunto.


Muitos dos amigos de meus filhos se tornaram nossos amigos (do casal Leilah e Washington). A maioria deles é de amigos de infância e juventude, do bairro e das escolas. Frequentaram nossa casa, especialmente nos aniversários e nas transmissões de jogos da copa do mundo, e hoje dão muita atenção aos velhinhos.

Um deles, com quem temos tido contato frequente, convidou nossa família, no mês passado, para a cerimônia e a comemoração do casamento de sua filha, que seriam realizadas em sua casa, situada em um bairro afastado do Rio de Janeiro.

Como o convite foi feito aos meus três filhos que moram no Rio e respectivos cônjuges, além do neto carioca e do casal idoso (éramos nove pessoas), decidimos fretar uma van. O motorista recolheu os passageiros nas respectivas residências, nos levou ao local da festa (foi uma longa viagem) e passou a  esperar para nos trazer de volta.

O local do evento é uma propriedade que consta de um terreno com a extensão de um sítio, com um grande jardim gramado e arborizado, e as casas da família.

A cerimônia propriamente dita foi realizada ao ar livre, com cadeiras e corredor central sobre gramado, organizados à semelhança de uma igreja. No final do corredor, uma mesa (na posição que corresponderia ao altar) que aguardava a juíza de paz.

Quando chegamos, já havia muitos convidados. Leilah e eu nos sentamos e os “meninos” passaram a circular conversando com os amigos. Os noivos e os pais estavam se preparando para a cerimônia. O tempo estava nublado, ameaçando chuva.

Com a chegada da juíza, iniciou-se a cerimônia: exatamente o ritual de entrada na igreja – os padrinhos com as mães dos noivos, duas meninas levando flores e, no final, nosso amigo conduzindo a filha em seu belo vestido de noiva. O noivo os esperava em frente à mesa da juíza. Todo esse movimento foi acompanhado de música ao vivo.

A juíza conduziu a cerimônia, discursou. De início, apesar da ameaça de chuva, anunciou que não iria chover (e acertou); depois, historiou o relacionamento dos noivos, dando ênfase à legalização dos casamentos. Passou ao diálogo de praxe com os noivos e os declarou casados. Ao colher no livro as assinaturas das testemunhas, uma nota de emoção: os avós da noiva foram chamados para assinar também.

Após a cerimônia, encerrada com nova fala da juíza, os convidados se dirigiram à casa central para os comes e bebes.

Havia acomodação em mesas para todos os convidados (não sou bom avaliador de quantidade de pessoas em reuniões; achei que eram, no mínimo, duzentos os convidados, mas o DJ falou em trezentos). As comidinhas e bebidas foram muito bem servidas, a música bastante apreciada por todos e a pista de dança foi devidamente utilizada. Em resumo, um ”festão” para ninguém botar defeito.


A van nos trouxe de volta, casa por casa, com um serviço muito bom do motorista que até ajudou no embarque e desembarque dos idosos. Durante a viagem, comentamos, satisfeitos, a excelência da festa.

Em particular, destacamos a emoção do pai da noiva, pessoa sempre muito animada, que  chegou ao pranto, e a confraternização dos colegas da Escola Americana do Rio de Janeiro.


Pensei: se me perguntarem “Então Washington, você pensa que a instituição do casamento está morrendo?”, minha resposta será: “Não, penso que apenas mudou de características. Contudo, a comemoração continua emocionante para a família e agradabilíssima para os amigos.”

Viva o casamento, em todas as suas modalidades!

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

  1. Leilah e Washington estão casados há 63 anos e 8 meses.
  2. Meu amigo disse que a frase “Meu mundo me deixou.” é de François-René, Visconde de Chateaubriand, em seu livro “Memórias do Além-Túmulo”.
  3. A juíza de paz, uma senhora experiente, muito atuante no Rio, já era conhecida nossa de outros casamentos.

·L