sábado, 28 de dezembro de 2013

Perspectivas de Vida


— O que você quer ser quando crescer?

Cara leitora ou prezado leitor: Quantas vezes lhe fizeram essa pergunta quando era criança? E quantas vezes você fez essa pergunta para uma criança? Em ambos os casos, provavelmente, muitas vezes, incontáveis.

Agora, menos comum é outra, talvez tão importante quanto aquela lá acima, no topo da página: “O que você vai fazer quando se aposentar, quando encerrar sua carreira?”.

Baseado em minha própria experiência e na observação de pessoas de minha faixa etária, parece-me que esta nova pergunta é respondida com menos convicção, a pessoa pode ter uma vaga ideia do que vai fazer, embora expresse desejos como, por exemplo: “Vou mudar para minha casa de campo (ou meu sítio) e aproveitar a vida mansa”. Ou então: “Vou viajar o máximo que puder.”

O que tenho constatado é que há pessoas que não conseguem, realmente, parar de trabalhar; querem mesmo continuar a fazer o que fizeram a vida inteira. Por exemplo: um médico americano amigo nosso, além de praticar ciclismo e alpinismo, engajou-se no programa “Médicos sem Fronteiras” e tem prestado serviços relevantes em lugares afetados por desastres ou guerras, como o Haiti, Quênia e Jordânia (no campo de refugiados sírios). Deixa uma vida muito confortável para, heroicamente, socorrer pessoas necessitadas em lugares desprovidos de recursos. Outro caso é o de uma amiga, professora aposentada, também americana, com mais de setenta anos; ela ainda dá aulas, agora na condição de professora substituta. Diz que gosta muito de estar em uma sala de aula e ensina matérias variadas – até ginástica! “Vocês não têm permissão de rir de mim”, escreveu ela.

Quando se torna difícil ou impossível prosseguir em suas atividades, algumas pessoas ficam frustradas. Outras tentam trabalhos voluntários, mas sei de um caso em que a pessoa desistiu por se sentir em um ambiente desorganizado, nada profissional.


Contudo, observo casos em que pessoas idosas, formalmente aposentadas, desenvolvem atividades novas, as mais variadas, com grande satisfação.

Alguns descobrem que cozinhar é algo prazeroso, demanda conhecimento específico e o resultado é muito importante para quem cozinha. E a apreciação dos comensais é um reconhecimento sumamente agradável para o mestre cuca.

Outros estudam e se dedicam ao conhecimento de vinho; em geral, passam por uma fase inicial de muito entusiasmo, talvez demasiado (a fase do “enochato”), mas depois se tornam realmente conhecedores, acompanham as notas dos vinhos nos sites especializados, visitam viniculturas, relacionam-se com produtores e importadores, adquirindo o status de “enófilos”. Para escolher um vinho, vale a pena consultar um amigo desses.

Outros mais escolhem um esporte que possam praticar até uma idade avançada: ciclismo, tênis, natação, corridas e caminhadas estão nesta categoria.

Quanto a mim, que uso abusivamente o argumento da idade avançada como desculpa para fugir das atividades físicas, resolvi escrever. O leitor que me honra com sua atenção há algum tempo já sabe quanto esta atividade, embora amadorística e despretensiosa, me dá prazer e ainda me traz a recompensa de comentários favoráveis. Alguns de meus amigos também escrevem; começaram antes de mim e estão em estágios variados, mais avançados.


Bem, cara leitora ou prezado leitor, cheguei até aqui para ousar lhe fazer uma sugestão de resposta para a pergunta “O que você vai fazer quando se aposentar, quando encerrar sua carreira?”.

Sentindo-me no papel semelhante ao do vendedor de plano de previdência privada, a sugestão é feita basicamente para às pessoas que ainda estão em plena atividade profissional, mas ela se estende, porque ainda há tempo, àquelas que já entraram na fase de aposentadoria.

Proponho que você, se ainda em atividade profissional plena, considere o que mais gostaria de fazer após se aposentar, mas não faz porque os compromissos do trabalho não lhe dão o tempo necessário. Você pode se preparar, iniciando a atividade como “hobby”, dedicando-lhe algumas horas de folga. Atividade como tocar um instrumento, por exemplo; ou fazer objetos de cerâmica; ou cozinhar nos fins de semana. Ou escrever, ensaiando algum escrito (comecei desta forma e levei mais de dez anos para publicar meu primeiro livro – demorei, mas antes tarde do que nunca).


Neste ponto você poderá estar  pensando: “O que deu no Washington para ele vir hoje com essa conversa toda?”.

Tenho de responder, antecipadamente, a essa pergunta: porque, infelizmente, algumas pessoas amigas e conhecidas, também idosas, estão sentindo muita falta das atividades do trabalho ou da administração da casa e do cuidado com os filhos e o cônjuge, e sofrem com isso. Falta do que fazer, às vezes comentada de uma forma depreciativa, é coisa muito séria.


Ter o que fazer e realizar algo que lhe traga satisfação é, pois, de suma importância para o aposentado.

Neste final de ano, dentre os votos de um Feliz 2014, é o que desejo intensamente aos meus amigos.


Washington Luiz Bastos Conceição




sábado, 14 de setembro de 2013

Os Milagres da Televisão


Raul Tabajara, locutor esportivo que militou muitos anos em São Paulo, narrava jogos pela televisão, nas décadas de 1950 e 1960, uma época em que os canais abertos transmitiam jogos locais ao vivo. Seu companheiro habitual era o repórter de campo Sílvio Luiz. A imagem ainda era em branco e preto, os jogos dominicais eram à tarde e os estádios lotavam nos jogos mais importantes. Como não havia, durante o jogo propriamente dito, propaganda nem comentários, o locutor tinha de fazer algumas observações nas pequenas interrupções, como bolas fora e contusões dos jogadores. Nessas observações, Tabajara se repetia, fazendo observações sobre o calor da tarde, por exemplo. Ele costumava se referir, com frequência, ao milagre da televisão, ou seja, à transmissão dos jogos, que proporcionava aos telespectadores de toda a cidade assistirem às partidas confortavelmente instalados na poltrona de casa – ou da casa do vizinho.
Toda vez que penso nos “milagres da televisão”, lembro-me da expressão do Tabajara, pois os “milagres” se multiplicaram com o tempo.


Nestes dias, assisto a programas dos vários canais locais, principalmente noticiário, filmes e transmissões esportivas nacionais e internacionais; estas, habitualmente, de jogos de futebol na Europa e jogos de tênis dos grandes torneios, como o "US Open", por exemplo, realizado em Nova York. Percorro também os canais das emissoras estrangeiras, detendo-me para ouvir um pouco de notícias em Português de Portugal, o idioma falado mais parecido com o nosso, e para, eventualmente, na TV francesa, assistir a um filme francês com legenda. Outro dia, num lance de muita sorte, assistimos a um espetáculo especial de ópera na RAI, a televisão italiana, em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Verdi.

Embora eu não tenha o hábito de acompanhar novelas, aprecio a qualidade de nossa dramaturgia de televisão, reconhecida internacionalmente.

Além de toda essa oferta de programas, posso ir e voltar de um canal a outro, aproveitando intervalos na programação, mediante uso dos botões do aparelho de controle remoto.

Estou, portanto, me valendo da extraordinária evolução da televisão num período de cerca de cinquenta anos. Da recepção da emissora local, evoluímos para a de outras cidades, mediante o uso de torres de comunicação. Hoje, temos transmissões via satélite. E mais, com o advento da televisão a cabo, ficou disponível uma grande quantidade e variedade de canais. Mais recentemente, as facilidades de gravação de programas e de aluguel de filmes diretamente da rede ampliaram nosso cardápio para a escolha do entretenimento.

Ivete Sangalo no Rock in Rio 2013,
na minha televisão
Além do aperfeiçoamento dos sistemas de transmissão, os aparelhos receptores passaram a usar tecnologia cada vez mais avançada e nos brindam com imagens excelentes.

Plateia no Rock in Rio 2013

Quanto à apresentação de programas e anúncios, que era feita ao vivo, passamos a usar a gravação em “vídeo tape”. Hoje, é difícil imaginarmos apresentações de novelas ou de comerciais ao vivo, sujeitas a todo tipo de erros e imperfeições.
Nas transmissões de jogos de futebol, em particular, comparo o que a televisão pôde apresentar nas copas do mundo, ao longo dos anos. Durante a de 1958, na Suécia, torcíamos e sofríamos ouvindo a transmissão pelo rádio, cheia de estática das ondas curtas e, somente dois dias depois de cada jogo, podíamos assistir pela televisão ao filme (de celuloide), com imagens muito pobres, em branco e preto. Durante a copa de 1962, realizada no Chile, já pudemos assistir ao "vídeo tape" no dia seguinte, por um grande “esforço de reportagem” das equipes das emissoras, que enviavam as fitas por avião. Nessas duas copas e na de 1966, os torcedores sofreram e vibraram em torno dos aparelhos de rádio.
Na copa do México, em 1970, na qual a seleção brasileira se tornou tricampeã, já pudemos assistir aos jogos ao vivo.
Toda essa evolução tecnológica permite que os programas de nossas emissoras alcancem o país inteiro, nosso imenso Brasil, penetrando cidades de todos os tamanhos e nos mais remotos rincões. Por exemplo, tive a experiência de assistir a um jogo de futebol transmitido por uma das redes, em um aparelho de cristal líquido de um barzinho da zona rural, próximo a Goianá, pequena cidade mineira na região de Juiz de Fora. Foi uma constatação pessoal de que, em todas as regiões do País, as pessoas, por mais modestas que sejam, têm a oportunidade de assistir aos mesmos programas a que assisto em casa, com boa qualidade de imagem e som.

Refletindo sobre esse alcance da transmissão de nossas emissoras, fica fácil entender o grande interesse dos políticos pelo tempo grátis de que os partidos dispõem na propaganda eleitoral, tempo esse que é moeda nos acordos entre eles. Portanto, o papel da televisão ganha, cada vez mais, importância na informação ao público e na formação de opinião. O que nos leva à conclusão de que as emissoras têm agora um enorme desafio, o de manterem sua independência e imparcialidade. Vencer este desafio deverá ser o maior milagre da televisão.

Washington Luiz Bastos Conceição



sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Road Show do Sistema IBM/3 ®

Não esqueço a declaração que um amigo fez quando eu comentava as dificuldades que um conhecido comum estava enfrentando no trabalho: “Se trabalho fosse uma coisa boa, não pagariam para a gente trabalhar.”
Um tanto irônica – e até iconoclástica – essa frase me faz lembrar contrariedades que enfrentei ao longo de uma vida laboriosa de 54 anos.
Contudo, nossa memória nos favorece por dar ênfase às lembranças agradáveis. Assim sendo, lembro-me mais das realizações no trabalho que me deram satisfação do que das situações de pressão de prazos, de cobrança de resultados, bem como de algumas divergências com colegas e de imprevistos perturbadores.
Dentre minhas atividades de trabalho de que recordo com satisfação, está o projeto “Road Show do Sistema IBM/3”, da IBM Brasil, o qual coordenei, na qualidade de gerente de Marketing de Produto da área de computadores de pequeno e médio porte (depois chamados minicomputadores, precursores dos microcomputadores).

Realizado de 1971 a 1972, o Road Show atingiu plenamente seus objetivos: o de divulgar um novo produto da IBM, o menor computador por ela produzido até então, abrindo perspectivas de venda; e o de desmitificar os computadores, levando-o mais perto do público. Chamados inicialmente “cérebros eletrônicos”, os computadores eram, até então, máquinas extremamente poderosas, que ocupavam um espaço enorme e requeriam instalações especiais, de tal forma que só as maiores organizações do País as poderiam utilizar. O objetivo do Road Show era mostrar que os recursos da computação eletrônica haviam se tornado acessíveis a organizações menores.

Uma instalação de sistema de grande porte
Fonte: Site "IBM 100 Sistema 360"

O Sistema 3 foi projetado e construído com a finalidade de atender as necessidades de informática de organizações de médio e pequeno porte, por oferecer menor preço, instalações mais simples e facilidade de programação e operação, com características de desempenho excelentes. Nele, foi utilizada a tecnologia mais avançada na época (circuitos lógicos MST – Monolithic System Technology). Seu tamanho foi reduzido mediante a adoção de um novo cartão perfurado de cerca de um terço do tamanho do cartão IBM de 80 colunas.

O Sistema 3, como foi mostrado no filme de seu lançamento.

Em 1971, para o apoio aos clientes na implantação do sistema, a IBM criou Centros de Instalação em São Paulo e no Rio de Janeiro, com analistas de sistema especializados. Nestes centros, onde os clientes preparavam com antecedência seus procedimentos e programas, eram feitas também demonstrações, necessárias para a divulgação e venda do produto.
Porém, já que queríamos vender o sistema no Brasil todo, aproveitando o alto potencial de negócios devido à sua relação de preço-desempenho, teríamos de mostrá-lo em outras cidades importantes do País, enfatizando suas caraterísticas inéditas de porte e simplicidade de instalação, além de sua capacidade de processamento de dados. Alguém sugeriu fazermos um “road show”. Este não seria uma atividade inédita, pois, havia alguns anos, quando o IBM 1401 foi anunciado, este sistema foi instalado em um vagão de estrada de ferro e percorreu os Estados Unidos em um programa de demonstrações. À sua época (1960) o 1401 era um computador muito mais compacto do que seus antecessores, pois usava a nova tecnologia de circuitos impressos e transistores, em substituição às válvulas eletrônicas.

No Brasil, teríamos de fazer o “road show” usando um caminhão. Este teria de comportar o sistema, em uma configuração média, de uma forma que houvesse também espaço para a audiência durante as demonstrações. E mais, teria de receber as instalações elétricas e de ar condicionado adequadas.
Quando a ideia do projeto chegou ao ponto de descrevê-lo para a Diretoria da Empresa, preparando-a para a futura análise executiva e a aprovação, apresentei-a, devidamente, em reunião com um grupo de diretores e gerentes de alto nível para obter o “go ahead” (expressão que significava que eu poderia prosseguir no planejamento para, depois, apresentar a proposta e obter a aprovação final). Um ponto discutido, de que me lembro até hoje, foi a questão do ar condicionado e do espaço na carroceria para as demonstrações. Um dos participantes previu que seriam necessários dois caminhões, sugerindo que eles se acoplassem de ré para se ter o espaço necessário. Considerando que, por causa dos locais previstos para o estacionamento, o caminhão teria de ser de porte médio, a sugestão não era exagerada, mas esta solução encareceria o projeto e a operação seria mais complexa.
Consegui o “go-ahead”, mas saí da reunião preocupado com a questão levantada. Um colega, que já exercia uma gerência importante na Matriz e que havia participado da reunião, discutiu o assunto com conhecidos seus que lidavam com transporte e trouxe a solução para a questão de espaço e do ar condicionado, usando um só caminhão de porte médio: uma das laterais da carroceria seria dobrável, de forma que, nos locais de demonstração, ela seria baixada, transformando-se numa plataforma, devidamente apoiada no solo, em que ficaria a audiência. Para manter o ambiente fechado (requerido para o condicionamento do ar) a plataforma seria coberta e fechada lateralmente com lona, formando uma espécie de barraca. Ao ser fechada a lateral da carroceria, a lona ficaria dobrada no interior do caminhão. Engenhoso, não?

Pois, apesar de parecer algo complicado para se fazer, a carroceria do caminhão foi construída dessa forma e funcionou perfeitamente.
A dificuldade formal que tivemos de resolver foi que, por prática da IBM naquele tempo, o caminhão não seria comprado, mas alugado, mesmo sendo especialmente adaptado para nós. As condições foram estabelecidas, um contrato de aluguel devidamente celebrado e o caminhão foi preparado para cumprir o programa de viagens pelo Brasil afora.
Abaixo, duas fotos do caminhão, que copiei da revista IBM “Notícias Brasileiras” de outubro de 1971.

1) Estacionado, com a plataforma armada e 2) Visto de trás.

Para a aprovação do projeto, tive de levantar todos os departamentos e pessoas envolvidos: a Administração de Marketing, que iria fornecer o sistema e a documentação correspondente; o Departamento Técnico, cujos técnicos iriam instalar o computador no caminhão e dar assistência de manutenção “full time” durante as viagens e as demonstrações; os Centros de Instalação, responsáveis pela preparação e realização das demonstrações, mediante seus analistas de sistemas; as Filiais, encarregadas de convidar as organizações dos respectivos territórios, clientes e clientes em perspectiva, para assistirem às demonstrações; e, ainda, os setores responsáveis pela documentação referente às máquinas, durante as viagens, especialmente ao cruzar as divisas de estados, e pelo seguro do equipamento; o Departamento de Comunicação, responsável pela divulgação do projeto para a imprensa; além do meu próprio departamento, o de Programas de Marketing, encarregado da coordenação geral do projeto. Revi, agora, a lista desses setores da Empresa – eram treze, além das filiais!

Projetamos o roteiro, decidindo começar o programa por Belo Horizonte, sede da filial responsável pelas operações da IBM no Estado de Minas Gerais.
O gerente designou um representante de marketing para coordenar as atividades do projeto na filial, que consistiam em elaborar a lista de organizações que seriam convidadas, fazer os convites, organizar a agenda das sessões de demonstração, interagir com os analistas de sistemas que fariam as demonstrações, colaborar com o Departamento de Comunicações da Matriz nos comunicados à imprensa e acompanhar o trabalho dos técnicos envolvidos. Esta filial teria, em seguida, de fazer o mesmo trabalho em Uberlândia e Uberaba, inclusive os entendimentos para a instalação do caminhão nos locais estabelecidos, os quais, nestes casos, como em várias outras cidades, foram os campus das universidades locais.
Trabalhei de acordo com o gerente da Filial e, todo o tempo, com o coordenador local do projeto.
O mesmo esquema foi montado para as outras filiais envolvidas. No caso das filiais do Sul, o projeto contou com o coordenador do Distrito Sul que atuou junto às filiais daquele distrito, as quais atendiam os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Feitos os preparativos, o grande dia chegou – o da inauguração do “Road Show” na filial Belo Horizonte. Era 9 de setembro de 1971. O gerente da Filial conseguira um espaço no pavimento térreo do edifício onde funcionava a filial e lá foi estacionado o caminhão, usando-se a energia elétrica (a “força”) do prédio.
Tudo transcorreu muito bem, o programa de demonstrações foi realizado conforme planejado, durante seis dias.
Os convidados entravam no caminhão em grupos e cada demonstração, feita por um analista de sistemas, consistia, inicialmente, em mostrar as unidades do sistema, descrevendo suas funções; a seguir, rodar exemplos das aplicações usuais na administração de empresas, como faturamento, controle de estoques, estatísticas de vendas, pagamento ao pessoal e contabilidade, imprimindo relatórios e documentos; e, no final, para amenizar a sessão, imprimir desenhos, habilmente formados por letras e símbolos, pois a impressora não era gráfica. Os assistentes levavam os desenhos como lembrança.

O sistema no caminhão.
Fonte: Revista IBM "Notícias Brasileiras". 

De Belo Horizonte, o caminhão foi para Uberlândia, onde estacionou no campus da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia e, de lá, seguiu para Uberaba, ficando no pátio da Faculdade de Engenharia do Triângulo Mineiro.
Nesta cidade, fiz visitas a jornais e rádio locais para divulgar o programa, acompanhado pelo coordenador do projeto na filial. Ao mesmo tempo, analistas “trainees” visitavam empresas e organizações públicas para convidar executivos e técnicos para assistirem às demonstrações. Não me esqueço de que, ao nos encontrarmos pelas ruas, reconhecíamo-nos de longe, pois éramos, os homens, os únicos vestindo terno e gravata na cidade. A IBM exigia de seus empregados o uso dessa roupa formal.
De Uberaba, o sistema seguiu para o estado de São Paulo, cumprindo programas de demonstrações (tipicamente de três dias de duração) em Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo e Osasco.

O analista de sistemas e a audiência.
Fonte: Revista IBM "Noticias Brasileiras".
Após o programa em São Paulo, o caminhão seguiu para o Sul, quando passou a usar, levando-o a reboque, um gerador a diesel, pois o eletricista, encarregado da instalação elétrica, estava encontrando dificuldades na conexão às redes nos locais de estacionamento. Foi uma providência muito importante, que permitiu levar as demonstrações a lugares remotos.
Do Sul, voltou para São Paulo e concluiu a primeira fase das viagens em dezembro, em Bauru, São Paulo.
Ao longo da viagem, os jornais locais noticiaram a visita do computador no caminhão. Abaixo, alguns exemplos.




No ano seguinte, 1972, na segunda fase do programa, o sistema percorreu o Nordeste, o Centro e o Norte do País, aventurando-se pela Transamazônica, cruzando rios sobre balsa e chegando até Altamira.

Avaliar a contribuição de programas de marketing, em termos de resultado de venda, é difícil. Neste caso, porém, com base nos registros dos visitantes do caminhão e organizações representadas, tivemos certeza de que o Road Show foi muito importante, tanto para a obtenção dos excelentes resultados de vendas do Sistema 3 pela IBM do Brasil, como para a divulgação da Empresa e de seus serviços e outros produtos.

Para finalizar, volto à questão do início da crônica. Com as dificuldades e contrariedades que possamos ter no trabalho, ele também pode nos oferecer desafios. Talvez por termos sido condicionados durante nossa formação, gostamos de enfrentá-los e, mais ainda, de vencê-los, o que nos dá a oportunidade de não trabalharmos apenas por dinheiro. Portanto, embora não o seja durante o tempo todo, o trabalho pode ser uma coisa boa – e, especialmente, trazer boas recordações aos aposentados!

Washington Luiz Bastos Conceição



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Meia Lua


Se você tomar um taxi que circule pelo Leblon, no Rio de Janeiro, pedindo ao motorista para levá-la (ou levá-lo) ao edifício em que moro, informando-lhe o endereço, é provável que ele conheça o mesmo por seu apelido, “Meia Lua”. Este apelido decorre do formato curvo de sua planta.
Moro no Meia Lua, aliás, edifício “Condomínio Parque Visconde de Albuquerque” – o CPVA – há 43 anos, ou seja, desde que nos mudamos, minha família e eu, para o Rio.
Na ocasião da mudança, após encontrarmos dificuldade para alugar um apartamento que nos satisfizesse – casal com quatro filhos pequenos – decidimos partir para a compra.
No meu livro “O Projeto 3.7 e Nós”, conto como fizemos a escolha:
“Na fase de procura de apartamento para alugar, visitei muitos apartamentos, uns vinte, e selecionei pelo menos seis para que a Leilah os visitasse e fizesse sua apreciação. Como arquiteta e dona de casa competente, certamente ela veria melhor se o apartamento serviria para nós ou não. E eu não resolveria o assunto sozinho, já tinha juízo suficiente para não cometer esse desatino.
Era novembro, ela teria apenas um dia para as visitas, pois estava amamentando nossa filha recém-nascida. Viajou de avião, veio de manhã e voltou à tarde. Não gostou de nenhum.
Imediatamente passamos para o plano alternativo (hoje se diz “Plano B”): comprar um apartamento.
Nova pré-seleção de minha parte, novas visitas da Leilah, até que um corretor, simpático, falante, muito carioca, após nos mostrar dois apartamentos com a área e os cômodos requeridos, percebeu que não havíamos ficado muito interessados por eles e resolveu mostrar-nos aquele que, provavelmente, era o melhor que tinha para vender, dentro das características desejadas por nós. Lembramo-nos até hoje do que ele disse para a Leilah, depois que ela reclamou da iluminação e da falta de sol dos apartamentos visitados: “Agora a senhora vai precisar pôr óculos escuros quando eu abrir a porta do apartamento.”. Quando entramos no apartamento, vimos que ele não estava exagerando – ainda mais que as janelas estavam sem cortinas – o sol batia forte na sala e em toda a parte da frente do edifício e, no fundo, a cozinha era clara, pois não havia poço interno, o apartamento ia da frente aos fundos.
Esse apartamento, em um edifício do Leblon, reunia vários atrativos: além de bem ensolarado e de não ter poço interno, tinha uma sala de muito bom tamanho, três quartos, dois banheiros, copa, cozinha e dependências de serviço. E mais: oferecia uma vista muito bonita do Corcovado, da Lagoa Rodrigo de Freitas e de parte dos bairros do Leblon, Gávea e Ipanema, que nos encantou. Até hoje, decorridos mais de quarenta anos durante os quais os novos edifícios esconderam um pouco a Lagoa e Ipanema, todos da família e nossos visitantes apreciam muito esse lindo quadro, que à noite se torna um verdadeiro presépio.
 
Vista da janela de meu apartamento

Ainda mais: as áreas comuns também eram fora de série: um grande e bonito jardim, projetado e conservado por paisagista; uma garagem com vagas exclusivas, demarcadas, que não requeriam manobristas; uma área de lazer no fundo com um salão de recreação, um recanto com mesas, bancada e churrasqueira e, muito especial, uma quadra esportiva de uso múltiplo. O prédio era formado por três blocos contíguos; o acesso da rua era comum a os blocos tinham, depois do jardim, entradas (portarias) independentes. Naquele final de ano, as obras da quadra e o acabamento das entradas dos blocos estavam em fase de conclusão.
Fechamos o negócio com o corretor. Assinamos a escritura de compra e venda no Savoy, em Copacabana, pois o proprietário gozou da regalia de fazer em seu apartamento naquele hotel, na mesma hora, duas escrituras: a da venda, para nós, e a da compra de uma cobertura duplex em Ipanema, de outra pessoa. Ele era um artista de muita evidência naquela ocasião. Chamava-se Wilson Simonal de Castro.
Em janeiro de 1970, mudamo-nos para o apartamento, no qual Leilah e eu moramos até hoje. Os filhos cresceram, aproveitaram bastante o prédio e o bairro, onde fizeram amigos para toda a vida, mas acabaram batendo asas. Voltam ao Leblon, sempre que possível, para encontrar os amigos, tomar aquele chope, comemorar as vitórias do Flamengo na Casa Clipper ou outros dos bons e tradicionais bares do Leblon.”
 
As características do prédio, acima descritas, se mantêm até hoje.
Vista parcial da fachada
Muito além de suas qualidades, o Meia Lua tem uma história rica, exemplar, de pessoas e de seu relacionamento.
Quando conheci o edifício, falei com colegas da IBM e me lembrei da fase de seu lançamento. Em meados dos anos sessenta (1960) eu trabalhava na IBM e vinha ao Rio para reuniões com gerentes da Matriz. Em uma dessas visitas, o Leo Grieco de Almeida, colega amigo, então gerente de Educação (treinamento) da IBM Brasil, me contou que estava comprando um apartamento, ainda a ser construído. Disse que estava fazendo uma aposta (sua expressão) nos reajustes de salário que a IBM fazia para enfrentarmos a inflação, bem alta naquele tempo. Mostrou-me a planta do edifício e sua forma curva me chamou a atenção. Contou-me que outros colegas da IBM do Rio estavam comprando apartamentos no mesmo edifício.
Depois de algum tempo, o Leo mudou de cargo e meus contatos com ele rarearam, de forma que não acompanhei a construção do prédio e nem sua mudança para o novo apartamento.
Quando vim para o Rio, ele havia vendido seu apartamento e estava morando em Campinas, estado de São Paulo, pois fora promovido para o cargo de Diretor da nova fábrica da IBM em Sumaré, de modo que a história da construção do prédio me foi contada pelos meus novos vizinhos.
Os moradores eram, na grande maioria, talvez todos, proprietários dos respectivos apartamentos. Embora tenhamos (minha família) sido os primeiros a morar no nosso, os vizinhos tinham se mudado para o prédio algum tempo antes de nós.
Fiquei sabendo, então, da luta deles, os compradores do apartamento na planta, para que o edifício fosse concluído e eles pudessem habitá-lo. Dificuldades, certamente decorrentes de problemas com a inflação, fizeram com que fosse formada pelos condôminos uma comissão de obra para viabilizar sua conclusão. Não sei de detalhes, mas alguns deles me disseram que “dava para escrever um livro” contando essa história.
Como “há males que vêm para bem”, resultou da luta deles, além do sucesso da construção, uma união muito grande de alguns vizinhos que (algo que não é comum em nossos dias) passaram a ter, com as famílias, um convívio próximo e muito bom. Quando me instalei, passei a participar de eventos do edifício, das assembleias e, principalmente, do vôlei dos coroas, nos finais de semana.
Dentre os compradores originais dos apartamentos, havia dois grupos maiores: empregados da IBM e artistas de televisão. Para mim, foi muito interessante encontrar colegas de trabalho, com quem estreitei amizades, e o pessoal de televisão, pessoas que, mesmo longe das câmeras, animavam qualquer reunião. Destes, o Paulo Celestino, que participava do vôlei, era o mais frequente em nossas atividades comuns; entre os demais, lembro-me de Colé, Daniel Filho e Dorinha Duval. E mais, Carmem Verônica é nossa vizinha-amiga até hoje. Como já contei, o Simonal vendeu seu apartamento para nós.
Parte do jardim, visto de minha janela
O maior benefício que tivemos, ao escolher o Meia Lua, foi, talvez, a forma de criação dos filhos. Quando
garotos, estudavam na Escola Americana, localizada inicialmente no Leblon e depois na Gávea. Voltavam da escola no início da tarde, tomavam um lanche, faziam as lições e depois desciam para a área de recreação do prédio. Esta funcionava como um quintal de casa. Além do salão de recreação, a área da churrasqueira e a quadra de esportes, já mencionadas, eram também atrações seus caminhos entre plantas e árvores e uma área com balanços e piso de terra arenosa que permitia jogar bola de gude. Os menores brincavam muito de "pique-esconde" (na minha infância, em São Paulo, chamava-se "esconde-esconde") para o que usavam também a passarela, passagem na frente do prédio entre o jardim e as portarias dos blocos, muito frequentada por babás com carrinhos de bebês. Os maiores usavam muito a quadra, para um futebol animado.
 
 

Já moços, eles jogavam na quadra uma célebre pelada de futsal, no sábado; e, aderindo ao vôlei do prédio, passaram a participar de partidas com os coroas e de nossos torneios internos.
Morar no Meia Lua facilitou também seu estudo na PUC (Pontifícia Universidade Católica),  no campus da Gávea, bem perto de casa, onde três deles fizeram faculdade e cursos de pós-graduação.
Na ocasião de nossa mudança para o Rio, facilidades como as oferecidas pelo nosso prédio não havia, habitualmente, nos edifícios da zona sul. Em minha procura por apartamento, visitei muitos. Os “playgrounds” eram raros e sem boas instalações, o que estimulava as crianças a sair para a rua. Edifícios com áreas esportivas comuns surgiriam, mais tarde, nos condomínios da barra.
Nesses anos todos de Meia Lua, meus filhos fizeram amizades boas e duradouras, que conservam até hoje; agora são todos chefes de família e, vários, pais de filhos. Claro, têm também amigos de infância e juventude feitos na escola e no próprio bairro, quando, mais velhos, estenderam suas atividades para todo o Leblon.
O perfil dos moradores do edifício vem se alterando ao longo dos anos, claro que já não é mais o da década de 1970. Não só porque os poucos remanescentes ficamos mais velhos, mas também porque alguns, ao se aposentar, voltaram aos estados de origem; outros se mudaram para outros bairros para morar perto de filhos, alguns faleceram. A quantidade de apartamentos alugados aumentou e alguns são, hoje, ocupados pelos filhos dos moradores originais. Essas renovações garantem a presença de crianças no edifício, o que lhe dá animação constante.
O principal tipo de animação é proporcionado pelas festas de aniversário, realizadas, em geral, aos sábados. O salão de recreação, a área da churrasqueira e, principalmente, a quadra de esportes constituem espaços muito favoráveis.
A quadra continua cumprindo seu papel, agora com a terceira geração.
Manter um edifício com quase cem unidades não é fácil. Exige uns vinte empregados, além de compras e serviços externos de manutenção consideráveis.
Quando nos mudamos para o Meia Lua, um dos condôminos da comissão de construção do edifício exercia a função de síndico. Foi reeleito, exerceu alguns mandatos de forma muito apreciada por todos, e só deixou o cargo porque se mudou. Outros membros da comissão, devidamente eleitos, o sucederam. Alguns enfrentaram maiores dificuldades, como reformas da fachada, por exemplo, mas, de uma forma geral, a vida no edifício não apresentou maiores problemas. O que espantava conhecidos meus que moravam em outros prédios era o fato de haver concorrência nas eleições para síndico, pois sempre havia mais de um interessado em exercer a função, que não é remunerada. Isto porque, em geral, os condôminos de edifícios fogem dessa incumbência. Durante um bom tempo, eu fiz parte do conselho consultivo ou do conselho fiscal, o que dava algum trabalho mas não interferia nas minhas atividades na IBM.
Recentemente, os condôminos constataram que havia a necessidade de uma revisão dos principais itens de manutenção do edifício. Uma das moradoras provocou uma discussão geral sobre um desses itens, usando e-mail, e obteve uma resposta rápida dos vizinhos, que estenderam a lista de itens. Sucederam-se reuniões. O síndico informou sobre as medidas em andamento e foram formadas comissões que já estão agindo para acelerar os processos de revisão e para implantar outros. Por exemplo, promovendo uma vistoria do prédio pelo Corpo de Bombeiros. A animação da comunidade é grande, com atuação destacada das mulheres – agora, para o bem de todos, não são mais donas de casa, são donas de prédio...
Por enquanto, da mesma forma que outros condôminos idosos, estou torcendo na arquibancada. E é um grande prazer observar a nova geração assumir os cuidados do Meia Lua. Ele merece.
 
Washington Luiz Bastos Conceição



sábado, 20 de julho de 2013

Los Tres Caballeros

Já faz algum tempo, programei a publicação desta minha história no blog, o que decidi fazer hoje.

Originalmente publicada no meu primeiro livro, “O Histórias do Terceiro Tempo”, é a história de três colegas de uma empresa multinacional que, vivendo cada um em seu país, encontraram-se e fizeram uma amizade tão improvável quanto duradoura.

Duas coincidências me fizeram tomar a decisão de publicá-la aqui, hoje. A primeira foi o desejo de meu neto carioca, o Bruno, mencionado no texto, de, ontem, rever o filme, depois de muito tempo sem vê-lo. A segunda foi meu sobrinho mais velho, com quem eu não falava há mais de um ano, comentar em telefonema de hoje que a história foi muito apreciada por seu irmão.

Portanto, do “Histórias do Terceiro Tempo”, transcrevo abaixo “Los Tres Caballeros”. Apesar do título, o idioma é o Português.



LOS TRES CABALLEROS

Quando observo o Bruno, meu neto de quatro anos neste ano de 2007, assistindo, todo animado, à fita de vídeo do filme “Você já foi à Bahia?”, fico cismando sobre as coisas estranhas da vida.

Ele tinha apenas dois anos quando lhe mostrei o filme pela primeira vez, para me livrar da repetição cansativa do desenho animado das histórias de uma vaquinha que era o DVD que ele tinha aqui em casa. Como ele já gostava muito de música e de dançar acompanhando os filmes e CDs, resolvi arriscar e ver se ele gostava.

O filme, um desenho animado musical de Walt Disney, foi feito na ocasião da segunda guerra mundial, com o objetivo de aproximação simpática dos Estados Unidos com a América Latina; tem, como temas principais, as visitas do Pato Donald à Bahia (daí o nome em Português) e ao México. Na primeira, o anfitrião foi o papagaio Zé Carioca e, na segunda, o galo Panchito (mexicano), mas também com a companhia do Zé. Daí o nome original do filme – Los Tres Caballeros.

Pois o Bruno gostou e continua pedindo para assistir ao filme quando vem visitar os avós. De início ele se interessava pela música e danças, sua preferida era a da Adelita, heroína revolucionária do folclore mexicano; mas, depois, passou a se divertir também com as estripulias dos três personagens, especialmente do Donald.

Mas por que eu disse que fico cismando sobre as coisas estranhas da vida? Por que eu tenho essa fita em casa?

Agora começa minha história – a história de três caras que a vida fez encontrarem-se e tornarem-se amigos.


Em 1967 eu trabalhava na IBM, em São Paulo, já fazia sete anos. Era então Gerente do “Centro Educacional”, setor responsável pelo treinamento em Informática que a Empresa dava ao pessoal de seus clientes (o Gerente de Informática de um deles, de gozação, me chamava de “Magnífico Reitor”). Além dos cursos aos clientes eu coordenava também o treinamento técnico do próprio pessoal IBM, profissionais e gerentes. Naquele ano, a IBM decidiu dar um curso puxado, no mundo inteiro, aos seus gerentes da área de vendas, para desenvolver o uso de teleprocessamento pelos clientes, ou seja, o uso de terminais ligados ao computador central de cada Empresa, o que era um passo difícil em matéria de tecnologia. Especialmente treinado nos Estados Unidos para esse trabalho, um grupo de gerentes técnicos foi incumbido de dar o curso em todos os países em que a IBM operava. Para o Brasil, vieram o Jorge Martinez, do México, e o Fernando Villanueva, do Chile. Como eu era o coordenador, acabei fazendo também o papel de anfitrião em São Paulo, até no fim de semana, pois o curso durou quinze dias. Fiz as honras da casa, proporcionando-lhes um tour no fim de semana e acabei até levando-os à casa de meu sogro no bairro do Pacaembu, de modo que eles conheceram minha família. Meu domínio do Espanhol facilitou a comunicação e fizemos boa camaradagem.

Naquela ocasião, eu andava um tanto inquieto com relação ao meu trabalho na IBM, pois já tinha desenvolvido bastante o treinamento a clientes em São Paulo e estava procurando novos desafios. Entretanto, treinamento e visitas à IBM nos Estados Unidos eram uma oportunidade rara, mesmo para gerentes; precisava haver uma razão específica para os diretores aprovarem uma viagem dessas. Até 67, além de treinamento e reuniões no Brasil, eu tinha apenas participado de uma convenção em Caracas e feito dois cursos internacionais em Buenos Aires. Com quase cinco anos na gerência do Centro Educacional e com a responsabilidade adicional de coordenação de cursos a executivos de clientes em São Paulo, eu vinha havia algum tempo pleiteando uma visita à matriz americana para observar e discutir as novas diretrizes, organização, métodos e recursos que poderíamos vir a aplicar na IBM do Brasil. Não estava fácil, pois a prioridade era para os programas de venda – por exemplo, a preparação do representante IBM junto à Petrobrás.

“Eis senão quando”, surgiu a necessidade de enviar um profissional do Brasil ao México para um curso sobre um software aplicativo de controle de estoques, sofisticado, que poderia trazer novos negócios à IBM – o IMPACT (Inventory Management Program for Accounting and Control – os americanos gostam muito de acrônimos). Fui convidado para assistir ao curso em Cuernavaca, cidade próxima à Capital, onde a IBM tinha um centro de treinamento para executivos. Aceitei, mas vendi a ideia de estender a viagem para a Cidade do México para visitar o Departamento de Educação da IBM do México, do qual o Jorge Martinez era gerente, e para Nova York, para fazer a visita ao Departamento de Educação da matriz internacional, a IBM World Trade Co., visita esta que eu vinha propondo havia tempo. O acréscimo de despesas não era muito, pois a viagem ao México era via Miami.

Assim foi que, em outubro de 1967, fiz o curso em Cuernavaca, visitei a IBM do México e, no fim de semana, conheci a Cidade do México, que estava em grandes preparativos para as Olimpíadas de 1968.

O Jorge foi muito hospitaleiro. Um pouco mais alto e mais forte do que eu, com jeitão de árabe rico, sempre muito bem vestido, me levou para jantar em restaurantes muito bons (um deles, o do Lago, em Chapultepec). Designou pessoas de seu grupo para me atender no trabalho, pois enfrentou um problema muito sério naquela semana: um dos seus instrutores morreu em Caracas, onde estava em viagem a serviço.

Ao me despedir, contei ao  Jorge que ia a Nova York. Ele resolveu, então, ligar para um grande amigo seu da IBM de lá e sugerir que nos encontrássemos. Fez o telefonema e ficou acertado que eu ligaria para o seu amigo quando chegasse. Deu-me o número do telefone do Bill Ouweneel e insistiu para que eu o chamasse, pois, disse, ele era ótima pessoa.

Foi, portanto, minha primeira vez em Nova York.

Não tive problemas, pois aproveitei as dicas dos colegas que haviam estado lá antes. Hospedei-me num hotel na Lexington Avenue, antigo mas razoavelmente confortável. Encontrei dois colegas do Brasil e fizemos alguns programas juntos, inclusive o passeio de barco em torno da ilha de Manhattan (Circle Line). Cumpri minha agenda de trabalho na IBM, em Nova York e Poughkeepsie, atendido por um colega simpático, o Brad Foss, que depois eu iria encontrar em Chicago, quando trabalhei lá.

Eu havia chegado a Nova York num fim de semana. Na segunda à noite, sem muito palpite, liguei para o Ouweneel. Esperava um atendimento cordial, talvez a marcação de um encontro na hora do almoço, pois a informação que eu tinha era de que os americanos não eram de “fazer sala” para colegas de fora. Em geral, moravam no subúrbio e tinham de tomar o trem para casa às seis da tarde. Mas o Bill me surpreendeu – me convidou para jantar no dia seguinte, no apartamento dele. Casado, sem filhos, era dos poucos que moravam em Manhatan, nem tinha automóvel (quando precisava, alugava). Se não me falha a memória, levei umas flores para a Joan, mulher dele, que também trabalhava na IBM, na Divisão de Máquinas de Escrever. Ambos claros e altos, ela loira, cabelo cortado curto, ele, descendente de holandeses, branquíssimo, com um rosto jovem e uma calva precoce, rapava a cabeça à maneira do Yul Brinner. Muito simpáticos e atenciosos, os dois. Foi um jantar muito fino e muito agradável; falamos, claro, do Brasil e eles me mostraram um belo livro, ilustrado, com coisas nossas, em que Pelé figurava com destaque.

Como eu iria voltar ao Brasil no sábado à noite, me levaram para visitar o Museu de Arte Moderna – o MoMA – e apreciar, principalmente, Guernica e obras de escultura de Picasso. Almoçamos no museu e eles ainda me acompanharam à Schwartz, loja famosa de brinquedos onde comprei presentes para as crianças. Naquela semana fiz dois grandes amigos, mas não podia adivinhar como nossa amizade iria ser tão duradoura e com acontecimentos tão imprevisíveis.

Programa concluído em Nova York, voltei a São Paulo com informações importantes para meu trabalho aqui no Brasil, com as histórias da viagem e com presentes para a família, como era de praxe.

Durante 1967, mantive contato com o Jorge e o Bill por correio interno IBM (o e-mail surgiria muitíssimo mais tarde) e por cartões de Natal, até que, no início de 1968, fui designado para um trabalho em Chicago, num projeto especial da IBM, que durou cerca de dois anos. Era a preparação de lançamento de um computador compacto, o menor e mais barato jamais produzido pela IBM, e que iniciaria, de certa forma, a introdução dos sistemas eletrônicos nas pequenas e médias empresas. Muito antes dos PC´s, lançados na década de 1980, o Sistema/3 viria a ser um dos maiores sucessos de venda da IBM no mundo todo. Entretanto, àquela altura, por causa da lei antitruste americana, o projeto era ultra confidencial, uma das razões dos participantes do projeto, um grupo internacional, ficarem instalados em Chicago, em um edifício não IBM.

Mudei-me para Chicago em maio de 1968, com a família: Leilah e três filhos (Luiz, sete anos; Cássio, cinco; e Francisco, dois e meio). Jurema ainda não havia nascido.

Comuniquei a mudança aos dois amigos, usávamos o telefone, e tínhamos a expectativa de reencontrar-nos. Bill e Joan foram nos visitar nos feriados de Thanksgiving, em novembro de 1968, após visitarem os pais dele em Indiana. Foi muito simpática e agradável a visita deles; nessa ocasião, a Leilah os conheceu e a amizade se estendeu e se consolidou.

Visitamos o Jorge em nossa viagem de volta dos Estados Unidos ao Brasil, em 1969, quando fizemos a proeza - o casal (a Leilah grávida) e os filhos - de fazer o trajeto, com uma enorme bagagem, pela costa oeste dos Estados Unidos para conhecer São Francisco, Los Angeles, Disneyland (ainda não existia a Disneyworld); depois, fizemos escala no México, para a Leilah poder apreciar a arquitetura, os museus, as pirâmides, o balé, enfim, tudo de bonito e diferente que aquele país oferecia e oferece ao visitante. O Jorge, como de hábito, nos recebeu muito bem, foi um cicerone atencioso, fazendo questão de nos levar, com sua mãe, a Puebla, sua cidade natal. Um bonito passeio.

Voltamos ao Brasil, Jurema nasceu depois de quinze dias e fui transferido para a IBM Matriz no Rio, promovido para uma gerência de produto, cujo principal objetivo era o marketing do Sistema/3.

Antes de nossa volta, mas depois da visita do Bill e da Joan a Chicago, recebi um telefonema do Bill com uma notícia surpresa, daquelas que os americanos gostam de preparar assim: “Guess what!”. Ele tinha sido convidado – e já tinha aceitado – para uma designação temporária no Brasil para ser o Gerente do Departamento de Educação da Matriz da IBM, no Rio! Estava fazendo um curso de imersão de Português, o que viria a lhe tornar, no Brasil, uma grata exceção – um americano falando um ótimo Português, fluente, com pouco sotaque. Frustrou um pouco as secretárias aqui, pois estas gostavam de usar o seu Inglês, em geral muito bom.

Quando nos mudamos para o Rio, os Ouweneel já estavam instalados, num bom apartamento em Copacabana e a Joan até deu u’a mão para a Leilah na instalação do nosso apartamento. Convivemos no Rio por cerca de dois anos e continuamos muito amigos. Ambos aproveitaram o Rio e conheceram várias regiões do País fazendo turismo interno – eu me lembro de que fizeram o roteiro histórico de Minas e voltaram encantados. Voltaram aos Estados Unidos em 1971.

Ainda na década de 70, estive com o Bill algumas vezes em Nova York, uma vez no Rio, viagens a trabalho minhas e dele. Saímos da IBM aproximadamente na mesma época. Ao se aposentar, ele e Katherine, sua nova esposa (ele havia se divorciado da Joan havia vários anos) decidiram se mudar para Bellingham, uma pequena cidade encantadora no estado de Washington, perto de Seattle e de Vancouver (Canadá). Em 1994, visitamos o casal. Sua casa, muito confortável, fica de frente para o mar, numa encosta tomada por um bosque. Fazia um pouco de frio, o que tornava a casa muito aconchegante. O macarrão delicioso que Katherine preparou, acompanhado de um ótimo vinho, foi um almoço inesquecível. Ela, professora que se aposentara na mesma época em que o Bill deixou a IBM, passou a se dedicar mais à alta cozinha, de tal forma que passara a treinar “chefs”. Ela deu à Leilah sua receita de macarrão com salmão que passamos a usar no Brasil, com total aprovação dos amigos.

 
Encontrei novamente o Jorge quando estive no México em 1974, para outro curso internacional IBM em Cuernavaca, desta vez para gerentes de gerentes, e visitei sua família. Ele havia saído da IBM e se estabelecera com negócio próprio na área de Informática, fornecendo equipamento e serviços complementares para instalações de computadores, especialmente IBM. Nessa ocasião, estava noivo de Maria Eugenia, o que me surpreendeu porque ele me parecia um solteirão convicto.

Em 1978, quando era gerente de informática na Brasividro, empresa fabricante de louça vitrificada, formada por uma associação da Nadir Figueiredo (brasileira) e Cristales Mexicanos, Leilah foi a trabalho para Monterrey. Tirei férias na IBM e a acompanhei. Esticamos uns dias para fazer um pouco de turismo naquele país tão rico de história e tradições. Visitei o casal Jorge e família, pondo a vida em dia. Depois desta viagem, só voltaríamos ao México em 2002, quando Jurema foi trabalhar em Monterrey por dois anos.

Entre as visitas ao Bill e ao Jorge, mantive com os dois uma correspondência rarefeita, mesmo depois do advento do e-mail, baseada principalmente nos cartões de Natal, que costumo escrever, imprimir e enviar a amigos e parentes, com um resumo de minhas notícias do ano.

Em 2003, Leilah e eu visitamos o Jorge na Cidade do México, quando ele estava no hospital, na UTI, em estado muito grave, após uma queda acidental quando se exercitava na rua, mas não tenho certeza de ele ter me reconhecido. Nosso encontro com seus familiares, inclusive com Maria Eugenia, foi muito triste porque a expectativa era das piores. Ele faleceu naquele ano.

Restou a lembrança de nosso encontro em 2002, o projeto “Los Tres  Caballeros”, que aconteceu assim:

Costumamos visitar Cássio, meu segundo filho, e família na Califórnia com certa frequência. Ao planejar nossa viagem de 2002, entrei em contato com o Bill e comentei que ele, Jorge e eu nunca tínhamos estado juntos, os três ao mesmo tempo. E eu os conhecia havia trinta e cinco anos! Então, fiz uma brincadeira no e-mail lembrando um filme de Disney, do tempo da segunda guerra, em que um americano, um brasileiro e um mexicano se encontraram e ficaram amigos - o Pato Donald, o Zé Carioca e o Panchito (Pancho Pistolas, segundo o Jorge). Ele conhecia o filme “Los Tres Caballeros” e, com esse nome, nasceu nosso projeto: marcamos encontro em Seattle, num fim de semana de maio. Leilah e eu voamos da Califórnia; Jorge, da Cidade do México; o Bill  preparou o programa, reservou o hotel, marcou os jantares e, dirigindo de Bellingham, nos esperou em Seattle.

A capa do estojo da fita de vídeo

O hotel, o “Vintage Park”, no centro da cidade, não poderia ser mais agradável e hospitaleiro. Ao nos registrarmos, bastou nos apresentarmos como um dos “Três Caballeros”, pois o Bill havia falado do encontro para o gerente e, com isso, conseguiu um desconto e um tratamento muito simpático. Cada apartamento tinha o nome de uma vinícola do estado, então o segundo maior produtor de vinho dos Estados Unidos (passara Nova York) e toda tarde, às cinco, havia uma degustação grátis para os hóspedes. O restaurante também era excelente.

Leilah era a única mulher, pois Katherine tinha compromissos e não pôde ir e, só fiquei sabendo lá, o Jorge e a Maria Eugenia estavam divorciados. Fizemos vários programas na cidade, alguns os quatro, outros sem a Leilah quando ela  saía com a Diane, que mora em Seattle. Esta, mãe da Julia (minha nora americana), é extremamente gentil e fez questão de fazer alguns passeios com a Leilah, entre outros, uma visita ao Museu de Arte de Seattle.

Nossos programas se concentraram no centro da cidade, incluindo a tradicional visita ao mercado de peixe, a visita ao Benaroya Hall, sala de concertos da Orquestra Sinfônica de Seattle, construída com as mais avançadas técnicas de som, e algumas lojas de artigos eletrônicos. Os dois, Bill e Jorge, aproveitaram muito, entusiasmados, parecia que voltavam a muitos anos atrás quando, mais jovens, se tornaram amigos. Leilah e eu nos divertíamos com o jeito deles.

O jantar de despedida foi no hotel “Four Seasons”, o preferido do Jorge. Jantar de alto nível que fechou o programa de forma brilhante. No final do jantar, o Bill nos presenteou o vídeo do filme.

A data e as assinaturas dos tres caballeros
Quando o Jorge faleceu, o Bill me mandou um e-mail agradecendo, emocionado, a ideia do programa. “Los Tres Caballeros” foi um evento inesquecível.


Cada vez que o Bruno termina de ver o filme, paro o vídeo, ejeto a fita e abro o estojo para guardá-la. Antes de fechá-lo, releio emocionado, na sua face interna, as assinaturas: “Jorge”, “Bill” e “Washington”, e a data: “16/05/02”.

 


Rio de Janeiro, setembro de 2007






Washington Luiz Bastos Conceição