Hoje, cara leitora ou prezado leitor, venho abordar um
assunto sério, muito sério. Por que trazê-lo ao blog, no qual venho publicando,
no mais das vezes, crônicas leves? Porque entendo que devemos trocar
informações sobre algo que é da maior importância para os idosos e, como
consequência, para seus parentes mais próximos.
Trata-se do plano de vida de pessoas de minha faixa etária
(no mês que vem, completarei 86 anos). Então, pergunto: não se faz mister
planejarmos nossos próximos anos de vida, considerando que, provavelmente, não
serão muitos nem fáceis?
Como, em geral, nós os idosos não queremos “entregar a
rapadura”, primeiro precisamos fazer com cuidado a manutenção da saúde,
consultando as médicas e os médicos (geriatra, cardiologista, ortopedista e
outros especialistas, conforme cada caso) fazendo os exames solicitados e nos submetendo aos tratamentos requeridos. Estou falando o óbvio, não? Mas nem
sempre fazemos as coisas como deveríamos.
Outra providência importante é aperfeiçoar nossos
procedimentos em emergências. Por exemplo, estabelecer um esquema de pedido de
socorro por ambulância que nos leve ao hospital, sem termos de recorrer aos
filhos ou a amigos. Tive um amigo que, antes dos oitenta, morando só com a
esposa, fixou um quadro em uma parede do corredor do apartamento com as
instruções e telefones necessários em casos de emergência. Vou seguir seu
exemplo.
Informações pessoais, como senhas ou procedimentos
administrativos domésticos, embora confidenciais, devem ser registradas de
forma que alguém de confiança possa ter acesso a elas para nos substituir em
eventual ausência. E mais, os documentos (de identidade, escrituras, etc.)
devem estar arquivados de forma a ser encontrados sem grande dificuldade.
Quanto ao planejamento geral desta fase da vida, há
questões fundamentais: até quando o idoso, ou o casal, terá recursos para
sustentar seu atual nível de vida? À medida que nossas dificuldades físicas
aumentarem e necessitarmos de maior assistência pessoal, doméstica e médica,
para onde deveremos nos mudar?
A questão financeira poderá não ser problema, se o valor
das aposentadorias e das reservas for suficiente para cobrir o total das
despesas, considerando-se uma projeção razoável de expectativa de vida. Caso
contrário, um plano de ajuste será necessário. A possível ajuda dos filhos deve
ser considerada o último recurso.
A solução da moradia requer, também, uma análise séria. Vou
me alongar neste tópico.
A tendência dos idosos, especialmente dos casais cujos
filhos já saíram de casa, é procurar se manter na residência que adotaram há
tempos, adaptados que estão ao nível de conforto e ao sistema de vida que vêm
levando. Embora reconheçam que suas condições físicas não lhes permitirão
continuar operando a residência, mesmo com auxílio de empregados, é difícil
planejar mudar-se para um local que atenda suas novas necessidades. Porém, a
não ser em casos de alta capacidade financeira, que lhes possibilite continuar
em sua residência e contratar toda a mão de obra necessária, é preciso pensar
em nova solução de moradia.
De vez em quando, durante o almoço de meu grupo de amigos,
ex-colegas da IBM, octogenários ou quase, o tema vem à baila, pois alguns se
mostram preocupados com o problema. Temos considerado soluções diferentes da
tradicional (ou seja, a dos idosos irem morar com um dos filhos), embora ainda
esteja sendo bastante adotada. Hoje, esta me parece, cada vez mais,
inconveniente para pais, filhos e netos.
Eu, particularmente, entendo que a melhor solução é uma
casa de repouso tipo hotel-residência, com apartamentos confortáveis, com áreas
comuns para refeições e atividades sociais e recreativas, junto a um hospital,
de forma que os residentes possam ter atendimento médico e de enfermagem
adequados.
Encontrei um modelo para organizações desse tipo, descrito
no livro “Recessional”, de James Michener, renomado romancista autor de vários
best-sellers. Li vários de seus livros: “Hawaii”, “Poland”, “Centennial”,
“Mexico” e outros, quase todos romances históricos, de forma que o tema de
“Recessional” me surpreendeu. Faz tempo que o li pela primeira vez (foi
publicado em 1994) e, agora que o assunto me interessa mais diretamente, estou
relendo. Para mim, os problemas dos residentes e dos pacientes, bem como a
solução apresentada, permanecem atuais. No livro, um romance, o autor descreve
com detalhes o funcionamento de uma instituição para idosos, na Flórida,
Estados Unidos, com três unidades conjuntas: a residencial, constituída de
apartamentos com áreas comuns para os residentes; a unidade de atendimento
médico (ou seja, um hospital) e outra de atendimento para doentes terminais.
Michener não doura a pílula ao narrar casos de doentes de várias naturezas, mas
mostra as soluções adotadas para o seu atendimento; enfatiza a socialização dos
residentes, descrevendo os programas oferecidos e mostrando que a vida deles
pode se tornar muito mais interessante do que se estivessem isolados, em suas
antigas casas. Contudo, deixa claro que o estabelecimento, do jeito que foi
construído e mantido, era para pessoas abonadas.
Voltando ao nosso caso real, é possível que já tenhamos
instituições semelhantes, mas, apesar de eu ter pesquisado e me valido de
informações de conhecidos, não sei de alguma tão completa quanto “Las Palmas”,
aquela descrita no livro. As que pesquisei na internet buscando “casas de repouso”,
mencionam vários serviços, mostram suas instalações com um forte aroma de
marketing, mas não indicam uma conexão estreita com hospitais.
Minha esposa e eu, que nos sentimos bem instalados no Meia
Lua, edifício grande com uma boa equipe de empregados, estamos pré-planejando
nossa mudança quando o avanço da idade e a equação financeira a exigir. Se
conseguirmos uma solução com o conceito do Las Palmas e que possamos pagar,
provavelmente iremos adotá-la.
Comecei a crônica dizendo que o assunto era sério. Sua
seriedade, não posso negar, provém do fato de que os idosos, embora
esperançosos de ficar mais algum tempo neste mundo louco, sabem que estão se
aproximando da “Magra”.
Quanto a mim, percebi que, ao tratar do planejamento de
vida para os próximos anos, estou, de certa forma, seguindo minha avó Balbina.
Esta, como já contei em crônica anterior, começou a preparar sua mortalha
quando tinha uns quarenta anos, mais ou menos, mas teve de fazer uma sucessão de
mortalhas porque elas iam se deteriorando e ela sobrevivia a todas. Faleceu,
lúcida, aos 95 anos. De forma semelhante, continuarei, com Leilah, a fazer
planos – e revisá-los, para aumentarmos a chance de ficar mais um bom
tempo por aqui.
Washington Luiz Bastos Conceição
Nota:
“Recessional”, segundo
informado no livro, significa: “Um hino ou outra peça musical tocada no final
de um serviço religioso enquanto a congregação se retira”.