quinta-feira, 29 de junho de 2023

National Language

Para escrever no meu computador pessoal eu costumo usar o processador de texto Word, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos. Ele oferece muitos recursos e eu aproveito vários deles, incluindo ditado, tradução e edição de textos em diferentes idiomas. A qualidade da tradução, que não pode ser perfeita, é semelhante à do tradutor do Google (pelo menos para inglês e espanhol, idiomas em que posso fazer essa comparação). A edição melhora a redação.

A lista de idiomas disponíveis para tradução (no meu tempo de escola, quando a tradução era do Português para outra língua, chamava-se versão) é enorme; contei 114, do Africâner ao Zulu, incluindo algumas variações, como Chinês Literário, Chinês Simplificado e Chinês Tradicional, por exemplo.

Para ilustrar, mostro abaixo, sem editar, a versão para o Inglês do primeiro parágrafo acima.

To write on my personal computer I usually use the Word word processor, which has been perfected over the years. It offers many features and I take advantage of several of them, including dictation, translation and editing of texts in different languages. The quality of the translation, which cannot be perfect, is similar to that of Google's translator (for English and Spanish at least, languages in which I can make this comparison). Editing improves the wording.

Por outro lado, meu blog oferece a tradução das crônicas, do Português para 130 idiomas; meus leitores estrangeiros têm utilizado o recurso. Para ilustrar, as imagens do início de uma crônica no blog, em Português e Espanhol:




Esse extraordinário estímulo à comunicação entre pessoas me faz lembrar, frequentemente, da evolução dos softwares nessa área e, especialmente, de um dos projetos mais interessantes de que participei e gerenciei em meu trabalho na IBM do Brasil: o projeto internacional denominado “National Language”, que aconteceu no início da década de 1980.


No início de sua história, os computadores, todos de grande porte e alto preço, eram utilizados nas organizações maiores (órgãos de governo e grandes empresas) com o mesmo conceito das máquinas eletromecânicas que os precederam, ou seja, de forma centralizada, mediante um departamento chamado Centro de Processamento de Dados (o CPD). Este recebia informações dos diversos setores da organização (por exemplo, o Departamento de Pessoal), documentos e relatórios manuscritos ou datilografados, processava os sistemas respectivos (por exemplo o da folha de pagamento) e entregava os resultados (por exemplo, contracheques de pagamento e relatórios da folha). Quem lidava com os computadores eram os funcionários do CPD: analistas de sistema, programadores, operadores das máquinas e perfuradores de cartões. Assim como as mensagens e telas dos softwares, os manuais e “newsletters” disponíveis estavam em Inglês, de sorte que os profissionais precisavam ter o conhecimento desse idioma.

Quando os sistemas evoluíram para o uso de terminais nos departamentos clientes do CPD, ou seja, quando os computadores passaram a ter “usuários finais” nos demais departamentos de cada organização, surgiu a necessidade de que as telas e as mensagens operacionais do sistema, além dos manuais de instruções, estivessem no idioma dos usuários.

Daí o projeto “National Language”, que teve como objetivo produzir, para os muitos países em que a IBM atuava, software e manuais nos respectivos idiomas – em sua língua nacional.


Minha designação para o projeto me levou a trabalhar na implantação do Departamento de National Language no Brasil e a participar do grupo internacional da IBM World Trade, formado pelos gerentes de projeto dos vários países envolvidos. Havia reuniões periódicas nos escritórios da Empresa no Estado de Nova York, para discussão do progresso das atividades, para apresentações de diretrizes e para sessões de trabalho (workshops). Além das reuniões, visitávamos  fábricas e centros de desenvolvimento em várias cidades, para sermos informados sobre novos produtos, hardware e software.

Por necessidades específicas, o Canadá (pelo uso do idioma Francês do Quebec) e o Japão (com seus “alfabetos” especiais) estavam adiantados nas atividades de tradução, com departamentos bem estruturados, razão pela qual, no início do projeto, estendi minha viagem aos Estados Unidos para Montreal e Tóquio. De ambos eu trouxe informações sobre a missão e organização dos respectivos departamentos responsáveis pelas traduções, estruturados já havia algum tempo. No Japão, tive a oportunidade de admirar a criatividade dos analistas ao lidar, nos computadores, com os ideogramas. Haviam começado com o Hiragana e o Katakana, linguagens escritas simplificadas, e evoluíram para o Kanji (deste, lembro de falarem em trabalhar com 4000 ideogramas).

Nas reuniões do grupo do projeto, tomávamos conhecimento das necessidades de cada país, casos de países com dois idiomas além do Canadá (como o da Bélgica, que eu desconhecia), variantes do mesmo idioma em países diferentes (por exemplo, Francês da França e do Canadá), e a necessidade, em alguns países, de traduzirem até as placas identificadoras das máquinas.

Nessas reuniões, eram apresentados, também, produtos novos, alguns antes do anúncio pela Empresa, que iriam requerer nosso trabalho de traduções (nessas apresentações, como a IBM não podia fazer pré-anúncios, assinávamos compromissos de confidencialidade). Por exemplo, guardo a lembrança de uma incrível demonstração do futuro Personal Computer (o PC) dramatizada pelo funcionamento da máquina até com seus componentes desmontados, fora da caixa.

Houve, também, uma apresentação de software que já era classificado como  “Inteligência Artificial”. Era um programa de perguntas e respostas, semelhante, no conceito, ao sistema do Google. Não me lembro de sua abrangência, se era limitado por assuntos, por exemplo.

As visitas aos centros de desenvolvimento de software e às fábricas também eram muito interessantes para orientação ao grupo na produção de seus módulos de software e de seus manuais.

Por exemplo, em uma das fábricas, tomamos conhecimento do procedimento que a IBM chamava de “Human Factors”, que era uma pesquisa do comportamento das pessoas com capacidade de operar um certo equipamento, mas necessitavam de treinamento para um novo produto. Por exemplo, quando foi introduzido o disquete flexível (o floppy disk), fizeram a pesquisa pondo as pessoas em uma sala fechada frente ao equipamento e dando, sem instrução prévia, um disquete para introduzir na máquina e digitar um documento. As reações das pessoas, observadas pelos técnicos fora da sala, eram as mais variadas e indicavam que tipo de treinamento e informação eram necessários para o bom uso do produto.

Nos centros de desenvolvimento de software, éramos informados, sempre nos comprometendo com a confidencialidade, sobre as características dos produtos em desenvolvimento que teríamos de traduzir. O Centro de Desenvolvimento de software de Santa Teresa, na Califórnia, próximo a San José, impressionava os visitantes por ser um edifício moderno construído em um terreno de fazenda, bucólico, com o objetivo de proporcionar aos profissionais de desenvolvimento de software um ambiente tranquilo para seu trabalho. 

De início, a tradução de programas, era muito difícil porque os textos das telas e mensagens em Inglês estavam inseridos na sequência das instruções e precisavam ser pesquisados nos programas, geralmente muito grandes e complexos. Um dos analistas de meu departamento foi aos Estados Unidos trabalhar em um projeto desse tipo, enfrentando a dificuldade enorme do processo. Experiências desse tipo levaram a IBM a mudar a arquitetura dos programas, mediante a inclusão de um módulo de tradução que cada país líder do idioma passou a preparar para introdução no software respectivo.

Alguns anos depois de minha saída da IBM, minha empresa de assessoria e consultoria prestou à IBM serviços de análise de sistemas e tradução na produção dos módulos de “National Language” para vários softwares de mainframes.


Pelo que comentei de início quanto aos recursos de tradução do Word e do Blogger (programa do blog), percebe-se que dou muito valor ao recurso de tradução disponível, hoje em dia, nos aplicativos e software em geral. Dou valor, não somente por ter participado de um trabalho pioneiro tão interessante e importante no processo de globalização da Informática, como também e principalmente, porque a tradução facilita enormemente a comunicação entre pessoas no mundo todo, cada vez mais necessária hoje em dia.

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

  • Em uma das reuniões do grupo de National Language reencontrei Hiroaki Fujita, o colega japonês com quem trabalhei no Projeto 3.7 da IBM, em Chicago, em 1968 e 1969.
  • Dentre os módulos que minha empresa traduziu para a IBM, destacaram-se o Db2 Query Management Facility (QMF), o Cross System Product (CSP) e o OfficeVision/VM.

4 comentários:

  1. Excelente essa sua crônica não apenas por mostrar o empenho da IBM na universalização do uso dos seus produtos pioneiros na informática como sua participação brilhante e constante nessa área. Parabéns em dobro!

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  2. De minha prima Thais:
    Como sempre, muito interessante e desvenda o longo percurso até a chegada da assombrosa IA atual, com suas possibilidades benéficas e ameaças graves a diversos ofícios.

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  3. Hoje, tais programas são fundamentais até mesmo para quem viaja e não conhece a língua. Tirar uma foto de uma placa e saber o que ela diz, mesmo que de forma precária, nossa! Chego a pensar que não precisamos de uma única língua (esperanto), mas de um bom tradutor. 🤭

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  4. Obrigado aos caros leitores pelos comentários sempre bem-vindos.

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