terça-feira, 29 de maio de 2018

Cinquentenários


1968 foi um ano marcante na História recente, no mundo todo. Os jornais e a televisão nos fazem lembrar dos importantes acontecimentos políticos e sociais daquele ano: no Brasil, destaque para o Ato Institucional Número 5, que endureceu a ditadura militar; na Europa, o movimento estudantil em Paris que resultou em conflitos sérios e, em Praga, a tentativa frustrada de mudança de regime de governo; nos Estados Unidos, o assassinato de Martim Luther King e de Robert Kennedy e a eleição de Nixon para a presidência.
Em 2018, portanto, esses vários eventos, cujo noticiário acompanhei intensamente, completam seus cinquentenários.

Particularmente, 1968 foi, para mim e minha família, o ano do início de nossa maior aventura, cuja história conto em meu livro “O Projeto 3.7 e Nós”. Na apresentação deste, escrevi:

“Eu tinha trinta e cinco anos, já era casado e tinha três filhos. Morávamos em São Paulo e eu trabalhava na IBM. A expectativa de nossa família era que eu fizesse carreira na Empresa, permanecendo em São Paulo, embora houvesse a possibilidade de mudança temporária para outro estado ou, menos provável, para o exterior. Contudo, naquele ano (1968), fui designado para um projeto internacional da Empresa em Chicago, Illinois, Estados Unidos. Ao nos mudarmos para lá, iniciou-se uma temporada muito especial em nossa vida, de cerca de um ano e meio naquele país, a qual viria a influenciar profundamente o destino de nossa família. Tornou-se nosso ponto de inflexão na vida, nosso “turning point”. Ela foi a razão fundamental de termos tomado, mais tarde, caminhos diferentes.
As lembranças que tenho de nossa aventura em Chicago, das experiências em terra estranha de um casal jovem com três filhos pequenos, vêm em forma de causos encadeados, abrangendo meu trabalho com colegas das mais variadas nacionalidades e, principalmente, a vida de minha família e o convívio com os amigos que fizemos lá.”

Penso muito nesse “turning point”, nas consequências dessa temporada nos Estados Unidos para a vida de minha família.
Em primeiro lugar, já na volta ao Brasil, tivemos a mudança para o Rio de Janeiro em 1970 – um impacto nas grandes famílias (a minha e a da Leilah). As perguntas mais frequentes que os parentes e amigos nos faziam eram: “Quanto tempo vocês vão ficar lá?”; ou, mostrando uma preocupação maior: “Vocês vão voltar para São Paulo?”. Para os paulistanos em geral, o Rio era uma cidade ótima para visitar, mas, para morar, São Paulo era muito melhor.
Outra consequência importante foi a orientação do desenvolvimento da família para a globalização, mantida por minhas atividades na IBM, pelo trabalho da Leilah em Informática e pelo estudo dos filhos na Escola Americana, que os tornou bilíngues e os fez colegas de estrangeiros dos mais diversos países. O que não impediu que todos eles se tornassem bastante cariocas, com sotaque ou não.
Leilah e eu éramos um casal ainda jovem, adaptamo-nos ao Rio e aproveitamos bastante o que a vida na cidade nos oferecia. Quando chegou, para cada um dos filhos, a etapa do curso superior, dois fizeram o curso universitário no Brasil e dois nos Estados Unidos e um destes não voltou. Logo após se formar em Engenharia, ele conseguiu trabalho lá e mais tarde se casou com uma colega de turma. O casal e os dois filhos americanos vêm ao Brasil com frequência, mas estão firmemente radicados na Califórnia. Leilah e eu, até quando pudemos (hoje, a idade e problemas de saúde tornam a viagem muito difícil), os visitávamos com frequência. O que fazemos, agora, é aproveitar bem os ótimos recursos de comunicação disponíveis para estarmos em estreito contacto com eles, e acompanhamos o desenvolvimento dos meninos.
Os outros três filhos moram no Rio; o terceiro e esposa nos brindaram com o neto carioca, grande amigo nosso. Temos com eles uma convivência muito boa, a ponto de seus amigos se tornarem, também, amigos da Leilah e do Washington.

Voltando ao “O Projeto 3.7 e Nós”, comecei a contar a história assim:

“Chicago, muito prazer!
O desembarque no aeroporto O’Hara foi algo incomum, para dizer pouco; foi quase dramático. Um casal com três filhos e umas oito malas grandes chegando à hora de almoço, após uma viagem São Paulo – Rio – Nova York (onde entramos no País e mudamos de aeronave) e, finalmente, Chicago. Era maio de 1968, os aviões eram Boeing 707, os mais modernos de então. Leilah, minha esposa, e eu estávamos na casa dos trinta anos e os filhos tinham: Luiz, sete anos; Cássio, cinco; e Francisco, dois e meio.
Como procedimento normal, o casal deveria ter feito uma visita preliminar a Chicago, a “look and see trip”, para planejar a mudança; entretanto, como minha incorporação ao projeto se tornara urgente, não houve tempo para essa visita. Assim, nossa chegada de mudança com três filhos pequenos, sem ter conhecimento prévio da cidade, foi bem complicada.
A orientação que recebi para irmos do aeroporto ao hotel era usar um ônibus especial que transportava passageiros para os principais hotéis, entre os quais aquele que havia sido reservado para nós. A solução nos pareceu boa, pois nossa família iria precisar de, pelo menos, dois taxis, teríamos de viajar separados e a despesa seria muito maior.
Achamos o ônibus que nos levaria ao Hotel Sheraton da Michigan Avenue, em Chicago; a bagagem foi carregada, acomodamo-nos e , sem grande demora, iniciamos a viagem ao centro da cidade onde, por cerca de dois anos, eu iria trabalhar. Tivemos então um primeiro contato com a Roosevelt Expressway, seu tráfego impressionante, até que, ao nos aproximarmos do centro da cidade, vislumbramos o perfil marcante de seus grandes edifícios e, a seguir, suas ruas e avenidas que depois se tornaram tão familiares para nós. Chegamos ao hotel, situado no trecho da avenida conhecido hoje como a Golden Mile, que concentra estabelecimentos comerciais de alto nível, restaurantes e hotéis, e se beneficia da proximidade do lago Michigan e do rio Chicago, com suas pontes vistosas.
No desembarque do ônibus, recebi uma bronca do motorista por causa da quantidade de malas: “You should have taken a cab!”. Não foi uma observação muito delicada, mas não tinha de lhe dar explicações; apenas, dei-lhe a gorjeta convencional”

Chegamos a Chicago no dia 29 de maio de 1968, uma quarta feira. É o cinquentenário deste início de aventura que estou comemorando hoje.

Washington Luiz Bastos Conceição