quarta-feira, 22 de maio de 2024

Do Cartão Perfurado à Inteligência Artificial

Um assunto quase obrigatório em qualquer conversa séria é, nestes dias, a IA (inteligência artificial) ou AI (Artificial Intelligence).

Confesso minha ignorância quanto ao que é considerado um produto de IA ou é mais uma dessas extraordinárias aplicações a que venho sendo apresentado quase diariamente. Volta e meia, uma surpresa.

Leilah, minha esposa, e eu tínhamos, havia vários anos, um aparelho de televisão de boa marca, de bom tamanho, de imagem HD (alta definição) que nos satisfazia. Éramos (e continuamos sendo) espectadores de cinema, na happy hour, e de futebol (eu) e de tênis (ambos).

Há uns seis meses surgiu uma oportunidade de uma compra com pontos gerados por cartão de crédito e fomos aconselhados a comprar um aparelho de televisão para substituir o antigo. Orientado por nossa filha e nosso genro, fizemos a aquisição, sabendo apenas que era uma “televisão esperta”. Nossos conselheiros vieram instalá-la e fizemos as conexões que já tínhamos com a outra. Constatamos que o tamanho da tela era o mesmo e a imagem era melhor, mas não conhecíamos todos seus  recursos.

Lampeiros, passamos a usar os aplicativos de cinema, os canais de TV e a conexão com o Ipad da Leilah.

Depois de algum tempo, resolvi testar o Alexa (da Amazon), um dos  aplicativos oferecidos pelo aparelho. Fiz alguns comandos e, sabendo da conexão com nossa rede interna (wifi), eu quis verificar se poderia ler e-books na televisão. Falei bem alto: “Alexa, abra o Kindle”. “Ela” obedeceu e imediatamente passou a ler o e-book que eu estava lendo no tablet, exatamente no ponto que eu tinha interrompido. Fiz depois vários testes com outros livros, e “ela” leu livros em Inglês e Espanhol. Vi, nesta aplicação, claramente, um software de IA.


Lido, há muito tempo, com os computadores; no trabalho, fui analista de sistemas, vendedor, participante em projetos internacionais e consultor; e, na aposentadoria, sou apenas usuário. Pude, então, observar a constante evolução do software. Por exemplo, do Word, processador de textos que uso há décadas. Hoje, ao escrever, podendo escolher tamanho de página, tipo de letra (fonte), cor, formato de parágrafo, construir índice etc., posso também comandar a edição (correção do texto, não só ortográfica como gramatical), a tradução do texto para vários idiomas (tradução básica, mas ajuda) e mais, o que passei a usar recentemente, posso ditar para o computador e posso pedir ao Word para ler meu texto. Vejo muita inteligência nesse software.

Fico admirado, também, com minha proeza de publicar livros, impressos e e-books, editando-os. Eu, um nonagenário que nunca se envolveu com artes gráficas, consigo produzir arquivos de texto, devidamente formatados e, até, capas de livros, atendendo as exigências das gráficas. Na minha preparação do material, uso, além do Word, o Powerpoint (software de apresentações com recursos gráficos), o Paint.net (editor de imagem) e o ILovePdf (conversor de arquivos). No processo de publicação, as gráficas oferecem a visão prévia (eletrônica) do livro, texto (miolo) e capa. Vejo, também, muita inteligência nesse software todo.

Quanto aos aplicativos, disponíveis nos computadores e, especialmente, nos telefones celulares, aparelhos multifuncionais que tornaram obsoletos vários outros que nos acompanharam até pouco tempo atrás, a inteligência do software é extraordinária.


A IA, um avanço tecnológico que aparenta estar saindo do controle humano é, ao mesmo tempo, admirado e muito temido pela possibilidade que oferece de todo tipo de ação criminosa. Para mim, é um avanço extraordinário das tecnologias de informação e das comunicações, acelerado principalmente pelo processamento eletrônico de imagens, de movimentos, de reconhecimento de voz e da disponibilidade de uma base de dados praticamente infinita.

O pouco que estou sabendo do assunto é da leitura do livro “Inteligência Artificial para leigos” (“Artificial Intelligence for dummies”) que está servindo para que minha ignorância não seja total.

Por enquanto, vejo semelhanças ao que chamamos hoje de Tecnologia da Informação, que já foi chamada Informática e, antes, Processamento de Dados. Elementos chave da IA, como a base de dados (e sua análise), os algoritmos e o hardware especializado são, basicamente, aqueles da Informática que evoluíram vertiginosamente em abrangência e capacidade.


Rememoro, agora, a evolução da Informática, que acompanhei de perto.

Minha iniciação em sistemas de processamento de dados, aconteceu na IBM, em 1959. Fui admitido pela empresa quando ela contratou profissionais com formação em cursos universitários de base matemática, necessários para a comercialização no Brasil dos novos equipamentos de processamento de dados, denominados, então,  computadores eletrônicos e, na mídia em geral, “cérebros eletrônicos”.

A IBM já era fornecedora no Brasil, havia mais de 40 anos, de equipamento eletromecânico para o processamento de dados de grandes empresas e organizações governamentais, o que envolvia grande quantidade de informação e requeria resultados rápidos. Os dados para o processamento eram enviados pelos vários departamentos para a “Seção Mecanizada” em documentos escritos manualmente ou datilografados. À vista desses documentos, esses dados eram registrados em cartões de cartolina especial mediante perfurações, por operadoras (eram mulheres na maior parte dos casos) de máquinas com teclado semelhante ao de máquinas de escrever. A seguir, eram levados por outros operadores a cada uma das máquinas do conjunto (que não eram interligadas), para serem processados. O processamento consistia na preparação necessária dos dados (organização, cálculos, intercalação com cartões de cadastros) e, finalmente, na obtenção dos documentos e relatórios impressos. Portanto, a passagem dos dados de uma  máquina para outra era humana, por transporte dos cartões. Os cálculos e decisões lógicas necessárias eram realizadas pelas máquinas, seguindo comandos especificados em seus painéis de controle, devidamente preparados por operadores seniores. Eram aplicações, portanto, da inteligência humana, tanto na construção do hardware como nos comandos dos painéis.


Com a evolução da tecnologia, as máquinas eletromecânicas isoladas foram substituídas por máquinas eletrônicas interligadas por cabos. Basicamente, a unidade central de processamento e as unidades de entrada e saída de dados (leitora e perfuradora de cartões, unidades de fitas e discos magnéticos, e impressoras). Inicialmente, os computadores utilizavam válvulas, a seguir circuitos impressos e, depois, “chips” (pastilhas de silício com microcircuito integrado). Quando a IBM lançou o seu sistema IBM/360, em 1964, os chips tinham o tamanho da unha de um polegar de adulto; hoje, aperfeiçoados, os chips são diminutos e têm capacidade muito maior.

Quanto à entrada de dados, os cartões perfurados continuaram em uso por muito tempo, até serem totalmente substituídos por digitação em terminais das redes de computadores. Os dados de arquivos passaram a ser registrados em rolos de fitas magnéticas e discos magnéticos, principalmente. As impressoras, ligadas ao computador, foram dispensadas de tabulações e aperfeiçoadas, com novos dispositivos, na velocidade de impressão e na extensão de uso de letras minúsculas e caracteres especiais.

Os comandos de painéis foram substituídos por instruções de programas com uma vantagem imensa de recursos de operações matemáticas e lógicas. Os programas, inicialmente em “linguagem de máquina”, passaram a ser feitos em linguagens simbólicas, possibilitando maior produtividade e qualidade dos programas e a execução de aplicações sofisticadas.

Concomitantemente, o desenvolvimento das comunicações permitiu o teleprocessamento, ou seja, o processamento à distância mediante terminais; inicialmente, unidades com teclado e um visor, sem processamento próprio, depois substituídos por microcomputadores. O teleprocessamento das empresas era interno, mas se estendia a diferentes locais por linhas telefônicas. Finalmente, com a criação da Internet, o teleprocessamento se estendeu a toda a população do globo terrestre.


Ao longo dessa evolução, pode-se observar claramente a transferência de ações e decisões humanas para as máquinas, com ganhos extraordinários em precisão e rapidez. Entretanto, permanece a necessidade de fornecer informações aos computadores, seja de forma manual ou por aparelhos; os programas, aplicativos e algoritmos  precisam ser preparados; a base de dados tem de ser construída e atualizada, os equipamentos de computação e de comunicações precisam ser aperfeiçoados e mantidos, de forma que os resultados do processamento devam servir aos objetivos. Vejo muita dependência, ainda, da inteligência humana, no software e no hardware.

Está havendo um esforço para a construção de uma rede eletrônica de neurônios que tenha a mesma capacidade do cérebro humano. Já está se falando em AAI (“Autonomous Artificial Intelligence”).

Contudo, entendendo que, por mais que se consiga avançar na IA, sempre será uma criação do “homo sapiens”, repito o que declarei numa reunião de amigos: “Se a inteligência é artificial, é resultado do trabalho do artífice.”

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

  • O criador do cartão IBM foi Hermann Hollerith, um empresário norte-americano nascido em 1860. Seu sobrenome foi utilizado em São Paulo, por muitos anos, como denominação do cheque de pagamento ao pessoal em empresas e outras organizações.
  • O livro “Inteligência Artificial Para Leigos” é de autoria de John Paul Mueller e Luca Massaron. Alta Books. Edição do Kindle.
  • Quando o livro entra em detalhes, como na técnica de construção de algoritmos, usando novo jargão e novos tipos de diagramas (sou do tempo dos fluxogramas e diagramas de blocos), passo a outro capítulo.

 

6 comentários:

  1. Da prima Thais:
    Sua nova crônica é muito interessante e didática, Washington, pois desvenda a timeline envolvida até o desenvolvimento da IA. Como você frisa no final, a IA, por mais fantástica que pareça, continua requerendo a participação humana.

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  2. Do primo Luiz Cezar:
    Salve Washington!
    Não achei longo, mas se fosse para assim considerá-lo, para mim o texto foi generoso o quanto necessário e também o suficiente para dar ao tema a clareza e objetividade que o tornaram acessível ao leigo, como eu sou. Muito bem coordenado o andamento da sua exposição, que, com habilidade, discorre de modo descomplicado sobre a impressionante evolução tecnológica da área, que vem acontecendo nas últimas décadas.
    Apesar da sua cautela e modéstia, primo, bem sabemos que você é um experiente técnico no ramo, a que dedicou seu tempo e talento durante a vida profissional, com pleno e reconhecido êxito.
    E dá para perceber que já anda namorando a tal da IA, que nos põe tanto encantamento e, em contrapartida, razoável apreensão.
    Será que se trata daquele tipo de menina travessa, insubordinada e incontrolável que vai nos trazer complicações sérias?í
    Mas, seguindo seu raciocínio, é de se perguntar: Afinal, quem faz a programação? Quem faz os algoritmos? Ela será capaz de fazer suas traquinagens por iniciativa própria? Até mesmo voltar-se contra os pais?
    Vamos ter que pagar para ver.
    Grande abraço, primo - a você e Leilah.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Da amiga Maria Lúcia:
    Gostei muito da crônica, me fez lembrar as noites que passei na PUC, colocando caixas de fichas perfuradas para rodar os programas, mais interessante ainda quando trocavam apenas 1 cartão e dava tudo certo. Saía o relatório do jeito que esperavam. Era um milagre.

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  5. De meu filho Cássio:
    Boa crônica; fácil de ler. Concordo com a sua conclusão. O perigo da AI não está no risco da “máquina” tomar vida, mas sim na inevitabilidade da tecnologia ser aproveitada por agentes do mal. Exemplo disso são os “deep fakes” que circulam na media social.
    Mas certamente os benefícios à produtividade serão enormes.

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  6. “Se a inteligência é artificial, é resultado do trabalho do artífice.”

    Adorei o artigo de opinião caro Washington, perceber a História para lidar com o presente e nos prepararmos (um pouco) para o futuro.

    Ricardo Salada Caldeira

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