terça-feira, 23 de setembro de 2025

D. Izaura e sua gente – O vestibular dos rapazes

Cara leitora ou prezado leitor:

Esta é a décima crônica da série “D. Izaura e sua gente”. Prossigo com as histórias.


Na crônica de introdução da série escrevi:

“Conheci meu amigo Sérgio Bastos quando, aos quinze anos, em São Paulo, passei do Ginásio Estadual do Ipiranga para o Colégio Estadual Presidente Roosevelt para fazer o curso colegial científico, que me prepararia para a universidade.

As aulas do colégio eram no período da manhã. Na época de provas, nós estudávamos, à tarde, na casa dele, que ficava a dez minutos, a pé, do Colégio. Minha casa ficava em um bairro afastado, distante do colégio uma hora, viajando de bonde. Naqueles dias, eu almoçava na casa dele, onde moravam várias pessoas da família: seus avós maternos, seus pais, tios e um primo.”

Em crônicas anteriores , contei assim como aconteceu formarmos a dupla, que mantivemos até concluirmos o curso de Engenharia:

“Desde o primeiro ano do colégio, o desafio dos estudos e dos trabalhos, principalmente de Matemática mas também de outras matérias, fazia com que vários colegas buscassem estudar em duplas. Acabei formando dupla com o Sérgio.

No primeiro ano do curso, chamado “Científico”, foram formadas no colégio quatro classes (A, B, C e D), separando os alunos por ordem alfabética do primeiro nome. O “W”, inicial de meu primeiro nome, me levou à classe D. O mesmo aconteceu com aquele que seria meu colega por 8 anos, porque sua inicial era “S”. O Sérgio Bastos, vindo de outro ginásio estadual, se tornou meu parceiro de estudo; os dois colegas mais chegados a ele, no Ginásio, também passaram para o Roosevelt, mas suas iniciais eram, respectivamente, “E”, de Edison e “M”, de Milton. Se um deles se chamasse Renato, por exemplo, nossa parceria, provavelmente, não teria  acontecido.

Ele era muito estudioso, muito bem-preparado na Escola Caetano de Campos, já estudava Inglês e Francês em escolas especializadas; eu era bom aluno em todas as matérias, embora com menos preparo do que ele nesses idiomas. Em Português, nosso conhecimento era equivalente e eu conhecia mais o Espanhol. Nossa dupla iria durar os três anos de colégio, um ano de cursinho pré-vestibular (concomitante com o terceiro), mais os cinco anos do curso de Engenharia. Embora, na profissão, tenhamos seguido caminhos diferentes, mantivemos a amizade, por várias razões; entre outras, porque me casei com a prima dele.”

Enfrentamos muito bem as dificuldades do curso no colégio Roosevelt, famoso por exigir muito do aluno. Em especial, o professor Cruz, de Matemática, era temido por seu método de ensino, que requeria dedicação extrema dos estudantes para evitar a reprovação. Nosso relacionamento com ele foi melhorando à medida que avançávamos no curso com bom desempenho e ele nos conhecia melhor. Terminamos com muito boas notas e o temor inicial se transformou em um relacionamento amigável, com muito respeito.

Desde o início do Científico, fortemente envolvidos com Matemática, Física e Química, Sérgio e eu estávamos inclinados a fazer Engenharia, como, aliás, a maioria da turma. Porém, no segundo semestre do segundo ano, ao planejarmos fazer o curso de preparação para o vestibular – o Cursinho – o Sérgio, discutindo o assunto com a família, chegou a considerar fazer Medicina, pois havia a perspectiva do apoio do tio doutor para seguir a nobre profissão e, na matéria Ciências Naturais, também tínhamos muito boa preparação. Porém, ao passarmos para o terceiro ano do colégio, Sérgio decidiu seguir mesmo Engenharia. Ambos, então, fizemos o Cursinho do Colégio Anglo-Latino, muito conceituado, concomitantemente com o terceiro ano do científico, com o objetivo específico de enfrentarmos o vestibular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a Poli.

Corria o ano de 1950, certamente um dos anos mais ocupados de nossa vida de estudantes. Em resumo, tínhamos muito pouco tempo para lazer – um mínimo de cinema, futebol, festas. Por exemplo, da copa do mundo de futebol realizada no Brasil, a primeira após a segunda guerra mundial, apenas  acompanhamos os resultados dos jogos.

O edifício do Anglo-Latino era também bem próximo do sobrado, na mesma rus do Colégio, e o horário, se bem me lembro, era das 18 às 21 horas. Tínhamos, portanto, aula pela manhã no Colégio, estudávamos à tarde  e íamos ao Cursinho à noite. Normalmente, eu ia para casa na hora do almoço e voltava à noite, mas em época de provas me mudava, praticamente, para o sobrado. Cheguei a propor pagar pela hospedagem, mas minha proposta não foi levada em consideração. Aliás, essa acolhida na ocasião das provas iria se estender aos anos do curso na Poli.

O sobrado, à tarde, era muito sossegado. Permaneciam em casa, habitualmente, D. Izaura, Seu Juca e D. Glória, mais as empregadas. Sérgio e eu estudávamos no escritório do Doutor, que trabalhava em seu consultório, no centro da cidade. Fazíamos um intervalo lá pelas cinco da tarde, quando costumávamos tomar um chá com D. Izaura e conversar um pouco com ela que, depois, escutava sua novela no rádio. Seu Juca acompanhava, de vez em quando, nossa leitura de pontos de Ciências Naturais – e comentava.

Em ocasiões de muita carga de estudos, o que aconteceu com frequência no terceiro ano, ainda estendíamos os trabalhos para depois do jantar.


Concluído o curso colegial com ótimo desempenho (modéstia à parte), partimos para a reta final da preparação para o vestibular, no cursinho e em casa, mais o trabalho de inscrição no exame da Politécnica. Não me recordo de cerimônia de formatura, além das despedidas no Colégio, com sessões de fotos da turma com os professores.

A turma do terceiro ano do Colégio – Assinalados: Washington e Sérgio

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

D. Izaura e sua gente – Festinhas no sobrado

Cara leitora ou prezado leitor:

Esta é a nona crônica da série “D. Izaura e sua gente”. Prossigo com as histórias.


A família fazia reuniões e festas animadas no sobrado de D. Izaura.

As reuniões eram almoços e jantares da família – filhos e cônjuges de D. Izaura mais alguns convidados – em comemorações de aniversários e de datas como o Natal, por exemplo. Eu era convidado.

Não me lembro como começou, mas eu era estimulado a fazer algum discurso ou saudação, e era aplaudido. Em um dos almoços, fiz um discurso destacando a convivência e a reunião da família naquela data. Fui aplaudido, mas um deles me chamou de lado e disse: “Washington, gostamos muito de seu discurso, mas a data que estamos comemorando é o Natal e não o Carnaval” – eu tinha trocado as palavras! De qualquer forma, é desse tempo que criei o hábito de discursar nas reuniões de família, o que faço até depois de velho.

De vez em quando, no sobrado, faziam uma festa dançante. O motivo devia ser uma comemoração maior de algum aniversário. Eram festas realizadas no fim de semana, no final da tarde, tipo coquetel (naquele tempo era “cocktail”). Caprichadas, com bebidas, salgadinhos e dança. Abria-se o salão, devidamente preparado e engalanado. A música era proporcionada por uma vitrola (toca-discos) com músicas selecionadas.

Participavam todos da família que estivessem em São Paulo, mais outros parentes e amigos. Por exemplo, primos do lado de D. Izaura, algum dos irmãos de Narciso (marido de D. Helena) e de Seu Chico (marido de D. Cida), amigos do pessoal da casa; além de mim, lembro-me de uma festa em que convidaram meus pais.

Os comes e bebes eram generosos, com bebidas finas (destilados, vinhos e cerveja). Lembro-me que, já em meus 18 anos, lá me foi apresentado o whisky escocês (“Cavalo Branco” era o mais famoso), tomado com guaraná; não gostei muito da mistura, preferi continuar com vermute, um bom vinho espanhol ou mesmo com cerveja (de preferência a Munchen Extra, da Antártica).

No baile, as músicas eram variadas: tocavam boleros, “foxes”, sambas, marchinhas, até valsas. Destacavam-se alguns pares, que dançavam bem; em particular, o Gentil e a Fernanda com seu show  de tango. Estes eram muito aplaudidos. A festa era animada com algumas sessões em que eram formados pares com o que chamavam “cotillon”. Essa formação era feita mediante combinação por sorteio de nomes de amantes famosos da história e da ficção. Preparavam papeizinhos dobrados com nomes de homens como Romeu, Sansão, Adão, Hamlet, Tristão etc. e colocavam em um chapéu; em outro, papéis com as amadas correspondentes: Julieta, Dalila, Eva, Ofélia, Isolda etc. Os convidados e convidadas pegavam os papéis nos chapéus correspondentes e depois procuravam os respectivos pares para  a sessão especial de dança. Era divertido, porque os pares eram os mais variados. Os garotões, Sérgio e eu, participávamos. Comigo, houve uma coincidência curiosa: aconteceu, pelo menos duas vezes, ser sorteada como meu par a Antonieta, irmã mais nova do Seu Chico, moça bonita e simpática nos seus vinte e poucos anos, que comparecia às festas com o noivo, o Geraldo Hering, também jovem e bonitão. Eu ficava um pouco constrangido porque achava que ele podia não gostar de ver a noiva dançando com um garoto, mas eu não tinha jeito de mudar a regra do jogo.

As festas eram animadas e, pelo que me lembro, os participantes eram bem-comportados. Tenho na lembrança, apenas, um incidente curioso: a uma das festas compareceu um casal amigo – ele era brasileiro e ela, estrangeira (russa, segundo falaram). Esta, na animação da festa, se encantou com o Seu Chico – um dos mais sérios e tranquilos da turma – que ficou muito admirado. D. Cida tomou suas providências e não houve consequência.

Lúcio, marido de D. Glória, como bom descendente de italianos do sul, animava algumas das reuniões da família cantando músicas napolitanas. Conhecia bem as letras; não era um Pavarotti, mas era afinado; e fazia sucesso com “Torna a Surriento”, “O Sole Mio”, e outras canções.

As reuniões e festas do sobrado me proporcionaram a oportunidade de conhecer mais  pessoas da família de D. Izaura e da família do Narciso, os Braz.

Quanto à Antonieta e ao Hering, casaram-se em 1950, com festa na casa de Seu Chico e D. Cida, no bairro do Pacaembu.

Antonieta e Hering,  tempos depois, livres do "cotillon"

Anos depois, Leilah e eu, já casados, mantivemos longa amizade com o casal e seus filhos.

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

A. A foto de Antonieta e Hering foi cedida pela prima Cristina, filha do casal.

B. Cara leitora ou prezado leitor: para ler quaisquer das oito primeiras crônicas da série, clique nos respectivos links abaixo:

1) D. Izaura e sua gente – Introdução

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/02/d-izaura-e-sua-gente-introducao.html

2) D. Izaura e sua gente – A casa e os moradores

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/03/d-izaura-e-sua-gente-casa-e-os-moradores.html

3) D. Izaura e sua gente – Leilah na Galvão Bueno

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/04/d-izaura-e-sua-gente-leilah-na-galvao.html  

4) D. Izaura e sua gente – Vovô Juca

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/05/d-izaura-e-sua-gente-vovo-juca.html

5) D. Izaura e sua gente – Apresentando as pessoas – 1

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/06/d-izaura-e-sua-gente-as-pessoas-1.html

6) D. Izaura e sua gente – Apresentando as pessoas – 2

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/07/d-izaura-e-sua-gente-apresentando-as.html

7) D. Izaura e sua gente – O baile do Odeon

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/07/d-izaura-e-sua-gente-o-baile-do-odeon.html

8) D. Izaura e sua gente – Lembranças do Gentil

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/08/d-izaura-e-sua-gente-lembrancas-do.html

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