Cara leitora ou prezado leitor:
Esta é a quinta crônica da série “D. Izaura e sua
gente”, na qual começo a contar como conheci e me relacionei com as pessoas da família
dela. Como nas outras crônicas, escrevo com base nas lembranças que tenho
delas, com o melhor esforço de memória e recorrendo aos meus caros
colaboradores.
Lembrando: corria o ano de 1948.
Não posso me lembrar, claro, de como fui
apresentado a cada um dos membros da família, mas certamente eu os conheci
primeiro na hora do almoço, nas tardes em que ia estudar com o Sérgio na casa
deles. D. Izaura, Seu Corrêa (o vô Juca), D. Yolanda, mãe do Sérgio, D. Glória
e o Doutor foram, certamente, as primeiras pessoas. Outros, que tinham
expediente a partir do meio-dia, almoçavam mais cedo, como D. Olga, por
exemplo, conheci quando passei a ficar até mais tarde e, na época de provas,
até dormia lá.
Como lembrete, insiro abaixo o quadro dos filhos e
cônjuges de D. Izaura e o Vô Juca.
O Doutor e Nazaré
O Doutor Zeca vinha de seu trabalho da manhã na diretoria do Hospital da Cruz Vermelha, para almoçar e fazer uma injeção em sua mãe; entendi que era diária, mas nunca perguntei qual o tratamento, apenas fiquei sabendo, mais tarde, que ela tinha extraído um dos rins. Filho mais velho de D. Izaura, estava em forma aos 46 anos. De altura média, talvez um metro e setenta, pele e cabelos claros, era discreto, bem-humorado e respeitado pelos irmãos e cunhados. Quando ele se despedia depois do almoço, costumava dizer: “Vocês já ganharam a vida, mas eu tenho, ainda, de trabalhar”.
O doutor, no descanso do fim de semana
Ainda solteiro, morava no sobrado, dividindo um quarto bem espaçoso com o irmão Gentil. Tinha certas regalias: seu escritório, onde o Sérgio e eu estudávamos, era amplo e mobiliado com uma grande escrivaninha, estantes com seus livros, poltronas e um sofá. Na geladeira, de uso comunitário, que eu conheci apenas ao buscar água, o Sérgio me explicou que a garrafa de leite tipo A (o especial daquele tempo) era “o leite do Doutor”. No fim do dia, guardava o automóvel no corredor externo da casa.
Era noivo da Nazaré (nestes dias, fiquei sabendo que seu nome de solteira era Purcina Nazareth Ferreira Alves), com quem viria a se casar no ano seguinte (1949). Ela era uma moça educada, professora aposentada, de família de fazendeiros de Itapira, cidade do interior do estado de São Paulo, próxima à capital, Era mais moça que o Doutor. Elegante, cerca de 1,60 de altura (mais salto alto), de pele clara e cabelos escuros; moderadamente expansiva, formava um par simpático com o “José Maurício”, como costumava chamar o Doutor. Eu a conheci nas visitas e festinhas da família que faziam no sobrado; ao dançar o casal fazia um belo par.
Quando se casaram, moraram algum tempo no sobrado,
enquanto estava sendo finalizada a construção de sua casa na Rua Bento de
Andrade, próxima ao Parque Ibirapuera. Ocuparam o grande quarto da frente. O
quarto do Gentil passou a ser a antiga sala extra de refeições e o Sérgio foi
fazer companhia ao tio, descendo do pequeno quarto que tinha em cima (este
passou a ser usado por mim, quando precisava dormir lá).
Nazaré era nova personagem na casa de Izaura e foi tudo bem.
D. Yolanda, mãe do Sérgio, era professora, dava aulas no Grupo Escolar Campos Salles, cujo prédio ficava no mesmo terreno do prédio do Colégio Presidente Roosevelt, onde Sérgio e eu estudávamos, à rua Conde de São Joaquim. O Grupo, na frente do terreno e o Colégio, nos fundos. Tenho lembrança de tê-la encontrado a primeira vez na entrada do Grupo Escolar. Atenciosa, simpática, tinha pele, olhos e cabelos claros, cerca de 1,60 de altura, nem gorda nem magra. Chegando aos 40 anos, era a mais velha das irmãs.
Aparentemente, como trabalhava fora, suas tarefas
domésticas se limitavam aos seus aposentos. Uma tarde por semana frequentava
uma roda de pif-paf, carteado muito popular naquele tempo, na casa de uma
amiga. Alguns sábados, como a amizade se estendia aos casais, acompanhava o
marido à roda que incluía os homens.
Foi uma das pessoas mais “cucas frescas” que
conheci na vida. Seu relacionamento com seu marido, era normal, ambos dedicados
ao filho único. Certamente orientou o menino durante seu curso primário,
cabendo ao pai o apoio aos estudos mais avançados do rapaz.
Dr. Lauro Bastos, marido de D. Yolanda e pai do Sérgio, não era parente de meu pai; sua família era do interior de São Paulo e minha avó paterna, Balbina Bastos Conceição, era de Paranaguá, no Paraná. Dr. Lauro era alto, cerca de 1,75m, forte, pele clara, cabelo grisalho, liso; jeito expansivo, mostrava forte personalidade. Gentil e amistoso, sempre me tratou muito bem. Depois da algum tempo, percebendo que Sérgio e eu evoluímos de colegas para uma grande amizade, parece-me que viu em mim um irmão postiço do filho que ele adorava. Advogado, usava um Português perfeito, tinha um vocabulário rico, que incluía palavras “difíceis” que eu desconhecia (lembro-me de “prolegômenos” por exemplo). Transmitiu esse refinamento ao Sérgio. Diferente dos brasileiros de sua geração, cujo conhecimento de língua estrangeira era o Francês, conhecia Inglês. Lembro de que, observando uma conversa que eu estava tendo com o Armando (seu cunhado), comentou com o Sérgio: “He speakes well!”.
O
casamento de Yolanda e Lauro
Um dia, depois de meses de minha entrada na casa, vi na parede do quarto do Dr. Lauro um quadro de fotografias de sua formatura – era igual àquele que meu pai tinha em casa. Lá estavam as fotos de Lauro Bastos e Osmar Bastos Conceição. Eles foram colegas de turma na Faculdade de Direito! Comentei com meu pai, que me disse que, sendo uma turma grande, eles se conheciam só de vista; ambos mais velhos que os colegas em geral, casados, pais de família, já trabalhavam – meu pai no IAPI e Dr. Lauro no Banco do Brasil. Não tinham tempo de socializar com os colegas.
Ao longo de minha convivência com a família, guardo do Dr. Lauro a lembrança de sua extraordinária generosidade no trato com as pessoas em geral.
Washington Luiz Bastos Conceição
Notas:
A. Naquele tempo, o Hospital da Cruz Vermelha era pediátrico, tendo sido fundado em 1917.
B. O primo Antônio Augusto, Tonico naqueles anos, fez um comentário: "Apenas quero acrescentar que meu padrinho Lauro era dono de grande e valiosa biblioteca que ocupava as paredes do quarto da frente no andar térreo. Como sempre gostei de ler, ele me recomendava as obras que seriam de maior utilidade em minha formação."
C. IAPI era o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
D. Cara leitora ou prezado leitor:
Para ler as quatro primeiras crônicas da série,
clique nos links abaixo:
1) D. Izaura e sua gente – Introdução
https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/02/d-izaura-e-sua-gente-introducao.html
2) D. Izaura e sua gente – A casa e os moradores
https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/03/d-izaura-e-sua-gente-casa-e-os-moradores.html
3) D. Izaura e sua gente – Leilah na Galvão Bueno
https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/04/d-izaura-e-sua-gente-leilah-na-galvao.html
4) D. Izaura e sua gente – Vovò Juca
https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/05/d-izaura-e-sua-gente-vovo-juca.html
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Isso é que é memória!!!
ResponderExcluirDa prima Thaís: Como sempre, uma leitura muito agradável. Parabéns, primo, e boa semana.
ResponderExcluirConcordo—muito agradável e interessante também. Os detalhes, as frases lembradas, dão vida a cada um dos personagens. Muito legal.
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