quinta-feira, 4 de setembro de 2025

D. Izaura e sua gente – Festinhas no sobrado

Cara leitora ou prezado leitor:

Esta é a nona crônica da série “D. Izaura e sua gente”. Prossigo com as histórias.


A família fazia reuniões e festas animadas no sobrado de D. Izaura.

As reuniões eram almoços e jantares da família – filhos e cônjuges de D. Izaura mais alguns convidados – em comemorações de aniversários e de datas como o Natal, por exemplo. Eu era convidado.

Não me lembro como começou, mas eu era estimulado a fazer algum discurso ou saudação, e era aplaudido. Em um dos almoços, fiz um discurso destacando a convivência e a reunião da família naquela data. Fui aplaudido, mas um deles me chamou de lado e disse: “Washington, gostamos muito de seu discurso, mas a data que estamos comemorando é o Natal e não o Carnaval” – eu tinha trocado as palavras! De qualquer forma, é desse tempo que criei o hábito de discursar nas reuniões de família, o que faço até depois de velho.

De vez em quando, no sobrado, faziam uma festa dançante. O motivo devia ser uma comemoração maior de algum aniversário. Eram festas realizadas no fim de semana, no final da tarde, tipo coquetel (naquele tempo era “cocktail”). Caprichadas, com bebidas, salgadinhos e dança. Abria-se o salão, devidamente preparado e engalanado. A música era proporcionada por uma vitrola (toca-discos) com músicas selecionadas.

Participavam todos da família que estivessem em São Paulo, mais outros parentes e amigos. Por exemplo, primos do lado de D. Izaura, algum dos irmãos de Narciso (marido de D. Helena) e de Seu Chico (marido de D. Cida), amigos do pessoal da casa; além de mim, lembro-me de uma festa em que convidaram meus pais.

Os comes e bebes eram generosos, com bebidas finas (destilados, vinhos e cerveja). Lembro-me que, já em meus 18 anos, lá me foi apresentado o whisky escocês (“Cavalo Branco” era o mais famoso), tomado com guaraná; não gostei muito da mistura, preferi continuar com vermute, um bom vinho espanhol ou mesmo com cerveja (de preferência a Munchen Extra, da Antártica).

No baile, as músicas eram variadas: tocavam boleros, “foxes”, sambas, marchinhas, até valsas. Destacavam-se alguns pares, que dançavam bem; em particular, o Gentil e a Fernanda com seu show  de tango. Estes eram muito aplaudidos. A festa era animada com algumas sessões em que eram formados pares com o que chamavam “cotillon”. Essa formação era feita mediante combinação por sorteio de nomes de amantes famosos da história e da ficção. Preparavam papeizinhos dobrados com nomes de homens como Romeu, Sansão, Adão, Hamlet, Tristão etc. e colocavam em um chapéu; em outro, papéis com as amadas correspondentes: Julieta, Dalila, Eva, Ofélia, Isolda etc. Os convidados e convidadas pegavam os papéis nos chapéus correspondentes e depois procuravam os respectivos pares para  a sessão especial de dança. Era divertido, porque os pares eram os mais variados. Os garotões, Sérgio e eu, participávamos. Comigo, houve uma coincidência curiosa: aconteceu, pelo menos duas vezes, ser sorteada como meu par a Antonieta, irmã mais nova do Seu Chico, moça bonita e simpática nos seus vinte e poucos anos, que comparecia às festas com o noivo, o Geraldo Hering, também jovem e bonitão. Eu ficava um pouco constrangido porque achava que ele podia não gostar de ver a noiva dançando com um garoto, mas eu não tinha jeito de mudar a regra do jogo.

As festas eram animadas e, pelo que me lembro, os participantes eram bem-comportados. Tenho na lembrança, apenas, um incidente curioso: a uma das festas compareceu um casal amigo – ele era brasileiro e ela, estrangeira (russa, segundo falaram). Esta, na animação da festa, se encantou com o Seu Chico – um dos mais sérios e tranquilos da turma – que ficou muito admirado. D. Cida tomou suas providências e não houve consequência.

Lúcio, marido de D. Glória, como bom descendente de italianos do sul, animava algumas das reuniões da família cantando músicas napolitanas. Conhecia bem as letras; não era um Pavarotti, mas era afinado; e fazia sucesso com “Torna a Surriento”, “O Sole Mio”, e outras canções.

As reuniões e festas do sobrado me proporcionaram a oportunidade de conhecer mais  pessoas da família de D. Izaura e da família do Narciso, os Braz.

Quanto à Antonieta e ao Hering, casaram-se em 1950, com festa na casa de Seu Chico e D. Cida, no bairro do Pacaembu.

Antonieta e Hering,  tempos depois, livres do "cotillon"

Anos depois, Leilah e eu, já casados, mantivemos longa amizade com o casal e seus filhos.

Washington Luiz Bastos Conceição


Notas:

A. A foto de Antonieta e Hering foi cedida pela prima Cristina, filha do casal.

B. Cara leitora ou prezado leitor: para ler quaisquer das oito primeiras crônicas da série, clique nos respectivos links abaixo:

1) D. Izaura e sua gente – Introdução

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/02/d-izaura-e-sua-gente-introducao.html

2) D. Izaura e sua gente – A casa e os moradores

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/03/d-izaura-e-sua-gente-casa-e-os-moradores.html

3) D. Izaura e sua gente – Leilah na Galvão Bueno

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/04/d-izaura-e-sua-gente-leilah-na-galvao.html  

4) D. Izaura e sua gente – Vovô Juca

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/05/d-izaura-e-sua-gente-vovo-juca.html

5) D. Izaura e sua gente – Apresentando as pessoas – 1

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/06/d-izaura-e-sua-gente-as-pessoas-1.html

6) D. Izaura e sua gente – Apresentando as pessoas – 2

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/07/d-izaura-e-sua-gente-apresentando-as.html

7) D. Izaura e sua gente – O baile do Odeon

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/07/d-izaura-e-sua-gente-o-baile-do-odeon.html

8) D. Izaura e sua gente – Lembranças do Gentil

https://washingtonconceicao.blogspot.com/2025/08/d-izaura-e-sua-gente-lembrancas-do.html

***


2 comentários:

  1. Como eram gostosas essas reuniões em família!!! Com comes (preparados em casa) e bebes, música e dança. Hoje quase não temos mais isso. Os apartamentos se apequenaram, as "cozinheiras" desaprenderam e os pares passaram a dançar sozinhos.. Que pena!

    ResponderExcluir
  2. Valeu pai! Como sempre, descrição impecável! Agora entendo o seu carinho especial pela tia Antonieta.

    ResponderExcluir