Há
cinco anos publiquei a crônica “Quatre Vingts”, em que
comento minhas sensações ao chegar aos oitenta anos. Neste setembro, completei
oitenta e cinco. Na comemoração, desta vez em “petit comité”, fiz um discurso que,
me pareceu, foi mais apreciado pelos parentes e amigos do que minhas falas em
outras ocasiões. Não foi gravado, de modo que me pediram para publicá-lo no
blog. Como, contra meu hábito, o discurso foi preparado (eu tinha um rascunho),
pude reconstituí-lo na íntegra e o apresento a seguir.
[Abertura]
Agradeço,
sensibilizado, aos presentes pela gentileza do comparecimento.
Comemorações
de meu aniversário, como esta, vêm sendo feitas em cada década. Desta vez não
se trata de mais uma década, mas apenas de mais um lustro. Acontece que poucas
pessoas chegam aos 90 e convém não apostar. Um amigo nosso comemorou os 90
quando completava 89. Intencionalmente, pois ele não estava bem de saúde. O que
depois, infelizmente, se mostrou ter sido uma boa ideia.
O
importante é que estamos recebendo, hoje, com enorme satisfação, nossos
queridos parentes e amigos. Destacamos a grande gentileza daqueles de fora, que
se dispuseram a vir ao Rio, exclusivamente para este almoço, nestes dias tão
conturbados que vive a Cidade Maravilhosa. Associo cada um de todos vocês a
eventos importantes de minha vida.
Meu
agradecimento vai também à Leilah, aos filhos e cônjuges, pela ideia,
planejamento e realização deste almoço; em especial, à Jurema, anfitriã e
coordenadora do trabalho e ao Fran e ao Bruno, pelo programa musical da
reunião.
Quero
lhes falar por uns 15 minutos. Peço àqueles que estiverem de acordo que
permaneçam como estão agora. [sem interrupção] Muito
obrigado!
[Introdução]
Costumo
falar nas reuniões de aniversário da família. Nessas ocasiões, meu foco, claro,
é o aniversariante. Hoje, está mais difícil, porque tenho de falar sobre mim
mesmo.
Confesso
que me custa crer que eu tenha alcançado essa idade toda. Ao reunir fotografias
para a apresentação que chamei “Viagem pelo Tempo”, re-encontrei vários
Washingtons que cumprimentei amistosamente, recordando de forma clara as fases
de minha vida, da infância à juventude, desta à maturidade e desta à velhice.
Contudo, não me entristeci, não exclamei “Bons tempos não voltam mais, belos
tempos de rapaz!”, mas gostei de me ver: o jovem, o noivo, o pai de família e,
mais recentemente, o avô.
Bem,
para começar, para aqueles que me perguntam “Como você se sente aos 85 anos?”, estou
respondendo: “Admirado!”. Mas, agora, vou entrar em detalhes, claro, porque não
é uma resposta simples e porque desejo que vocês, ao atingirem e ultrapassarem
esta minha idade, estejam em melhor estado físico e mental do que o meu.
[Preguiça]
Para
começar, de uma forma geral, sinto que o Washington, estudioso, esportista de
anos atrás, trabalhador até a aposentadoria, é hoje muito preguiçoso. Não sei
se por razões físicas ou psicológicas. Preguiça de sair de casa, preguiça de
fazer exercício físico, preguiça...
Contudo,
a meu favor, devo dizer que, quando um desafio se apresenta requerendo ação,
reajo positivamente.
[Ranzinzice]
Reconheço
que pratico um pouco de ranzinzice e que me deixo irritar com facilidade.
Por
exemplo, com os telefonemas abusivos de telemarketing. Em geral, enquanto não
adoto a tecnologia de bloqueio, trato de evitar o diálogo e desligar o telefone, mas, às
vezes, cometo indelicadezas. Em seguida me arrependo, porque sei que a
operadora está fazendo um trabalho difícil e que pessoas amigas já tiveram essa
atividade; eu mesmo já programei telemarketing junto a empresas. Contudo, outro
dia, recebi um desses telefonemas num momento difícil – Leilah não estava
passando bem – e, quando a pessoa se apresentou como “fulana” da companhia
telefônica da qual sou cliente, perguntei qual o assunto. Ela respondeu com
outra pergunta: “Estou falando com o titular da linha?”; pedi para ela repetir,
o que ela fez de forma agressiva. Aborreci-me e respondi: “O titular da linha é
o Neymar!” e desliguei.
Outro
exemplo: Como todos os idosos com que troco ideias, não gosto quando as pessoas
vêm com aquela hipocrisia de chamar velhice de “melhor idade” (que só pode ser
melhor do que aquelas que vêm depois). Tampouco me agrada quando, no
atendimento de médicos e enfermeiros, eles pedem “me dá o bracinho aqui”,
“estique a perninha”, etc. Recentemente, me submeti a uma ultrassonografia
abdominal; quando a médica me pediu para eu encolher a “barriguinha”, comentei:
“Doutora, não dá para chamar esta barrigona de barriguinha!. Construída ao
longo de 80 anos, serviu muito bem de travesseiro para meu neto carioca, quando
pequeno".
Também
me irritam declarações e expressões de jornalistas no seu afã de noticiar em
primeira mão ou de comentar assuntos dos quais não têm o necessário
conhecimento e criticam tudo. Por exemplo, quando noticiaram a inundação de
Houston pelo furacão “Harvey”, criticaram a construção da cidade, sem
considerar que é economicamente impossível fazer um sistema urbano de
esgotamento de águas pluviais que enfrente um furacão de categoria 4!
Alguns
anúncios na televisão também são difíceis de aturar – aqueles de pessoas
falando e andando, por exemplo, e os de automóvel, que procuram chamar sua
atenção com cenas mirabolantes e, ao final, você não nota qual a marca do
veículo anunciado. E as frases, que pretendem ser geniais: aquela “O carro X
você não dirige, você sente.” me fez pensar na seguinte cena: um guarda de
trânsito detém o motorista, pede para este lhe mostrar sua carteira de
habilitação e ele responde: “Seu guarda, este carro eu não dirijo, eu sinto!”.
Talvez a frase pudesse ser aproveitada pela Uber, ligeiramente modificada: “Conosco
você não dirige, você senta!”.
[Preocupação excessiva]
Reconheço
que tenho uma preocupação excessiva com coisas que, realmente, não posso
influenciar. As notícias, principalmente do País, com que somos bombardeados pela
TV, diariamente, estavam, até há pouco tempo, me levando à loucura; desta,
Leilah, os filhos e os amigos estão me ajudando a escapar; estou conseguindo
moderar minhas reações e, lembrando-me do livro "Os 7 hábitos das pessoas altamente eficientes", de Stephen Covey,
me conformar com o fato de meu círculo de influência ser muito menor do que o
círculo de minhas preocupações.
[Memória]
Enfrento
também as dificuldades naturais que a idade trás.
Memória
é algo que, realmente, o idoso perde. Não tem jeito. De forma curiosa,
lembro-me de coisas pouco importantes de um passado distante e me esqueço de acontecimentos
ou conversas recentes. Acho absurdo me esquecer do que jantei ontem e me
lembrar, por exemplo, de um anúncio que ouvia no rádio aos 10 anos de idade, em
visita a Ponta Grossa. O anúncio começava com a frase que usei há pouco “Bons
tempos não voltam mais, belos tempos de rapaz!”, falada em tom de queixa de dor
por um homem mais velho; em seguida, vinha o “gingle”, cantado por outra pessoa
que lhe recomendava o remédio:
“Pronto Alívio Radway, remédio que já
usei em diversas ocasiões,
contra dores, queimaduras,
torcicolos, torceduras, reumatismo, contusões; pronto alívio encontrei, em
pouco tempo me curei com o Pronto Alívio Radway.”
Meu
Deus! Como é possível eu me lembrar disso? Eu, que vivo me esquecendo de nomes
e de palavras que conheço bem!
Há
exercícios que podem nos ajudar a preservar a memória. Estou praticando alguns.
Minha mãe, que faleceu lúcida aos 97 anos, se exercitava decorando números de
telefone e datas de aniversário dos parentes e amigos.
Há
alguns dias, recebi pelo whatsapp uma mensagem com uma dessas frases sobre
idosos, que era mais ou menos assim: “o pior de ficar velho é que, quando você
acha que sabe tudo, começa a esquecer”. Embora eu nunca tenha tido a pretensão
de saber tudo, de muita coisa, certamente, já me esqueci. Exemplos: na
matemática, cálculo diferencial e integral; cálculo vetorial e de matrizes; na termodinâmica,
entropia e entalpia; na música, o reconhecimento de conhecidas peças clássicas
ou os nomes de seus autores.
[Novos conhecimentos]
Em
compensação, nestes últimos anos, estou aprendendo coisas novas: usar “aplicativos”
no computador e no celular; escrever e publicar livros, impressos e digitais;
publicar crônicas no blog, etc. Também, estou me aperfeiçoando em algumas
atividades domésticas essenciais.
E,
principalmente, onde tenho progresso diário, aprendo nomes de alguns males e doenças
e nomes de remédios: o meu conhecimento de anos atrás, que incluía apenas Aspirina,
vitamina C, xaropes, Novalgina, Luftal e alguns outros medicamentos, foi muito
ampliado, não só por causa das novas necessidades do casal, como também pela
especificação requerida pelos genéricos. Agora, Novalgina é Dipirona, Aspirina
é Ácido Acetilsalicílico, Luftal é Simeticona. Uso, faz tempo, um remédio para
regularizar a pressão, o Micardis HCT e agora fiquei muito feliz por saber que
HCT é, simplesmente, “Hidroclorotiazida”; de alguns deles, Leilah e eu ficamos
íntimos, e os chamamos por apelido: o Bissulfato de Clopidogrel é o “Clopido”,
o Pantoprazol é o “Panto”. Há algumas semanas, eu fazia uma compra na drogaria,
quando um senhor alto, encorpado, com aparência de bem mais moço do que eu, falando
alto, tentava dizer à balconista o nome do remédio de que precisava. Ouvindo
suas tentativas, interferi: “É o Besilato de Anlodipino!”. Ele vibrou: “Esse
mesmo! Tomo esse remédio faz tempo, mas não consigo guardar o nome dele.” Tive meu
dia de glória!
[Atividades atuais]
Embora
reconhecendo que minha produtividade caiu, por várias razões, continuo com meus
escritos. Venho publicando no blog, em média, uma crônica por mês. Como faço
periodicamente, pretendo reunir as mais recentes em um novo livro de crônicas.
Estou
iniciando o projeto de outro livro, em que contarei histórias de meu pai,
inseridas no cenário do Brasil do século vinte. Caminha devagar, porque é, para
mim, um grande desafio. Anuncio aqui para forçar meu comprometimento.
Entretanto,
não há dúvida de que minha atividade mais importante, nestes últimos anos, tem
sido cuidar da Leilah. É difícil para mim, porque tenho presenciado tudo que
lhe tem acontecido, as dores e sustos que tem sofrido. Contudo, sua coragem,
determinação e os cuidados médicos excelentes estão vencendo a luta, o que me
dá a certeza de que teremos tempos melhores. Espero voltarmos a sair mais de casa
para programas não relacionados com tratamento médico, voltarmos a fazer as
viagens de que gostamos, aproveitando-as dentro de nossas limitações de idade.
E, claro, encontrarmos vocês com maior frequência.
[Fechamento]
Quando
estudei Espanhol no primeiro ano do Curso Colegial (eu tinha 15 anos), o livro
de meu professor trazia, após cada lição, uma frase, talvez originária da
sabedoria popular. Uma delas re-encontrei recentemente e, penso, é provável que
vocês já conheçam. Após todos meus anos de vida, estou convencido de que é
verdadeira e valiosa. Termino este meu discurso com ela, traduzida para o
Português:
“A
felicidade não é coisa fácil: é difícil encontrá-la em nós mesmos e impossível
achá-la em outro lugar”.
Muito
obrigado pela atenção.
Washington Luiz Bastos Conceição
Nota:
As anotações entre colchetes, em vermelho, serviram para organizar o discurso, não
entraram na fala. Achei conveniente mantê-los no texto para orientar o leitor.
Fantástico! Parabéns, WL. Os seus 85 parecem os meus 45.
ResponderExcluirMenos, menos... meu amigo. Obrigado pelo comentário.
ExcluirAdorei o seu discurso no dia... me diverti com várias partes dele...Obrigada por nos convidar a compartilhar desse momento...
ResponderExcluirSuely:
ExcluirSou eu quem tem de agradecer a presença de vocês.
Parabéns pelo seu aniversário! Meu pai teria completado 85 em agosto passado. Ao ler seu discurso, pude me lembrar um pouco dele também. Já vai preparando o discurso dos 90! Grande abraço!
ResponderExcluirCaro Édison Júnior: Acho que ainda não lhe contei que, quando colegas de colégio, seu pai e eu também frequentamos, juntos, aulas de ginástica na ACM em São Paulo, com direito a "peladas" de basquete, vôlei e futebol de salão. Obrigado pela atenção, mais uma vez.
ExcluirMuito bom! Valeu ao vivo e valeu escrito! E apoio o Edson: vai preparando o discurso dos 90!
ResponderExcluirObrigado, Pimentel, pelo comparecimento ao almoço e pela avaliação favorável do discurso. Quanto ao discurso dos 90, darei um jeito.
ExcluirDa Isa:
ResponderExcluirSua melhor crônica até hoje, primo, sem prejuízo das anteriores. Como sabe, atingi essa meta dos 85, pouco antes de você e creio que disse o que eu diria sobre as experiências vividas, salvo as diferenças da sua vida com vasto preparo profissional e a minha, de pacata dona de casa de interior. Os pequenos esquecimentos não comprometem em nada sua qualidade de escritor ou o desempenho como chefe de família, pai, avô e bom marido. Aguardo seu próximo livro, sabendo que o tempo está burilando suas qualidades. Os aplausos da "´plateia" foram merecidos e junto minhas palmas e "vivas" a eles. Abraços curitibanos com sotaque e tudo, para soar bem autênticos. Isa
Isa: O comentário com o sotaque da nossa terra, é muito bom e seus aplausos são muito valiosos. Obrigado. Quanto a você ter sido "uma pacata dona de casa", não posso concordar - para dizer o mínimo, lembro-me de que você ia buscar, com seu marido, aviões pequenos nos Estados Unidos e eram viagens cheias de aventuras. Ademais, você não é uma escritora pacata.
ExcluirDe minha prima Hercilia:
ResponderExcluirBom dia Washington!
Primeiro quero dar meus parabéns, mesmo atrasados, pelo seu aniversário e desejar á você e Leilah tudo de bom. Leio sempre suas crônicas com muito interesse e carinho, mesmo não tecendo comentários sobre elas. A crônica que você escreveu sobre tio Osmar me chamou atenção e me agradou muito, gostei de conhecer fatos sobre a vida de meus bisavós e seus avós que não conhecia. Na ocasião mandei um e-mail pelo blog que não sei se realmente foi enviado, por isso hoje resolvi escrever diretamente de e-mail para e-mail. Quanto à idade , me deparo no cotidiano com atitudes que às vezes não me agradam, como "admiração" por ser capaz de usufruir da tecnologia com certa liberdade como se isso fosse privilégio dos jovens e, mesmo sabendo que as vezes a intenção seja de elogiar, sinto que o mesmo carrega algum preconceito com relação à idade. Sobre esta, eu teria assunto para desenvolver uma tese. Gostaria de dizer também que fiquei feliz em saber que Leilah está melhorando cada vez mais e que logo vocês poderão retomar seus passeios. Um abraço a você e Leilah.
Hercília
Hercília: Obrigado pela sua contribuição com este comentário tão ilustrativo.
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