Cara leitora ou prezado leitor:
Minha crônica anterior "Um casal idoso no tempo do vírus" teve uma recepção extraordinária por parte de meus atenciosos leitores, com números sem precedentes de visitação e de comentários, fenômeno que atribuo a dois fatores. O primeiro é o assunto: o vírus que atualmente nos ataca ferozmente, no Brasil e no mundo todo; o segundo é o fato de grande parte da população estar em isolamento social e, por essa razão, tem necessidade de distração e mais tempo disponível para a leitura.
Pensando em lhe oferecer mais de meus modestos escritos, decidi, enquanto preparo novas crônicas, publicar transcrições de excertos de livros meus.
Começo com um dos três contos que escrevi na minha vida.
Começo com um dos três contos que escrevi na minha vida.
Dedico esta publicação aos meus amigos escritores que trilham, com sucesso, o difícil caminho da ficção.
O irmão do Vitório
Nos anos 50 do século
XX, São Paulo era uma cidade bem diferente. As atividades de trabalho se concentravam no centro comercial que, naquela
época, compreendia a área que ia da Praça da Sé à Praça do Patriarca, ligadas
pela Rua Direita, e também incluía, de um lado, a Rua XV de Novembro, a rua dos
bancos, e, do outro, o Largo de São Francisco.
No centro mais novo, do outro lado do Viaduto do
Chá, cujo eixo era a Rua Barão de Itapetininga, já estavam as lojas mais finas
da cidade, mas o burburinho se concentrava no outro lado.
O escritório de Renato, advogado, cinquenta e
poucos anos de idade, ficava na Rua José Bonifácio, mas ele passava a maior
parte do tempo no foro, no alto da Praça da Sé. Almoçava, por ali, em
restaurantes comerciais, e circulava bastante por aquela área.
Era normal ele encontrar conhecidos, diariamente,
conversar ligeiramente e, quando possível, tomar um cafezinho com eles. Café de
coador, num dos vários bares do centro.
Às vezes, encontrava pessoas que, talvez por vê-lo
com frequência (numa fila de ônibus, por exemplo), faziam confusão e falavam com ele; e nenhum dos dois sabia
exatamente de onde conhecia o outro.
Mas um fato começou a intrigá-lo demais. Pelo
menos uma vez por semana, uma pessoa o cumprimentava na rua, parava, perguntava
como estava e, percebendo que ele não a estava reconhecendo, perguntava: “Mas
você não é o irmão do Vitório?”. Renato não tinha nenhum parente chamado
Vitório e esclarecia logo que o outro estava enganado.
Semanas se passavam e, de vez em quando,
voltava o encontro e a pergunta. As pessoas variavam, embora algumas repetissem
a abordagem.
Renato tentou, então, mudar um pouco sua
aparência. Não podia fazer nada radical, por causa de seu ambiente de trabalho.
Era magro e alto, o que não iria alterar, mas poderia variar um pouco a cor dos
ternos, raspar o bigode e usar óculos de lentes sem grau, pois só usava óculos
de leitura. Pintar o cabelo lhe traria problemas, no trabalho e socialmente. Naquele
tempo, não era comum homens da classe média, chefes de família, pintarem o
cabelo.
Pois, mesmo sem bigode (o que os amigos e colegas
estranharam muito) e de óculos, continuaram a confundi-lo com o irmão do
Vitório. Resolveu, então, tentar descobrir quem era o Vitório e o irmão dele,
cujo nome ninguém dizia. Ele temia até ter algum problema, caso seu sósia
aprontasse alguma encrenca. Por exemplo, este poderia brigar com alguém que
depois buscasse revanche, poderia estar namorando a mulher de um sujeito violento,
criando situações de risco em que Renato não tivesse tempo de provar que ele
não era o “irmão do Vitório”.
A sorte o ajudou quando, depois de algum tempo,
alguém completou a pergunta com o sobrenome do Vitório: “Você não é o irmão do
Vitório Pugliese?” A resposta, claro, foi a mesma: “Não, você está enganado,
não sou o irmão do Vitório”. Porém, desta vez, afinal, ele teve uma pista – o
sobrenome do irmão do Vitório, muito provavelmente, seria também Pugliese.
Naquele tempo não havia o Google, nem internet,
nem computador, mas havia a Lista Telefônica. Renato, no escritório, resolveu
consultá-la – aquele livrão de capa mole amassado pelo uso de todo o pessoal –
buscando o nome de Vitório Pugliese. Após algumas tentativas que não levaram a
qualquer pista, conseguiu falar com uma senhora. Contou-lhe o que vinha
acontecendo e disse que queria conhecer o sósia ou, pelo menos, saber o nome
dele. Ela, embora parecesse desconfiada, confirmou que seu marido tinha dois
irmãos, um deles morava em São Paulo e o outro no interior. O nome do primeiro
era Pascoal, mas não tinha telefone em casa. Terminou, dizendo que, se quisesse
mais informações, seria melhor ele ligar à noite, depois das sete, e falar com
seu marido.
Naquele dia, ficou até mais tarde no escritório
para poder telefonar, pois não tinha telefone em casa. Morava em um bairro
novo, longe do centro; para telefonar, tinha de ir à farmácia, umas três
quadras de sua casa e, assim mesmo, contar com a boa vontade do farmacêutico e
enfrentar uma fila. O pior é que não tinha jeito de avisar sua mulher de que ia
chegar mais tarde e ela certamente ficaria preocupada com seu atraso – era o
preço de ser um marido sério e disciplinado!
Conseguiu falar com o Vitório, repetiu a história
para não parecer que se tratava de algum trote ou conto do vigário, O Vitório
lhe contou que o irmão também trabalhava no Centro, no Banco do Estado de São
Paulo. Acabaram rindo juntos com a possibilidade de um dia os sósias se
encontrarem, não chegaram a combinar nenhum encontro. O Vitório não trabalhava
no Centro.
Tranquilizado com as informações sobre o “Irmão do
Vitório”, Renato se despreocupou com o assunto e deixou de procurar se
“disfarçar”, voltando a usar bigode e abandonando os óculos de mentira.
Um dia, meses após o telefonema ao Vitório, Renato
leu no obituário do jornal, a notícia do falecimento de Pascoal Pugliese,
funcionário do Banco do Estado. Em uma breve nota, a
descrição do acidente: Pascoal havia sofrido uma queda ao descer do bonde,
bateu a cabeça, foi internado em estado grave e veio a falecer.
Abalado com a triste notícia, pensou em, pelo
menos, comparecer à missa de sétimo dia e dar os pêsames à família. Mas
desistiu logo, imaginando a cena de sua chegada à Igreja – daria um susto em
muita gente, com possíveis desmaios.
Conseguiu o endereço do Vitório e lhe enviou um
telegrama de pêsames, esperando que ele se lembrasse de que Renato era o sósia
do irmão.
Restou ao Renato a expectativa de quais seriam as
reações dos conhecidos do Pascoal e do Vitório ao encontrá-lo novamente. Talvez
viessem a se assustar ao vê-lo, abrindo a boca admirados e dizendo qualquer
coisa como: “Desculpe-me, mas o senhor é muito parecido com um amigo já
falecido”. Pelo menos até se aposentar e se afastar do centro da cidade, teria
de contar com aqueles encontros.
Washington Luiz Bastos Conceição
Washington, parece uma história de assombração! Ou então uma história de personalidade trocada!
ResponderExcluirHoje nos falamos muito de TWIN DIGITAL na indústria, que é uma ferramenta valiosa, um conceito necessário para os processos de produção e de controle.
Aí me pergunto: porque não um twin genetico. Não pode só ser pela aparencia física. Quem sabe pela emanação de energia, a aura.
Já me falaram, quando meu filho tinha uns 19 anos, que ele era cópia xerox do pai. No início me assustou. Não sabia se gostava ou não. Cópia xerox me fora dito por várias amigas da juventude e eu nesta data já tinha uns 50....
Então me conformei, começei a gostar e até minha nora hoje me fala: tal filho, tal pai.
Espero que sejam só os bons espiritos....
Em todo caso, a partir desta sua história, vou ficar de olho para encontrar meu TWIN ESPIRITUAL pelo menos......
Como a Pascoa significa renascer, quem sabe, surge este espirito germeo, mas tem que ser tão dinâmico com eu, bonito não faço exigência...!!!!
Saudações....
Delicioso de ler...
ResponderExcluirDelicia de história e , como sempre, bem contada. A velha prima anda de pouca inspiração, por isso vai apenas essa apreciação curtinha. Abraços.
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