Leilah e eu,
ultimamente, vimos assistindo a filmes na televisão, recorrendo,
principalmente, à Netflix. De vez em quando, escolhemos um DVD de nossa
discoteca para revermos algum dos “nossos” filmes. Alguns discos oferecem, além
do filme propriamente dito, como extra, o “making of”, ou seja, cenas de
bastidores filmadas durante o trabalho da equipe na feitura do filme.
Costumamos ver o “making of” depois de assistirmos ao filme, porque é
divertido e sentimos uma certa aproximação com os atores e o diretor.
Ao concluir e publicar minha crônica mais recente (Osmar e Jurema - A
Vila Olímpia e os cenários do início dos anos 1950), tive vontade de comentar
com os leitores alguns fatos ocorridos durante seu desenvolvimento. Então,
lembrando do “making of” dos DVDs e de que gosto de assistir a eles, decidi
escrever uma crônica sobre os bastidores da outra.
Há já algum tempo, depois de ter escrito alguns livros de memórias contando histórias de minha vida, eu pretendia escrever sobre a vida de meus
pais, um casal comum do século vinte que, embora não sendo famoso, teve uma
vida repleta de desafios e vitórias, com pleno sucesso na construção da família.
Como “pretensão e água benta cada um usa quanto quer”, entendi que
poderia fazer algo como os grandes escritores que, criando personagens e
famílias fictícias, inserem suas histórias nos fatos verídicos da
História. De uma forma semelhante, mas
com ênfase nos personagens, decidi escrever um livro sobre a vida de meus pais,
em suas várias fases, descrevendo o ambiente histórico que os cercava. No meu
caso, portanto, os personagens comuns são reais. O que estou fazendo diferente,
desta vez, é publicar previamente as histórias como um romance de folhetim, na
forma de crônicas no blog, para depois reuni-las no livro.
Em cada
crônica da série, estabeleço inicialmente o período da vida de Osmar e Jurema
de que vou tratar, período este determinado por uma combinação dos locais de
residência, a evolução da família e acontecimentos históricos marcantes, como a
segunda guerra mundial, por exemplo. Depois, faço uma descrição do ambiente doméstico,
do cotidiano do casal e dos principais acontecimentos vividos pela família no
período estabelecido. Para tanto, recorro à memória, tanto pelo que me contaram
como pela minha própria observação desde criança, além de alguns raros registros
pessoais. Na parte dos cenários históricos, minhas lembranças precisam ser
reforçadas pela leitura de livros de História.
Já comentei com os leitores que tenho
encontrado dificuldade em apresentar na mesma crônica as fases da vida do casal
e o cenário histórico correspondente, porque o texto resulta muito extenso para
uma crônica. Por essa razão eu vinha publicando as crônicas em partes, o que agora
não me parece boa solução, pois o intervalo entre a publicação de uma parte e
outra pode fazer com que o leitor perca a conexão dos personagens com os
cenários da fase correspondente. Concluí que devo deixar por conta dos leitores
a divisão ou não da leitura em partes.
No caso
da crônica “Osmar e Jurema - A Vila Olímpia e os cenários do início dos anos
1950”, minha publicação mais recente, o texto resultou maior do que o dobro do
texto de cada uma das publicações da série. A elaboração durou cerca de um mês
calendário, pois tenho outras atividades e não dedico muito tempo à atividade
de escrever, não sou rápido e ando muito preguiçoso.
Passo, agora,
ao “making of” da crônica.
Primeira etapa
Decido
que a crônica tratará do período em que a família morou na Vila Olímpia, bairro
de São Paulo. Começo a descrever o bairro daquele tempo e nossa casa, sem
necessidade de grandes consultas. Assim mesmo, vou ao mapa do Google para
conferir o nome das ruas e, até, vejo a imagem do sobrado, que foi
transformado, aparentemente, em um estabelecimento comercial, com uma fachada
muito diferente. A Rua Baluarte está toda asfaltada e teve sua numeração
alterada. Vejo que o terreno em que ficava a Casa do Ator e as construções
vizinhas está hoje ocupado por uma escola. A Wikipedia me mostra as fotos da
Vila Olímpia e da Marginal Pinheiros. Tudo tão absurdamente diferente! Penso: “Claro!
Tinha de estar, Washington, depois de 70 anos!”. Continuo escrevendo sobre
nossa vida na Vila Olímpia, recorrendo ao meu irmão Luiz Antônio, que me ajudou
com algumas informações.
Terminado
o primeiro rascunho da parte que trata da vida da família, imprimo o texto e,
como de hábito, passo à Leilah para sua primeira apreciação e comentários (o
que ela sempre faz de maneira construtiva, com boas sugestões – reconheço e
admiro a paciência dela).
Pergunto
a ela: “O que você achou?”. “Está bom, apenas acho que você não deve mencionar
o nome de todas as pessoas”. Concordei, pois realmente o texto ficara parecido
com um relatório.
Guardo o
rascunho para publicação com as outras partes da crônica.
Segunda etapa
Para
resumir o cenário internacional, recorro, como procedimento normal, a alguns
livros, para verificar e completar minhas lembranças dos fatos históricos, em
geral um tanto vagas. Para as crônicas anteriores, os livros sobre a segunda
guerra mundial serviram muito bem, mas, de agora em diante, eu precisava de outro
livro que cobrisse o século, além do “Uma breve história do
mundo”, de Geoffrey Blainey, que já venho usando, mas, dentro de seu objetivo,
tem menos detalhes do que eu preciso.
Comprei o e-book “A História do Século XX”, de Martim Gilbert (ao lado, imagem da capa) e passei à sua leitura. Narra os acontecimentos do mundo todo de uma forma detalhada. Nesta fase de leitura e apontamentos, releio também, dos livros que venho usando, os capítulos referentes ao pós-guerra; concluo que a descrição do cenário internacional poderá ser bem resumida.
Escrevo o
primeiro rascunho deste cenário.
Terceira etapa
Começo a
trabalhar no cenário de São Paulo e releio, do livro “A Capital da Vertigem” (capa ao lado),
de Roberto Pompeu de Toledo, os capítulos que tratam do início dos anos 1950,
especialmente das comemorações de Quarto Centenário da cidade de São Paulo.
Lembro de
muita coisa daqueles anos, quando estudante da Politécnica, mas o livro descreve
todos os eventos brilhantemente. Aliás, toda vez que leio algo do autor penso:
“Ele deve ser parente (talvez filho ou sobrinho) do Dr. Diderot Pompeu de
Toledo, médico amigo de meus pais, que também tratou de mim.”
Escrevo o
primeiro rascunho sobre o cenário paulistano, que se caracteriza pelo
crescimento da cidade e pelas festividades.
Faço
algumas revisões do rascunho, cortando alguns detalhes dispensáveis, mas
constato, preocupado, que até esta parte a crônica já está bem mais extensa do
que aquelas que venho publicando. Acho que terei, novamente, de fracionar a publicação
desta crônica, o que eu preferiria não fazer.
Quarta etapa
Entro na
fase mais difícil do trabalho – o tempo do segundo governo Vargas, desta vez
presidente eleito. Começo pela releitura dos dois livros aos quais venho
recorrendo há já algum tempo. O livro “História do Povo Brasileiro”, de Jânio
Quadros e Afonso Arinos de Melo Franco, e o de Boris Fausto, “Getúlio Vargas”.
O
primeiro (foto ao lado), publicado em 1967, é uma coleção de seis volumes, muito bem
encadernados, com capa dura e um papel mais pesado, branco, surpreendentemente
bem conservado.
Cada volume tem cerca de 300 páginas de 15,5cm por 23,5cm, incluindo
algumas estampas. Jânio Quadros se incumbiu da fase colonial e Afonso Arinos da
fase nacional. É uma preciosa herança de meu pai.
O livro
tem, quanto aos capítulos que estou relendo, um enfoque histórico predominantemente
político, com a particularidade de Afonso Arinos, destacado líder parlamentar
nacional, ter atuado naqueles anos críticos, ou seja, estava na confusão (como
se diz em futebol, estava entre as quatro linhas).
O
segundo (foto ao lado), “Getúlio Vargas”, impresso em 2006, com capa comum, está bem conservado;
tem mais de 200 páginas em tamanho 13cm por 21cm.
Eu já
havia lido o livro todo e encontrei em Boris Fausto, historiador e professor, um
autor equilibrado quanto ao perfil de Getúlio. Para esta crônica, releio os
capítulos correspondentes ao segundo governo de Vargas.
Comentei
com Leilah: “O livro do Boris Fausto trata da vida de Getúlio. Para estudar os
fatos históricos nos anos seguintes a 1954, vou precisar de outro livro de
história do Brasil. Vou ter de pesquisar, pois alguns que já examinei não me pareceram confiáveis.” Leilah, em uma de suas
intervenções muito oportunas, lembrou: “E o livro ‘De Getúlio a Castelo’, que
temos aqui em casa?”. “Não sei se ainda temos, respondi, acho que ele estava
entre aqueles livros velhos, danificados, de que nos desfizemos na última
reforma do apartamento, mas vou procurar”.
Tive sorte; achei, até com
facilidade, o livro de Thomas Skidmore (foto ao lado); embora em más condições para leitura,
com o papel amarelecido e exigindo cuidado no manuseio para não desmontar,
decidi usá-lo.
Passo
imediatamente à sua leitura. Como ele também cobre o período de que trata a
crônica, já foi de muita utilidade. Em especial, sua análise do panorama econômico
e das medidas tomadas pelo governo de Getúlio me serviram bem.
Faço
minhas anotações das leituras, inclusive das consultas à Wikipedia, e escrevo o rascunho correspondente ao cenário brasileiro sob o segundo governo
de Getúlio. A dificuldade de apresentar os fatos de uma forma resumida está
maior do que a habitual.
Ao
concluir o primeiro rascunho desta parte da crônica, leio na tela do Word a
quantidade de palavras do texto – é um número aproximadamente igual à soma das
palavras das outras partes da crônica.
Preocupado
e um tanto desanimado, comento com a Leilah: “Não consigo resumir o cenário
histórico de forma que o leitor consiga ler a crônica e não quero dividi-la em
partes. Estou preocupado porque eu queria tê-la publicado já no mês passado.” Leilah
faz uma observação que reflete o que eu estou sentindo: “Parece que escrever,
que devia lhe dar prazer, está causando preocupação para você.”
Resolvo
ir em frente, buscar uma solução, que depois me pareceu óbvia: “Por que não
deixar a divisão da leitura por conta do leitor?” Cada um vai ler como quiser,
interrompendo a leitura e retomando-a (se achar que vale a pena) quando lhe for
conveniente. As interrupções deverão durar menos do que meu habitual intervalo
de publicação.
Crio alma
nova e, com determinação, concluo a crônica, combinando da melhor maneira possível
minhas recordações daqueles anos com o que estudei nos livros. Como comento com
os amigos, para escrever um parágrafo tenho de estudar bastante, pois, embora
não me arvore em historiador, não quero escrever disparates. Encontrei uma
dificuldade: alguns números de economia em que os livros divergem; como não são
essenciais para o espírito da crônica, mantenho aqueles em que não há discrepância.
Quinta etapa
Reúno os
textos elaborados nas quatro etapas anteriores em um arquivo Word único, na
sequência: vida da família, cenário mundial, cenário nacional e cenário local
(São Paulo) deixando para o final a festa do quarto centenário.
Imprimo o
texto completo para a Leilah rever – quatorze páginas em folhas tamanho A4,
fonte Verdana, tamanho 11. A santa Leilah faz a revisão, faço as alterações
necessárias, copio o texto para o blog, passo à releitura no blog e, como
sempre, mudo alguma coisa antes de publicar.
A seguir, faço a publicação e a divulgação para os amigos. E tenho a grande satisfação de ter escrito mais
uma crônica sobre meus pais.
Ao longo
do trabalho, houve um lance de emoção: quando encontrei o livro de Thomas
Skidmore, aquele velho exemplar que pensei que tivesse perdido, encontrei na
primeira página a dedicatória de quem me presenteara com o livro, escrita com
sua caligrafia especial e nas regras ortográficas de 50 anos atrás:
“Ao meu querido Washington, no transcurso de mais um seu natalício
– com estima e grande aprêço, seu Pai”
Washington Luiz Bastos Conceição
Que trabalhão, seu Washington. Essa vida de escritor é mais cansativa que a de engenheiro civil. E eu que achava que era sopa no mel.
ResponderExcluirRealmente valeu a pena v. descrever o making of das suas crônicas. Muito interessante. V., realmente, faz um trabalho de pesquisa e de relato muito convidativo a ler e a conhecer a história da sua gente e do Brasil. Parabéns!!!
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