Caro
leitor ou prezada leitora:
Prosseguindo
em meu programa de oferecer aos meus leitores mais de meus escritos neste tempo de
isolamento social, apresento-lhe hoje a transcrição de parte do capítulo “A
música e eu” de meu
primeiro livro, o “Histórias do Terceiro Tempo”.
Dedico esta publicação aos meus contemporâneos
que apreciam a romântica música mexicana do tempo em que éramos jovens.
Introdução
Nunca estudei música, não tenho bom
ouvido e, quando tento cantar, desafino. Enfim, sou um ignorante que,
humildemente, gosta de ouvir vários gêneros de música, desde marchinhas de
carnaval, sambas, bossa nova, música brasileira em geral, boleros e tangos, até
óperas e música clássica. Variado, não é?
Vocês poderão dizer: “Caramba (ou
outra interjeição que costumem usar mais), Washington, deve ser tudo o que os
seus contemporâneos curtiram ao longo da vida – qual é a novidade?”.
Boleros
– Poesia e Romance
Na minha juventude, em São Paulo,
especialmente do meio da década de 1940 até o final dos anos 50, os boleros
mexicanos foram muito tocados nos bailes e festas, revezando com os foxes
americanos, sambas e, numa certa época, os baiões. As orquestras ou os
responsáveis pela vitrola (toca-discos), conforme o caso, procuravam mesclar música lenta,
para os namorados dançarem abraçadinhos, com música rápida, para não deixar a
coisa ficar muito séria.
Os boleros eram românticos por
excelência, com letras apaixonadas, algumas vezes trágicas, mas sempre tratando
de amor, paixão, “desesperación”.
Eu era uma exceção entre amigos e
colegas, pois, além de estudar Inglês e Francês por necessidade curricular,
estudei Espanhol para valer. Comecei cedo, ouvindo as rádios de Montevidéu,
Buenos Aires e Assunção, lendo a Para Ti, revista argentina que minha mãe
assinava (“Todo lo que interesa a la mujer”), lendo livros em Espanhol, ouvindo
tangos e, principalmente, boleros. As rádios Excelsior e Gazeta, de São Paulo, tinham mais de
um programa de música mexicana por dia. Numa temporada em que tive de ficar de
molho em casa, tratando de um reumatismo sério, eu ouvia uns quatro programas
de meia hora por dia, reconhecia a voz dos intérpretes, que não eram poucos,
cantava junto, sabia a maioria das letras. Havia os cantores mais antigos:
Pedro Vargas e o médico Alfonso Ortiz Tirado, do tempo do meu pai; o barítono
Carlos Ramirez; os Fernandos (Torres, Albuerne, Fernandez); Chucho Martinez e,
mais tarde, os de maior sucesso, que foram Gregório Barrios e Lucho Gatica. As
cantoras tinham geralmente voz grave de contralto e eram intérpretes
dramáticas: Elvira Rios, Adelina Garcia, Eva Garza, Toña La Negra e Maria Luisa
Landim são nomes que me vêm à memória.
Essa popularidade do bolero trazia
cantores para o Brasil com bastante frequência, e houve o caso do Gregorio
Barrios, que acabou se radicando aqui, trabalhando até uma idade avançada. Era
um tremendo sucesso com as moças.
As letras tratavam de casos de amores
não correspondidos (“Quizás, quizàs”), de homens que se apaixonam por mulheres
de “vida fácil” (“Pecadora”, “Una aventura más”), de amores impossíveis
(“Somos”, “Pecado”), de abandono (“Ya no me quieres”, “Perfidia”), de traições
(“Traicionera”), ou eram simplesmente declarações de amor extremamente
românticas (“Contigo em la distancia”, “Palabras de Mujer”, “Abrázame asi”).
Entre os autores, o grande destaque
foi Agustín Lara, “O poeta da música”, muito lembrado também por ter sido
casado com Maria Félix, atriz muito bonita que ele dirigiu no cinema.
Alguns títulos eram retumbantes,
referindo-se a mulheres de má conduta, que acabaram dando origem à piada do
caipira que foi assistir em uma boate ao show de uma dessas cantoras famosas e,
ao ouvir o público pedir a ela aos brados que cantasse “Traicionera”,
“Hipócrita”, “Perdida”, “Pecadora” achou que estavam xingando a mulher por
alguma razão e acrescentou seu rosário de palavrões.
Mas os versos dos boleros, meus
amigos, os versos são uma beleza, pura poesia, e me emociono, até hoje, com
eles. Lembro-me de muitos, mas não vou transcrevê-los aqui porque esta história
não acabaria nunca. Como exemplo, apenas uns versos de “Solamente una vez”, de
Agustín Lara, um dos meus boleros preferidos:
“Solamente una vez, amé en la vida,
Solamente una vez, y nada más.
…………………………………………………….............
Si una vez, nada más, se entrega el
alma
Con la dulce y total renunciación.
Y cuando este milagro realiza el
prodigio de amarse
¡Hay campanas de fiesta que cantan en
el corazón!”
Cantarolar baixinho versos assim, ao
dançar com a namorada, era muito bom, ajudava muito no jogo do amor. Leilah e
eu namoramos e noivamos ao som de boleros; depois de casados, continuamos
gostando de dançar como antigamente. Em 12 de setembro de 2008, comemoramos 55
anos de namoro – e haja bolero!
Na década de 1960, o bolero foi aos
poucos perdendo força no Brasil, com o sucesso da bossa nova, da jovem guarda,
de novas danças como o “rock and roll”, de forma que passou a ser uma música
dos mais velhos, coisa de coroa. Ainda assim, em 1967, quando fui ao México
pela primeira vez, quis trazer para a Leilah um disco com músicas de sucesso de
lá, daquela ocasião. No rádio do fusca que eu tinha alugado para conhecer mais
da Cidade do México, tão cheia de atrações, e, em especial, para visitar as
pirâmides de Teotihuacan, ouvi mais de uma vez uma canção romântica muito
bonita, numa interpretação diferente e personalíssima de um cantor que eu não
conhecia. A canção era “Adoro”, de Armando Manzanero. Comprei o disco,
long-play que contém as melhores músicas que ele compôs e cantou,
acompanhando-se ao piano: além de “Adoro”, “Esta tarde vi llover”, “Contigo” e
“No”. Embora ele tenha gravado vários discos, em geral bons e agradáveis, o
primeiro foi o melhor de todos.
De certa forma, Manzanero fechou o
ciclo, completou a coleção de boleros e canções mexicanas que permanecem muito
caras para mim e vivas nas recordações de amigos de minha geração.
Washington Luiz Bastos Conceição
Que maravilha!!! Por coincidência (ou não) , ainda hoje, eu e Marilena passamos um bom tempo ouvindo ... boleros, naturalmente lembrando muito de vocês, Washington e Leilah que sabemos serem bons apreciadores.. Abraços saudosos
ResponderExcluirFiquei sabendo de que você gostava de boleros, quando da publicação do livro. Andamos trocando figurinhas. Impressionante, para mim, é que isto aconteceu já faz onze anos! Um grande abraço.
ExcluirV.me fez lembrar minha mãe que, apesar de nunca ter aprendido espanhol, cantava muitos boleros e bem...passei a gostar de ouvir por causa dela...
ResponderExcluirAdoro boleros e tangos. Minha mãe vivia com o rádio ligado e eu aprendi a gostar desses generos
ResponderExcluirDe D.Izette, mãe de minha nora Adriana:
ResponderExcluirWashington, mais uma vez, me comovi com seus escritos. Helcio e eu dançamos muito ao som desses boleros que você mencionou. São músicas inesquecíveis!!! Ouvirei as que você mandou!
Abraços para Leilah e você.
Lembrei muito da senhora e do meu amigo Hélcio quando publiquei a crônica. A senhora vai gostar de ouvir aqueles boleros que selecionei. Dois deles são vídeos.
ExcluirDos almas que en el mundo habia unido Dios, dos almas que se amavam, eso eramos tu y yo... Não Washington, não é uma declaracao de amor a ti ������ mas quando você citou o nome do bolero a letra me veio à mente. Dancei muito bolero ao redor dos anos 50, baile sem bolero não colava... bastava a orquestra iniciar um e o salão lotava! Os cariocas do meu tempo devem lembrar dos salões da Associação dos Empregados do Comercio, na Rio Branco e os do Fluminense Football Clube que rivalizavam nos bailes de formatura e aniversarios mais sofisticados.
ResponderExcluirPimentel: "Dos Almas", grande sucesso na voz de Gregorio Barrios, é um bolero com letra da linha de desilusões amorosas: dois seres se amavam imensamente até que "surgió una sombra de odio que nos apartó a los dos" y "desde aquel instante, mejor fuera morir, ni cerca ni distante podemos ya vivir." Também dancei muito ao som desse bolero.
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