O plano era antigo, de uns dois anos atrás. Jurema,
minha filha, queria nos levar, a mim e Leilah, minha esposa, a Franca, para
visitar meu irmão Luiz Antônio e a família do Túlio, meu irmão mais velho, já falecido. Luiz Antônio,
bem mais moço do que eu, está, já há algum tempo, com grande dificuldade de
locomoção causada por um sério problema nos quadris; usa cadeira de rodas. Da família
do Túlio, tínhamos notícia, mas, com exceção
da Márcia, filha dele, fazia muito tempo que não nos víamos.
Afinal, este ano, Jurema, embora esteja a todo
vapor em seu trabalho, decidiu realizar a viagem recorrendo ao apoio da Márcia,
que costuma estar em Franca entre uma viagem e outra ao exterior. Ela organizou
o programa e Jurema providenciou nossa viagem do Rio para Franca, que seria de
avião até Ribeirão Preto e, de automóvel, desta cidade até Franca. Sabedores do
programa, o casal Roberto, meu cunhado, e Regina, prima da Leilah, que também
queria ver os francanos, aderiu ao programa. Beto, filho do Roberto, se encarregou
de acompanhá-los. Francisco, meu terceiro filho, que está fazendo um trabalho em São Paulo, também decidiu ir a Franca.
Franca é
uma cidade situada no nordeste do Estado de São Paulo, cujo município faz
divisa com Minas Gerais. A leste de Ribeirão Preto, dista 89 km desta
importante cidade paulista (cerca de 900.000 habitantes) e se liga a ela por
uma excelente rodovia. Fundada como freguesia da Vila Mogi Mirim em 1805, com o
nome de “Nossa Senhora da Conceição da Franca”, foi elevada a vila em 1824,
denominando-se “Vila Franca do Imperador”. Hoje, Franca é um importante
centro urbano, econômico e industrial,
com uma população estimada em mais de 350.000 habitantes, bastante conhecida
por sua indústria de calçados e pelo destaque no basquete nacional.
Parte da família de Osmar e Jurema, meus pais, se
estendeu para Franca. Como esses Bastos Conceição foram parar lá?
Tudo
começou com o Túlio. Ele, aos 24 anos, era rapaz feito, trabalhava no IAPI
desde os 14 anos, fazendo uma promissora carreira. Chegara ao cargo de agente
substituto, ou seja, gerente de agência, temporário, substituindo agentes em
férias ou licenciados em cidades do interior paulista. Esteve em várias delas,
em algumas por muitos meses. Quando foi designado para a agência de Franca, conheceu
Nenzinha, apelido de Maria Aparecida, namoraram e ficaram noivos. Quando se
casaram, ele já estava trabalhando em outra cidade do interior do estado. Foram
morar em São Paulo. Nasceram Eduardo e, depois, Márcia. Entretanto, como ele
continuava trabalhando em cidades do interior, a vida do casal, com duas
crianças, ficou difícil. Nessa ocasião, seu Antônio Rocha, pai da Nenzinha, ofereceu
ao Túlio a oportunidade de se associar à sua empresa e trabalhar com ele em Franca.
A Rochfer era, então, uma pequena indústria metalúrgica especializada em
turbinas e bombas de uso rural. Excelente técnico em mecânica e muito criativo,
inventor mesmo, Seu Antônio criou uma bomba de água que usava energia de uma roda
d'água, ideal para fazendas e sítios que não dispunham de energia elétrica em locais
remotos. Um produto de muita aceitação, com características técnicas que o
tornavam altamente eficiente. Seu Antônio queria expandir sua empresa, mas
preferia continuar com suas atividades técnicas, e chamou o Túlio para atuar
nas áreas de administração e finanças da empresa. Este aceitou o convite, decidiu
deixar o emprego público e enfrentar o desafio. Deu muito certo. A indústria se
expandiu, passou de um terreno no centro da cidade, junto à casa do Seu Antônio,
para um novo edifício construído especialmente para ela no distrito industrial
da cidade de Franca. Consolidou-se, dando ótimos resultados financeiros,
principalmente porque a bomba, seu principal produto, vendida em todo o País e também exportada, foi um grande sucesso. Aliás, continuamente
aperfeiçoada, prossegue sendo um importante produto da empresa.
Em Franca,
nasceu o terceiro filho do casal, Fernando.
Com o
sucesso da Rochfer, Túlio pôde realizar um sonho de infância que era ter uma
pequena fazenda. Começou com o que chamava de sítio, onde construiu inicialmente
uma espécie de clube, com uma grande piscina, vestiários, salão de festas,
salão de refeições, cozinha, despensa e dois apartamentos que usava enquanto
projetava e construía sua casa definitiva na fazenda. Sua construção foi
caprichada e, por isso, demorada, mas ficou como ele queria, bem grande e no estilo
colonial norte-americano. Tinha um apartamento completo para o casal e várias
pequenas suítes para os hóspedes. Resultou uma bela mansão.
O sítio
evoluiu, mediante compra de terrenos vizinhos, para uma fazenda de produção de
leite com criação refinada de gado leiteiro e instalações modernas para ordenha
e tratamento do gado. Para administrar este desenvolvimento, Túlio chamou Luiz
Antônio que, já casado e com filhos, morava em Goiânia, Goiás, e tinha se
especializado em desenvolvimento e administração de fazendas. Daí a mudança dele
e sua família para Franca. A fazenda se tornou um modelo do ramo de leite,
participou de vários concursos e recebeu prêmios importantes – um deles foi um
trator que o Luiz Antônio foi a São Paulo receber do governador do Estado.
Essa
situação durou vários anos. Nós, os parentes, visitávamos Franca e a
fazenda com frequência, especialmente nos feriados de final de ano e de carnaval.
Foram reuniões inesquecíveis, marcadas pela atenção e generosidade dos
anfitriões.
Esse
quadro foi se modificando com o passar dos anos. Ocorreram os falecimentos de
Osmar, de Seu Antônio e de D. Dina, sua esposa; Túlio, relativamente cedo,
decidiu se aposentar, passando a administração da empresa aos filhos. Estes a
conduziram com competência e, recentemente, passaram a administração aos filhos
da Márcia e integram o conselho da empresa. A Rochfer se mantém firme e forte
sob a administração da quarta geração, o que, como empresa familiar, é algo admirável.
A fazenda,
depois do falecimento do Túlio, passou a ser pouco utilizada e, com a
extraordinária expansão da cultura da cana na região, foi vendida para uma
empresa canavieira.
Túlio
faleceu em 2002. Jurema, minha mãe, que já sofrera, como todos da família, a
perda prematura de minha irmã, Maria da Penha, mudou-se para Franca em 2003 e
lá faleceu em 2007, aos 97 anos.
Leilah e
eu nos preparamos para a viagem a Franca que, para mim, era uma aventura. Por
que estou falando em aventura? Porque já não estamos, minha esposa e eu, em
condições físicas para considerar uma viagem, especialmente viagem aérea, uma
atividade normal. No planejamento geral, na compra das passagens, no
acompanhamento durante a viagem, os filhos ajudam muito (senão não poderíamos
sair de casa). Porém, na preparação final, as coisas que fazíamos sem problemas
anos atrás ficam muito mais difíceis para nós, idosos. A definição do que
teremos de levar (roupas, agasalhos, remédios mil, perfumaria, documentos,
dinheiro, cartões de crédito, celulares e seus carregadores); a retirada das
malas das prateleiras altas do armário e a acomodação da roupa, calçados e
objetos na bagagem (“Será que não estamos esquecendo alguma coisa?”) são agora
tarefas muito difíceis para nós.
O voo a
Ribeirão Preto estava programado para as dez da manhã do dia três de maio.
Nesse dia, levantamo-nos às seis horas da manhã, tomamos café, fechamos as
malas, preparamos a casa para nossa ausência e chamamos e embarcamos em um
carro da Uber. Chegamos ao aeroporto Santos Dumont e fizemos check-in. Jurema e
Alexandre chegaram logo depois e nos acompanharam ao embarque. Leilah e eu passamos
por uma revista especial; eu, por causa do marcapasso, e ela, porque estava usando cadeira de rodas, como costuma fazer em aeroportos. O encarregado da revista, além do procedimento normal, apalpou
meu peito para verificar se eu tinha mesmo o aparelho (as carteiras de “marcapassista”
e de identidade não foram suficientes). Concluí que há uma desconfiança de
golpe de falsos implantados de marcapasso. Também tive de tirar o tênis para exame.
Fui liberado.
Embarcamos
no andar térreo e, por causa da cadeira de rodas da Leilah, fomos de van até o
avião. Este era baixo, de modo que a escada de embarque tinha apenas seis
degraus. Jurema, Alexandre e os funcionários da empresa aérea ajudaram os velhos
a subir no avião e a se acomodarem nos assentos. Fizemos boa viagem.
Márcia
estava nos esperando no aeroporto de Ribeirão e nos levou em seu automóvel até
Franca. Alexandre e Jurema ficaram com amigos em Ribeirão e seguiriam para
Franca no dia seguinte.
Leilah e
eu chegamos ao hotel, fizemos o check-in e seguimos para a casa de Luiz Antônio
e Inês, sua esposa. Roberto, Regina e Beto chegaram de São Paulo, também via
Ribeirão, logo depois. Inês nos ofereceu um ótimo almoço. Iniciava-se uma bela
temporada gastronômica.
A Márcia nos recebeu, no sábado, com uma feijoada para todos da
família que estavam em Franca; no domingo, churrasco para o mesmo grupo; na segunda,
para parte do grupo (os mais jovens ainda trabalham), almoço para acabar com a
feijoada de sábado. Sempre com petiscos, acompanhamentos e bebidas variadas. Ainda
na segunda à noite, Inês convidou o grupo para o lanche.
Na terça, dia da
volta, Leilah e eu (dentre os visitantes, Francisco voltara a Atibaia, SP, no domingo, e os outros já tinham ido, na manhã da terça, a Ribeirão) decidimos
matar saudades do Barão, restaurante aonde o Túlio costumava nos levar e do
qual ele era frequentador especial tratado “à vela de libra”. O Barão conserva
suas características tradicionais. Conseguimos falar com um gerente veterano
que conheceu meu irmão, me apresentei e trocamos lembranças. Almoço muito
agradável e comemos bem; o programa foi uma ótima ideia da Leilah. Voltamos ao
hotel, fizemos o checkout e Eduardo e Márcia nos levaram ao aeroporto de
Ribeirão, desta vez no carro dele. Chegamos com bastante antecedência e
aguardamos Jurema e Alexandre, que tinham voltado a Ribeirão pela manhã. O voo
da volta não foi tranquilo. Primeiro, atrasou; porque, segundo informaram após
ter passado um bom tempo do horário de embarque, estava chovendo muito no Rio e
o Santos Dumont estava fechado. Após uma longa espera, embarcamos; foi um voo noturno com alguma turbulência. Ao nos aproximarmos do Rio chovia bastante; o piloto
teve de retardar o pouso (entendi que um avião que nos precedia teve de
arremeter ao tentar pousar). Enfim, estava acontecendo tudo que podia impressionar um velho
medroso. O pouso foi difícil, mas sem problemas. Bati palmas para o piloto, mas
poucos passageiros me acompanharam – vários olharam para trás, admirados. Passei
vergonha.
Chegamos
em casa umas duas horas depois do previsto. Tudo em ordem, graças a Deus.
Foi, para
mim, realmente uma aventura. E com final feliz. Uma reunião de que todos os
participantes guardarão uma lembrança muito agradável. O almoço de sábado se
destacou porque teve o maior quórum e foi o reencontro de muitos de nós, incluindo
aqueles que moram próximos uns dos outros. A casa da Márcia se presta de forma
excelente a esse tipo de reunião. Éramos mais de vinte pessoas, de quatro
gerações: a minha, de meus filhos e sobrinhos, dos filhos destes e de seus
pequenos netos. Contemplando o grupo, pensei: são todos descendentes de Osmar e
Jurema e dos pais dos respectivos cônjuges de seus filhos. A certa altura do
almoço tive vontade de fazer um discurso onde eu abordaria a construção da
família, imaginando o prazer que os ancestrais teriam em apreciar aquela reunião.
Não tive oportunidade, as pessoas estavam conversando animadamente abordando
diferentes assuntos.
Quando, outro
dia, me estimularam a escrever uma crônica sobre nosso memorável evento, aceitei
o desafio. E, o que é especial, a estou publicando no dia do aniversário
do Túlio.
Washington
Luiz Bastos Conceição
Nota: IAPI é a abreviação de “Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários”.
Então este seu leitor bate palmas pela crônica e pela aventura. Entendo perfeitamente o que é este reencontro de família. Parabéns.
ResponderExcluirQue bela aventura, Washington: nada melhor que um encontro de família, as quatro gerações em fina sincronia, matando velhas saudades e guardando no coração esses momentos felizes. Você soube captar, com a classe costumeira esse clima de paz e amor, que fez com que nós nos sentíssemos presentes curtindo reencontros e conhecendo a gente nova da nossa gente. Bem lembrado o aniversário do Tulio. Foi uma linda homenagem a ele, aos tios Osmar e Jurema que, onde estiverem terão amado essa reunião. Parabéns , primo. Isa
ResponderExcluirAdorei... manter os laços de família só nos ajudam a seguir em frente confiante.
ResponderExcluirLinda e fiel descrição do encontro familiar! Como você, primo, também pensei na perspectiva da descendência de Osmar e Jurema. E, na minha fé credito que de onde estão contemplaram esse momento tão especial, bem como, o empenho de todos para concretizá-lo. Sempre vale a pena! Parabéns!
ResponderExcluirWashington, embora não seja "Parente de Sangue" desta sua família tão simpática, sou "Parente de CORAÇÂO" e me honro muito disso.
ResponderExcluirParticipei deste ENCONTRO em Franca e gostei demais...Vamos repetir, foi muito bom.
Aproveito par dizer que meu e.mail abaixo está errado, esse não exite mais, faz muito tempo. Meu e.mail correto é o da "TERRA" que você me envia as mensagens para o meu computador.
Gostei muito da sua descrição do nosso encontro. Abraços a Leilah e toda família..... REGINA