sexta-feira, 10 de agosto de 2018

"Recessional"

Hoje, cara leitora ou prezado leitor, venho abordar um assunto sério, muito sério. Por que trazê-lo ao blog, no qual venho publicando, no mais das vezes, crônicas leves? Porque entendo que devemos trocar informações sobre algo que é da maior importância para os idosos e, como consequência, para seus parentes mais próximos.
Trata-se do plano de vida de pessoas de minha faixa etária (no mês que vem, completarei 86 anos). Então, pergunto: não se faz mister planejarmos nossos próximos anos de vida, considerando que, provavelmente, não serão muitos nem fáceis?
Como, em geral, nós os idosos não queremos “entregar a rapadura”, primeiro precisamos fazer com cuidado a manutenção da saúde, consultando as médicas e os médicos (geriatra, cardiologista, ortopedista e outros especialistas, conforme cada caso) fazendo os exames solicitados e nos submetendo aos tratamentos requeridos. Estou falando o óbvio, não? Mas nem sempre fazemos as coisas como deveríamos.
Outra providência importante é aperfeiçoar nossos procedimentos em emergências. Por exemplo, estabelecer um esquema de pedido de socorro por ambulância que nos leve ao hospital, sem termos de recorrer aos filhos ou a amigos. Tive um amigo que, antes dos oitenta, morando só com a esposa, fixou um quadro em uma parede do corredor do apartamento com as instruções e telefones necessários em casos de emergência. Vou seguir seu exemplo.
Informações pessoais, como senhas ou procedimentos administrativos domésticos, embora confidenciais, devem ser registradas de forma que alguém de confiança possa ter acesso a elas para nos substituir em eventual ausência. E mais, os documentos (de identidade, escrituras, etc.) devem estar arquivados de forma a ser encontrados sem grande dificuldade.

Quanto ao planejamento geral desta fase da vida, há questões fundamentais: até quando o idoso, ou o casal, terá recursos para sustentar seu atual nível de vida? À medida que nossas dificuldades físicas aumentarem e necessitarmos de maior assistência pessoal, doméstica e médica, para onde deveremos nos mudar?
A questão financeira poderá não ser problema, se o valor das aposentadorias e das reservas for suficiente para cobrir o total das despesas, considerando-se uma projeção razoável de expectativa de vida. Caso contrário, um plano de ajuste será necessário. A possível ajuda dos filhos deve ser considerada o último recurso.

A solução da moradia requer, também, uma análise séria. Vou me alongar neste tópico.
A tendência dos idosos, especialmente dos casais cujos filhos já saíram de casa, é procurar se manter na residência que adotaram há tempos, adaptados que estão ao nível de conforto e ao sistema de vida que vêm levando. Embora reconheçam que suas condições físicas não lhes permitirão continuar operando a residência, mesmo com auxílio de empregados, é difícil planejar mudar-se para um local que atenda suas novas necessidades. Porém, a não ser em casos de alta capacidade financeira, que lhes possibilite continuar em sua residência e contratar toda a mão de obra necessária, é preciso pensar em nova solução de moradia.
De vez em quando, durante o almoço de meu grupo de amigos, ex-colegas da IBM, octogenários ou quase, o tema vem à baila, pois alguns se mostram preocupados com o problema. Temos considerado soluções diferentes da tradicional (ou seja, a dos idosos irem morar com um dos filhos), embora ainda esteja sendo bastante adotada. Hoje, esta me parece, cada vez mais, inconveniente para pais, filhos e netos.

Eu, particularmente, entendo que a melhor solução é uma casa de repouso tipo hotel-residência, com apartamentos confortáveis, com áreas comuns para refeições e atividades sociais e recreativas, junto a um hospital, de forma que os residentes possam ter atendimento médico e de enfermagem adequados.
Encontrei um modelo para organizações desse tipo, descrito no livro “Recessional”, de James Michener, renomado romancista autor de vários best-sellers. Li vários de seus livros: “Hawaii”, “Poland”, “Centennial”, “Mexico” e outros, quase todos romances históricos, de forma que o tema de “Recessional” me surpreendeu. Faz tempo que o li pela primeira vez (foi publicado em 1994) e, agora que o assunto me interessa mais diretamente, estou relendo. Para mim, os problemas dos residentes e dos pacientes, bem como a solução apresentada, permanecem atuais. No livro, um romance, o autor descreve com detalhes o funcionamento de uma instituição para idosos, na Flórida, Estados Unidos, com três unidades conjuntas: a residencial, constituída de apartamentos com áreas comuns para os residentes; a unidade de atendimento médico (ou seja, um hospital) e outra de atendimento para doentes terminais. Michener não doura a pílula ao narrar casos de doentes de várias naturezas, mas mostra as soluções adotadas para o seu atendimento; enfatiza a socialização dos residentes, descrevendo os programas oferecidos e mostrando que a vida deles pode se tornar muito mais interessante do que se estivessem isolados, em suas antigas casas. Contudo, deixa claro que o estabelecimento, do jeito que foi construído e mantido, era para pessoas abonadas.
Voltando ao nosso caso real, é possível que já tenhamos instituições semelhantes, mas, apesar de eu ter pesquisado e me valido de informações de conhecidos, não sei de alguma tão completa quanto “Las Palmas”, aquela descrita no livro. As que pesquisei na internet buscando “casas de repouso”, mencionam vários serviços, mostram suas instalações com um forte aroma de marketing, mas não indicam uma conexão estreita com hospitais.
Minha esposa e eu, que nos sentimos bem instalados no Meia Lua, edifício grande com uma boa equipe de empregados, estamos pré-planejando nossa mudança quando o avanço da idade e a equação financeira a exigir. Se conseguirmos uma solução com o conceito do Las Palmas e que possamos pagar, provavelmente iremos adotá-la.

Comecei a crônica dizendo que o assunto era sério. Sua seriedade, não posso negar, provém do fato de que os idosos, embora esperançosos de ficar mais algum tempo neste mundo louco, sabem que estão se aproximando da “Magra”.
Quanto a mim, percebi que, ao tratar do planejamento de vida para os próximos anos, estou, de certa forma, seguindo minha avó Balbina. Esta, como já contei em crônica anterior, começou a preparar sua mortalha quando tinha uns quarenta anos, mais ou menos, mas teve de fazer uma sucessão de mortalhas porque elas iam se deteriorando e ela sobrevivia a todas. Faleceu, lúcida, aos 95 anos. De forma semelhante, continuarei, com Leilah, a fazer planos – e revisá-los, para aumentarmos a chance de ficar mais um bom tempo por aqui.

  
Washington Luiz Bastos Conceição




Nota:
“Recessional”, segundo informado no livro, significa: “Um hino ou outra peça musical tocada no final de um serviço religioso enquanto a congregação se retira”.



7 comentários:

  1. Da Hercília, minha prima, por e-mail: Washington, li sua crônica e em verdade é uma preocupação da nova geração de idosos, com características tão peculiares como longevidade, saúde, nova abordagem da vida e por ai vai.
    O mundo dito civilizado já está preocupado e mesmo já implantou politicas de Estado no sentido de aprender a lidar com esta "nova" geração rebelde. Anexo o resumo de uma reportagem que li recentemente e que representa uma das politicas alternativas muito interessante para lidar humanisticamente com problemas de nosso tempo, embora saiba que para o nosso País ainda é uma utopia. Enfim, utopias são sempre bem-vindas e confesso que quando li a reportagem completa com fotos, pensei imediatamente no nosso SUS.
    O seu enfoque é importante, pois trata de uma abordagem pessoal do problema em termos de planejamento. O que, confesso, não é uma tarefa fácil, pois não faz parte da nossa cultura. Tenho pensado em me mudar para um apartamento menor, mais funcional para a etapa que estou vivendo, mas tem sido muito difícil operacionalizar a ideia, mesmo não tendo nada material que me impeça de fazer isto, pelo contrário; e eu era uma mudancista nata. No entanto está na hora de uma reflexão mais séria sobre a questão proposta por você, não só em termos pessoais mas também coletiva.
    Um abraço
    Hercilia

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  2. Washington, as preocupações listadas por v. no seu blog não são apenas para serem seguidas pelos "mais idosos". Na vida que levamos hoje em dia, ela é para ser usada logo. Eu já tenho uma "pastinha" com o meu filho onde deixo os documentos e orientações sobre os seus direitos depois que eu me for. E tenho todos os meus documentos arquivados por tipo e apenas em um lugar. Se da vida nada se leva, pelo menos vamos deixar facilitada para os que ficam...

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  3. Washington.Ótimo comentário da Hercília e sua crônica não poderia ser mais atual, não só para nós, idosos, mas para os familiares também. Além disso. o título não poderia ser mais apropriado: verdade: estamos saindo de cena...Sou fã de James Michener e, como você, me surpreendi com o assunto fora de seus romances históricos. Cono sabe, nessa maratona da vida, eu corro um pouquinho à sua frente. Alguns cuidados já tomei, daqueles sugeridos, Outros, reluto em tomar: como Hercília também me manda o bom senso deixar a casa e partir para algo mais fácil e menos dispendioso de manutenção, em termos de trabalho e dinheiro. Mas...não sei:Vou ficando quieta no meu canto, como se tivesse muito tempo paela frente para decidir o assunto. Meu neto Alexandre, quando tinha 17 anos ( hoje tem 42) fez um intercâmbio na Austrália, onde um dos "pais australianos" administrava um estabelecimento modelo para residência de idosos, que virou meu sonho de consumo...mas só na teoria, na prática, acho que prefiro ficar por aqui mesmo. E por falar em pais, meu abraço pelo seu dia. Isa

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  4. De Tatiana Reis: Acho o tema além de sério difícil de lidar, não só para os pais, mas também para os filhos. Ser “pai e mãe” dos pais é uma experiência que desperta sentimentos diferentes: paz e alegria por termos chance de retribuir tanto carinho recebido; e ao mesmo tempo, doída e triste, pois não é fácil ver pai e mãe, herói e heroína das nossas vidas, frágeis ou sofrendo. Mas como diz meu pai: é inexorável!

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