sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Comandante Castro Lima – amigo de toda a vida

Nesta vida de idosos, cheia de restrições, Leilah, minha esposa, e eu ainda pudemos viajar para São Paulo, em 2013. Fomos visitar parentes-amigos e amigos-não-parentes.

Uma das atividades da visita foi um almoço memorável em um daqueles ótimos restaurantes italianos da capital paulista. Os participantes eram de São Paulo, capital, minha sobrinha de Franca e os cariocas que foram conosco à Pauliceia. Éramos cerca de 20 pessoas.

Entre os participantes estavam Luiz Antônio Castro Lima e sua esposa Kilza.

Como de hábito, na situação de visitante prestigiado pelos amigos, fiz um breve discurso. Começando com uma situação levemente embaraçosa (ao me levantar houve um deslizamento da calça que mostrou rapidamente um pouco da roupa de baixo que eu usava para me preservar do frio hibernal paulistano, o que animou o ambiente), agradeci a presença dos amigos, mencionando os dois argentinos presentes e comentando que o outro argentino que visitava o Brasil não pôde estar conosco por causa de seus muitos compromissos (era o Papa Francisco). E destaquei que, de todos que ali estavam, o Luiz Antônio era a pessoa que eu conhecia havia mais tempo, pois éramos amigos havia mais de 70 anos!

Washington e Luiz Antônio Castro Lima no almoço de 2013



Depois desse agradabilíssimo evento, Leilah e eu visitamos Luiz Antônio e Kilza, pelo menos duas vezes, em São Paulo, conversamos por telefone de vez em quando e passamos, também, a nos comunicar por WhatsApp. Ele vinha tendo alguns problemas de saúde que o enfraqueceram, de tal forma que, em 29 de março de 2021, recebemos a seguinte mensagem da Kilza:

“Caríssimos Leilah e Washington,

Lamento ter de participar a triste notícia. Luiz Antonio nos deixou nesta sexta feira...

Agora, são só saudades.

Votos de saúde a todos vocês.

Abraço, Kilza”

A tristeza em nossa família foi muito grande; além de nós, Leilah e eu, nossos filhos gostavam muito do grande amigo. Desde então, desejo muito escrever sobre nossa amizade e só este mês criei coragem para controlar a emoção e publicar esta crônica.


Luiz Antônio e eu nos conhecemos porque meus pais eram amigos de seus pais. Ele era da mesma idade que eu – dois meses mais moço. Tornamo-nos amigos aos onze anos.

No livro Osmar e Jurema (sobre meus pais), conto assim:

"Uma grande amizade de Jurema e Osmar, que duraria a vida toda, foi a que tiveram com D. Iracema e Dr. Renato. Conheceram-se porque ela era irmã de Dona Irene, amiga dos tempos da Pensão Brasil. O casal tinha três filhos: Luiz Gastão, mais velho que o Túlio (meu irmão mais velho) , Luiz Antônio, da minha idade e Ana Lúcia, que regulava com a Maria da Penha (minha irmã). D. Iracema era uma mulher ativa, sociável, gostava de participar das atividades dos filhos e seus amigos, e Dr. Renato, advogado, um senhor calmo, intelectual, não deixava transparecer que tinha em seu currículo as atividades de delegado de polícia no interior do Estado de São Paulo."

É admirável que minha amizade com Luiz Antônio, tão longa, tenha se mantido, apesar de termos seguido carreiras muito diferentes, de termos morado, a maior parte do tempo, em distintas cidades. Ao longo dos anos encontrávamo-nos e nos comunicávamos com alguma frequência e, em cada oportunidade, era como se tivéssemos nos visto na véspera.


Vêm-me à lembrança os vários encontros que tivemos durante nossa duradoura amizade.

Os meninos, Luiz Antônio e eu, moravam em bairros diferentes, distantes um do outro, mas as famílias se visitavam. De vez em quando, íamos à Vila Mariana e eles a Heliópolis (um bairro distante do centro da cidade, tranquilo, com ares de cidade do interior).

Tivemos boa convivência. Uma ocasião, quando minha mãe teve de ir ao Paraná para ver os parentes, eu estava iniciando o curso ginasial e já não podia ir com ela. Fiquei hospedado por cerca de um mês na casa do Luiz Antônio. Algum tempo depois, ele passou algumas semanas de férias comigo em Ponta Grossa, ambos hospedados por tio Lascínio e tia Jósea, irmã de minha mãe.

Lá pelos nossos doze anos, ambos no ginásio, eu ainda não pensava em carreira profissional, mas Luiz Antônio já tinha decidido que seria oficial da Marinha. Eu relacionava essa escolha com o fato de que ele nadava muito bem e até saltava de plataformas. Pois ele viria mesmo a fazer o curso da Escola Naval e a carreira de  oficial da Marinha.

Jovens, já formados (ele oficial da Marinha e eu, engenheiro), ele morando no Rio e eu em São Paulo, nos encontrávamos principalmente nas férias. Estivemos, mais de uma vez, com outros amigos, na casa de praia que os pais dele tinham em São Sebastião, no litoral norte do estado de São Paulo. Eram reuniões excelentes, de jovens adultos, gerenciadas firmemente por D. Iracema.

Quando entrei na IBM, uma das fases do treinamento inicial foi feita no Rio. Nessa ocasião, Luiz Antônio, ainda solteiro, me hospedou no apartamento dele.

Luiz Antônio e Kilza Setti se casaram algum tempo depois de meu casamento com Leilah. Esta já conhecia Kilza, musicista, compositora, porque a irmã dela, Odileia, era sua contemporânea na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo.

Tornamo-nos, então, casais amigos. E mais, eles também mantiveram amizade com Maria da Penha, minha irmã, e Roberto, seu marido, em cuja casa, em São Paulo, costumávamos nos encontrar quando, já residentes no Rio, íamos a São Paulo.

Quando me mudei para o Rio, Luiz Antônio não estava morando aqui, estava servindo em outra cidade, mas, na década de 1980, voltou ao Rio em designação temporária, instalando-se em um apartamento que tinha em Ipanema. Kilza e as duas filhas permaneceram em São Paulo, onde ele passava os fins de semana. Nesta fase, ele veio jantar muitas vezes conosco, tornando-se amigo também de meus filhos. Uma das vezes que a Kilza veio ao Rio no final de semana, nos ofereceu uma bela lasanha, por ela preparada.

Luiz Antônio, após servir a Marinha em várias cidades, foi reformado pela idade e fixou definitivamente residência em São Paulo. Em nossas viagens a essa cidade, nosso programa incluía um encontro com o casal. Uma ocasião, Leilah e eu fomos, do Rio, visitá-los na casa que tinham em Itamambuca, praia do município de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Mantínhamos, portanto, contato frequente com eles.

Quando viajar, para nós, idosos, ficou difícil e, depois, quando sobreveio a pandemia da Covid-19, nossa convivência se reduziu a comunicações telefônicas.


Na vida, amigos não contabilizam gentilezas e atenções. Contudo, acho que fiquei devedor a ele por um grande favor, quando, conforme já mencionei, ele me hospedou no Rio em 1960.

Quando entrei na IBM, em São Paulo, a primeira atividade do nosso grupo de profissionais, admitido para a comercialização e instalação de computadores, foi um intenso treinamento técnico, realizado parte em São Paulo e parte no Rio de Janeiro. Na fase do Rio, recém-casado, vim com a Leilah à Cidade Maravilhosa para escolher o hotel em que deveria me hospedar por cerca de dois meses. Embora estivéssemos procurando um apenas confortável, nada de luxo, tivemos muita dificuldade para encontrar aquele que satisfizesse, dentro da verba estabelecida pela IBM (condição diferente da que tivemos depois, ao longo da carreira na empresa, quando viajávamos a trabalho: o orçamento permitia hospedarmo-nos em hotéis muito bons). Fui, então, procurar o Luiz Antônio que, ainda solteiro, morava em seu apartamento no bairro de Laranjeiras. Ele me hospedou pela temporada e eu pagava apenas minhas despesas. Em casa, tomávamos o café da manhã e fazíamos lanche à noite. Os fins de semana eu passava em São Paulo.

Foi uma extraordinária gentileza que ele fez da forma mais natural, simples, como era de seu feitio. Favor inesquecível!


Meu grande amigo de infância, o garoto exemplar que inspirou meus pais a darem o nome Luiz Antônio ao meu irmão caçula, manteve-se, até a idade provecta, uma pessoa extremamente simpática, de convivência muito agradável. Deixou muita saudade, sim, como disse Kilza, mas na sua lembrança nossa amizade continua e, em 2023, completará oitenta anos.

Washington Luiz Bastos Conceição