quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Tempo de Leitura – com Érico Veríssimo

Após um período de ler, quase que exclusivamente, livros e outras publicações como base para meus escritos, voltei à leitura de lazer. Há dois meses, resolvi ler e reler obras de Érico Veríssimo, começando com o Solo de Clarineta, seu livro de memórias, impresso, que temos em nossa estante há anos e eu não tinha lido ainda. Paralelamente, li, na versão e-book, os romances “Caminhos Cruzados”, “Clarissa” e “Olhai os lírios do campo”.

Essa curiosa forma de leitura concomitante me permitiu acompanhar as observações que o autor fazia, na autobiografia, sobre os personagens de seus romances.

Pela experiência que adquiri com meus escritos, ao mesmo tempo que aprecio os livros, tenho observado a forma de escrever do autor, seus enfoques, seus “cortes” de cenas, suas descrições dos ambientes e dos personagens, com as respectivas características físicas e mentais.

Meu pai tinha admiração por outros escritores, como Lígia Fagundes Teles, por exemplo, que ele conhecia pessoalmente, mas observei que Érico Veríssimo era seu escritor favorito, no que minha mãe o acompanhava. Daí a oportunidade que tive de ler, na juventude, vários de seus livros, especialmente a trilogia do Tempo e o Vento, certamente sua obra-prima. Contudo, embora tivesse em casa, há muitos anos, os dois volumes do “Solo de Clarineta” (que Leilah, minha esposa, leu e apreciou muito) somente este ano lembrei-me do livro e resolvi ler. Talvez tivesse mesmo de acontecer assim, pois estou podendo usufruir mais do livro depois que ganhei experiência ao contar minhas próprias histórias.

Além de nos narrar, de forma aberta e sem autocomplacência, os fatos de sua vida, desde a infância, ele expõe seus sentimentos e suas impressões durante as ocorrências. Em particular, comenta como concebeu e desenvolveu seus romances, como criou seus personagens. Muitos destes, inspirados em pessoas conhecidas (várias de sua família), personagens que ele criava e, depois, ao longo da história, ganhavam, segundo ele, vida própria. Exemplos são médicos que aparecem em seus romances, dedicados e magnânimos, personagens inspirados no avô paterno de Érico, e o Capitão Rodrigo, do Tempo e Vento, que, em parte, tinha características do pai do autor.

Algo que me impressionou muito foi a menção dos livros que Érico leu desde sua juventude, não só pela quantidade, como pela variedade e importância dos autores. Ele se valeu muito de seu conhecimento de vários idiomas, principalmente do Francês e do Inglês, além do Português e do Espanhol. Erudito, mencionou com frequência frases de escritores célebres. Particularmente, me deixou envergonhado quando, ao contar sua viagem à Grécia, em que visitou vários locais históricos, mostrou familiaridade com a mitologia grega e com filósofos, poetas e dramaturgos da Grécia antiga, citando pronunciamentos deles. Também é notável sua menção frequente de obras de música clássica, em que demonstrou conhecimento respeitável. A rica biblioteca e o gramofone de seu pai proporcionaram a Érico a oportunidade de boa leitura e de ouvir boa música desde a infância. 

O “Olhai os lírios do campo”, livro que impulsionou sua destacada carreira de escritor, li ainda jovem (há mais de setenta anos) e reli agora. Impressionou-me como eu não me lembrava nada da história, de forma que valeu como primeira leitura. Dramático, o romance aborda assuntos delicados da sociedade, com personagens fortes de comportamento característico e de diferentes camadas sociais. Nestes dias, estou mergulhado no “O Continente”, da trilogia “O Tempo e o Vento”; já reencontrei Ana Terra, Pedro Missioneiro e Pedro Terra e estou revendo agora um certo Capitão Rodrigo, que surge na história ao entrar em uma venda da pequena Santa Fé e saudar os presentes com a frase da qual jamais me esqueci. Foi assim:

“Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido: — Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!”

Tenho vários livros por ler que ganhei recentemente, mas, no meu hábito de leituras concomitantes de livros impressos e de e-books, sei que vou me manter na companhia de Érico Veríssimo por mais um bom tempo.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:

Cara leitora,  ou prezado leitor:

Meu hábito de leituras concomitantes foi causado pela dificuldade que tenho em ler livros impressos na cama, ao me deitar – eles se tornaram pesados para mim, não me ajeito ao sentar-me na cama e uma iluminação mais forte pode perturbar minha cara metade. Em consequência, essa leitura noturna é feita em e-books, no telefone celular, onde tenho minha biblioteca particular. Os livros impressos são lidos em poltrona da sala de estar, onde também leio e-books (aliás, como vivo comentando, estes leio até nas salas de espera de médicos, dentistas e laboratórios clínicos).

4 comentários:

  1. Há mais de dez anos que não leio livros de papel. Depois que operei catarata, aproveitando o ato, para colocar lentes (cristalino) multifocais. Com estas posso ler textos minúsculos, no celular.
    Já cheguei a comentar, que minha tristeza em ter um horizonte de vida curto, decorre, também, de existirem vario livros que não poderei ler!

    ResponderExcluir
  2. Excelente lembrança de Érico Veríssimo.

    ResponderExcluir
  3. Música ao Longe e Clarissa foram as minhas leituras mais queridas da minha adolescência... tenho, até hoje, um carinho imenso por essas duas obras... apesar de concordar com v.sobre o peso dos livros incomodarem um pouco a leitura noturna, ainda amo livros em papel🤭

    ResponderExcluir
  4. Muito interessante sua crônica. Ler também é um dos meus maiores prazeres.

    ResponderExcluir