sábado, 22 de fevereiro de 2014

O velho torcedor e a copa do dualismo



Se há uma ocasião em que os brasileiros se unem esperançosos em torno de um desejo comum é quando a seleção brasileira de futebol participa de uma copa – em especial da Copa do Mundo. A grande maioria de homens, mulheres e crianças torce com paixão, sofre e vibra intensamente com os resultados. Esse esporte é nossa especialidade, trouxe destaque ao nosso País quando este era apenas conhecido como um longínquo país sul-americano subdesenvolvido. Torcer pela seleção passou a se confundir com a torcida pelo Brasil como nação, tornou-se manifestação de patriotismo. Por mais que tentemos ser razoáveis, considerando o valor maior de nossas realizações que acompanham o desenvolvimento mundial, a paixão pela seleção permanece. Exemplo recente foi a indignação causada aqui por um jogador brasileiro que optou por participar da seleção espanhola. Indignação que fez alguns o considerarem um “traidor da Pátria”!


Eu, torcedor da seleção

Fui um torcedor fanático da seleção brasileira de futebol. Agora, procuro torcer moderadamente, desencantado com o enfraquecimento de nosso time, consequência da incapacidade dos dirigentes responsáveis por esse esporte no País. Não estou otimista quanto à conquista do título da seleção  em 2014, mas me agarro à esperança de que os jogadores se superem. Não estou otimista porque, embora a seleção tenha conquistado a Copa das Confederações no ano passado, algumas das seleções mais fortes atualmente, como a Argentina e a Alemanha, não competiram; e algumas outras estão no nível da nossa. E mais, ainda há a escrita de que a seleção campeã daquela copa não ganha a Copa do Mundo disputada no ano seguinte! Bato na madeira três vezes.

A taça cobiçada por mais de duzentos países
Minha paixão por esporte foi sempre futebol, acompanhando as partidas com emoção, desde garoto, nos estádios, pelo rádio e pela televisão.

Quando tomei consciência do esporte, no início da década de 1940, a segunda guerra mundial estava em pleno desenvolvimento, de forma que a disputa da Copa do Mundo, que havia se iniciado em 1930, no Uruguai, foi interrompida após o campeonato de 1938, realizado na França. Mas campeonatos sul-americanos eram organizados normalmente e a Argentina deitava e rolava, era praticamente imbatível – o Brasil disputava o segundo lugar com o Uruguai. As outras seleções, que hoje são adversários à altura, eram bem mais fracas.

Minha atuação como torcedor da seleção se iniciou com a copa de 1950, realizada no Brasil, a primeira após a guerra. Infelizmente, esse ano foi, talvez, o mais ocupado da minha vida, pois resolvi fazer o terceiro ano do curso colegial concomitantemente com o cursinho para o vestibular, ambos muito “puxados”. Em resumo, eu não tinha tempo para nenhum lazer – cinema, futebol, festas, nada – de forma que mal acompanhei as notícias e os resultados dos jogos. A seleção brasileira estava demolidora, franca favorita, dava-se ao luxo de usar dois times, mas, na partida final, entrou de salto alto, com brigas internas, e aconteceu o famoso “maracanazo”: o 2 a 1 para o Uruguai, de triste memória.

Acompanhei melhor a seleção nas outras copas, de 1954 a 2010. Minha torcida pela seleção sempre foi sofrida, com emoções fortes, e esperançosa, uma vez que ela se destacou muitas vezes na competição. Afinal seu currículo é excelente: 5 vezes campeã, duas vezes vice, única seleção não europeia e vencer na Europa e única a participar de todas as copas.


É interessante recordar a evolução da forma de acompanhamento. Durante as copas de 1954, realizada na Suíça, de 1958, na Suécia, de 1962, no Chile, e de 1966, na Inglaterra, torci pelo rádio. Era a forma mais sofrida de fazê-lo, pois os locutores também eram torcedores e influenciavam os ouvintes. Em 1954 e 1958, filmes dos jogos (usando o critério de melhores momentos) eram apresentados na televisão; nas copas de 1962 a 1966 já pude assistir, pela televisão, a vídeo tapes completos no dia seguinte ao da realização de cada jogo. De 1970 em diante, passei a assistir pela televisão, ao vivo. Em 1994, nos Estados Unidos, assisti nos estádios aos jogos da seleção até as quartas de final e os demais pela televisão, no Brasil.

Passo a resumir minhas lembranças de torcedor de copas:

Em 1954 a copa foi realizada na Suíça. O velho torcedor se lembra do jogo, nas quartas de final, em que o Brasil foi eliminado pela Hungria. Esta tinha um timaço (Puskas, Kocsis e companhia), o melhor da copa. Ganhou bem do Brasil e acabou perdendo na final para a Alemanha.

Em 1958, copa na Suécia, vibrei muito com a primeira vitória do Brasil no mundial. A minha “participação”, aos 25 anos, foi maior, sofrida, e merece ser contada em uma crônica especial, que publicarei em breve. 

No Chile, em 1962, o Brasil brilhou novamente, com vários jogadores da equipe campeã de 1958 e contou com uma superação notável do fabuloso Garrincha, que ficou para a história. Seu desempenho excelente compensou a saída do Pelé, por contusão grave, na segunda partida. 

Em 1966, na Inglaterra, a seleção brasileira foi um fracasso, não se classificou no seu grupo para a fase das quartas de final. Além de erros de planejamento e organização, tivemos pela frente Hungria e Portugal, este com um grande time (você ouviu falar do Eusébio?), que se classificaria em terceiro lugar, sua melhor colocação em uma copa do mundo até hoje. Para ser sincero, lembro-me muito pouco desta Copa. Talvez por ter sido o pior desempenho da seleção em copas do mundo, minha defesa de torcedor foi esquecer-me dela. 

Em 1970, no México, a seleção conquistou o tricampeonato. Modificações importantes nessa copa foram a transmissão direta dos jogos pela televisão para o Brasil, ao vivo, e a possibilidade de assistir aos jogos em casa, aproveitando a diferença de fuso horário. No meu caso particular, a grande novidade foi a companhia dos meus filhos na torcida pela seleção. No mais, fui um dos noventa milhões em ação, que sofreram bastante durante as partidas e vibraram muito com a vitória dos craques daquela seleção maravilhosa. 

Na ocasião da copa de 1974, na Alemanha, eu estava viajando, assisti pela televisão a dois jogos da seleção no México, mas depois, quando segui para os Estados Unidos, não foi possível, porque as transmissões eram restritas. Em Nova York, os jogos estavam sendo exibidos no Carnegie Hall, mas nem tentei ir até lá. Naquela copa, em que brilhou intensamente o time da Holanda (a “laranja mecânica”, o “carrossel”) a Alemanha voltou a ser campeã e se tornou bi. 

Em 1978, a copa da Argentina, a seleção do Brasil foi, para nós, a campeã moral – terceiro lugar, invicto! – pois a seleção argentina, que empatara com a brasileira, se classificou após aquela partida esquisita contra o Peru, caso ainda muito lembrado. Com isso, a Argentina foi à final e ganhou da Holanda. Nossa seleção, que tinha bons jogadores (Rivelino, Zico e Nelinho, por exemplo) venceu a Itália e ficou em terceiro lugar. A torcida foi muita, como de hábito, e sofremos um bocado. 

A seleção brasileira que participou da copa da Espanha, em 1982, é lembrada sempre pelos craques brilhantes que reuniu, e pelo futebol arte que apresentou. Mais uma vez, assisti pela televisão a parte dos jogos no Brasil e parte fora, desta vez nos Estados Unidos, em Houston. No jogo contra a Itália, torci com brasileiros que encontrei lá, mas a comemoração que eles haviam preparado se transformou numa reunião de funeral. 

Em 1986, a copa foi novamente realizada no México. Outra vez, coincidiu em parte com uma viagem nossa, da família, desta vez à Califórnia, para assistir às solenidades de formatura de meu filho Cássio em Stanford. Este e seus amigos estavam acompanhando a copa, torcendo pelo Brasil, devidamente uniformizados com a camisa canarinho. O ambiente era muito festivo. A eliminação do Brasil pela França, por pênaltis, nas quartas de final, aconteceu quando a seleção vinha melhorando e havia esperança de uma nova conquista da taça. Ficou o amargor da derrota nos pênaltis, com a falta de sorte do zagueiro Júlio César, ao chutar a bola na trave, e do Carlos, o goleiro, quando a bola, depois de se chocar com a trave, voltou, bateu em suas costas e entrou no gol. 

Em 1990, a Itália voltou a sediar a copa, depois de muitos anos. Dessa vez, eu estava no Brasil, sofri com aquele time, que tinha bons jogadores; seu desempenho, porém, foi medíocre. Embora tenha se classificado para as oitavas de final, foi eliminado pela Argentina. Na final, torci pela Alemanha, pois tanto esta como a Argentina se tornaria tricampeã ao vencer em 90. Nessa situação de igualdade contábil, eu queria que se mantivesse a liderança do Brasil nas Américas. Foi um jogo muito difícil mas a Alemanha ganhou. 

A copa de 1994, na qual o Brasil se tornou tetracampeão, foi muito especial para mim e, assim como a de 1958, merece ser detalhada em uma crônica especial, que publicarei em breve. 

Em 1998, apesar de nosso otimismo habitual de brasileiro tetracampeão, eu acreditava que, na terra deles, os franceses iam fazer tudo que fosse possível para conseguir, afinal, seu primeiro título de campeões da Copa. E me parece que, realmente, além de preparar muito bem a seleção, fizeram tudo que foi possível. Ou você, caro leitor ou prezada leitora, achou normal o comportamento de nossos jogadores naquela final Brasil versus França? Fomos “apenas” vice-campeões, o que poderia ser muito para os torcedores de outras seleções mas não era grande coisa para o torcedor brasileiro tetracampeão. 

Em 2002, na Coréia e no Japão, o tão almejado pentacampeonato. Desta vez, quando a copa se iniciou, Leilah e eu estávamos visitando minha filha em Monterrey, no México, onde ela estava trabalhando. Assisti aos primeiros jogos pela televisão de lá e concluí meu trabalho de torcedor aqui no Rio, com a grande satisfação de ver o Cafu levantar e beijar o caneco enquanto enviava uma mensagem de amor para a mulher. Claro, essa satisfação, essa alegria, não veio de graça, sofri bastante, pois nas partidas há sempre momentos difíceis em que parece que vai tudo por água abaixo. A seleção do penta foi um grande time, com um grande técnico. O desempenho do Felipão foi fundamental para a obtenção do título. Nos cinco campeonatos, foi neste que eu mais senti a influência do técnico na atuação dos jogadores. 

Em 2006, eu sabia que seria quase impossível a seleção brasileira vencer a copa – e falei para meus filhos. Minhas razões para esse vaticínio eram: primeiro, os alemães, como os franceses em 1998, iriam fazer de tudo para ganhar em casa e chegar ao tetra; segundo, para os europeus em geral e para a FIFA em particular, era importantíssimo que vencesse uma seleção europeia. O que eu não previ foi a exagerada influência, nos jogadores brasileiros, de fatores estranhos ao futebol em si, que prevaleceram, fazendo com que o desempenho deles deixasse muito a desejar. Minha torcida nesta copa foi contra, principalmente, a Alemanha e a Itália, os dois países que poderiam alcançar o tetra. Por essa razão, na final, torci pela França, mas tive de engolir o tetra da Itália. Meu desencanto com a seleção de 2006 foi muito grande, me desanimou. Embora continue torcendo, meu entusiasmo, desde então, não tem sido o mesmo. 

Assisti, pela televisão, em casa,  tranquilamente, aos jogos da copa de 2010, realizados na África do Sul. Eu não esperava um bom desempenho da seleção, de modo que a decepção não foi grande. É claro que, quando a seleção avançou até as quartas de final, tive alguma esperança de título, mas o time perdeu para a Holanda e não foi adiante. A seleção espanhola foi a grande campeã, obtendo seu primeiro título da copa do mundo. Essa final, uma vez que o Brasil já estava fora, foi a melhor para mim, porque nenhuma das duas seleções tinha, ainda, conquistado a copa. Seria uma primeira estrela na camisa, longe das nossas cinco.

A copa do dualismo

Este ano, os jogos da copa serão realizados no Brasil, por decisão da FIFA, em 2007, em solenidade memorável pelo apoio festivo do então presidente da República e de personalidades de destaque no País.


A eleição do Brasil e a comemoração
Apesar do tempo decorrido desde aquela decisão, chegamos a três meses da copa com a percepção de que não serão cumpridos pelos responsáveis vários dos compromissos assumidos, relativos à execução das obras, especialmente em estádios e aeroportos. Por outro lado, há a preocupação com manifestações de rua contra o dinheiro gasto pelo governo, as quais poderão prejudicar o evento. Jornais e revistas vêm publicando com frequência artigos que preveem fortes manifestações e, outros, que criticam os gastos, mencionando altas cifras.

O quadro atual nos leva a temer um fracasso na organização, um fiasco na realização do evento, por mais que autoridades, como de hábito, prometam que tudo sairá muito bem.
Confesso que eu, o velho torcedor de copas do mundo, estou confuso, pois quero, novamente, acompanhar o desenrolar da copa, assistir aos jogos e torcer pela seleção, mas não posso concordar com excesso de gastos de dinheiro público. Quanto ao que foi planejado em termos econômicos, porém, não esqueço de que houve uma avaliação prévia dos benefícios que o evento traria e, agora, estão sendo desconsiderados ou minimizados. 

Esse dualismo que me afeta deve estar perturbando muita gente, até os próprios manifestantes. 

Washington Luiz Bastos Conceição 




 Nota: A foto da taça foi copiada do site da FIFA; as outras duas, da Wikipedia.