Mais de uma vez, recebi de amigos, por e-mail,
apresentações sobre a evolução dos instrumentos de cálculo. Em geral, vêm em
quadros de Powerpoint com figuras e fotos de máquinas de calcular de várias
épocas, chegando até os computadores e a internet.
Outro dia, minha prima Isa (que enriqueceu meu blog
com alguns de seus escritos) enviou uma dessas apresentações a um grupo nosso, de
parentes, comentando:
“Imagino que o Washington conheça tudo isso "ao vivo e em cores", mas acho que
vale a pena recordar os tempos passados, não tão velhos, mas parecendo da pré-história...
Abrs.”
Outro primo acrescentou:
“Interessantíssimo, Isa... Eu não conhecia essa ótima
resenha histórica, que bem merecia uma crônica do Washington, conhecedor
profundo do assunto. E aí, primo, que tal a ideia?”
“Conhecedor profundo” é exagero do primo. Porém, realmente,
por força de minhas atividades na IBM, estudei os computadores eletrônicos (ou
seja, os “sistemas eletrônicos de processamento de dados”) e suas aplicações; trabalhei
muito na divulgação dos mesmos, desde o tempo em que eles eram uma novidade um
tanto misteriosa, de ficção científica, e, por esta razão, apelidados “cérebros
eletrônicos”.
Atualmente, são instrumentos de trabalho utilizados
nas mais variadas áreas de atividades; ligados à internet, alcançam o mundo
todo. Com a evolução da telefonia celular, de uma forma ainda mais intensa.
As aplicações dos computadores se estenderam
rapidamente desde a área de cálculo e escrita, onde permitiu o aperfeiçoamento
da administração de todas as organizações, empresas e governos, até as áreas de
imagem e de som, facilitando enormemente os trabalhos gráficos e musicais.
Assim, a tecnologia da informação passou a servir também às artes. Nas
atividades científicas, ligados a aparelhos especiais, os computadores estão
sendo fundamentais para novas pesquisas, estatísticas e simulações.
Pensando nessa evolução, tão rápida, dos
computadores eletrônicos digitais (no Brasil, começaram a ser utilizados no fim
da década de 1950), pareceu-me oportuno, atendendo à sugestão do primo, comentar as etapas dessa evolução.
Começo, nesta primeira parte da história, comparando os recursos que temos hoje com os instrumentos de
trabalho utilizados na época em que eu era estudante de Engenharia em São
Paulo.
Mediante
a utilização de computadores eletrônicos há, hoje, para cálculos os mais
variados, programas aplicativos específicos; para cálculos em geral, planilhas
eletrônicas com recursos cada vez mais avançados. Para projetos de Engenharia e
Arquitetura, software do tipo CAD (Computer Assisted Design) e outros
específicos (para cálculo de estruturas, por exemplo). Para artes gráficas, o
“Corel Draw” é muito utilizado. Para trabalho com imagens, os de uso
geral e aqueles especiais para diagnósticos médicos. Para a escrita, os
processadores de textos, com grande variedade de formatação e de fontes, mais correção ortográfica e recursos avançados, os quais só
descobrimos quando aparece uma necessidade nova.
Com o
advento e a evolução da internet, então, os recursos de que dispomos para as mais
variadas atividades se aproximam do infinito.
Quais eram, na minha época de estudante, os instrumentos de que
dispúnhamos e que foram desenvolvidos por cabeças brilhantes, durante anos e
anos?
Para
cálculos, tínhamos a régua de cálculo, com a qual alguns colegas já tinham
contato desde o colégio, as máquinas mecânicas de calcular tipo “Brunsviga”, as
máquinas de somar e, especialmente no caso dos nisseis, o soroban.
A
régua de cálculo era bastante usada para cálculos rápidos que não exigissem
grande precisão. A de pequeno tamanho era ostentada, como uma espécie de
distintivo de estudante de engenharia, no bolso superior do paletó, junto à
lapela (pois é, usávamos paletó na escola); as réguas maiores, de precisão mais alta, eram usadas sobre a mesa.
Usada
para multiplicações e divisões, não deixa de ser um ábaco. Consiste em duas
réguas com escalas logarítmicas e um cursor. O cálculo é feito deslizando-se a
régua interna e o cursor, posicionando-os de acordo com os números
dados. Na multiplicação, o que se está fazendo é somar logaritmos dos fatores
para obter o logaritmo do produto, ou seja, está sendo aplicada a fórmula:
log(AxB) = logA + logB.
O
cuidado que se deve ter com a régua é quanto à precisão (2x2 pode resultar
3,9) e, principalmente, quanto à ordem de grandeza, pois a operação de 2x3
(=6) é a mesma de 2x30 (=60).
Abaixo,
minha régua grande, de mesa, que guardo em meu micromuseu de tecnologia (este ocupa três
prateleiras da estante da saleta do apartamento).
Fabricada
na Dinamarca, marca Diwa, ela foi comprada com certo sacrifício. Em seu estojo,
traz algumas instruções impressas em Francês sobre como cuidar dela, que
terminam com a frase: “Se você tratar bem da régua de cálculo Diwa, ela
permanecerá sua amiga para a vida inteira.” Tratei bem dela, agora conservada
como relíquia, de modo que continua minha amiga.
A
máquina de calcular mecânica de mesa (“desk top”, portanto), do tipo
“Brunsviga”, era essencial para cálculos de grandes números, como
nos trabalhos de Topografia, por exemplo. Neste caso, a precisão exigida era
muito grande e os números eram muitos. A máquina calculava mediante engrenagens
e era operada mediante manivela e teclas de posicionamento. Cansava o braço.
Usada
em empresas, era cara para a maioria dos estudantes, de modo que utilizávamos
as máquinas da Escola (a Politécnica) nos respectivos departamentos.
Abaixo,
a foto de uma “Brunsviga”.
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Fonte: Site retrocalculators,com |
O
aperfeiçoamento neste tipo de máquina foi torná-las elétricas, de modo que sua
operação deixou de ser braçal.
Aprendi
a usar o soroban na matéria Estatística, na Escola, juntamente com outros tipos de ábaco.
Abaixo, foto de meu soroban, também exposto no meu micromuseu.
Eu não o utilizava nos trabalhos, mas achava, e ainda acho, muito
interessante a solução de operar por deslocamento as quatro rodinhas de baixo (1
a 4) e a única de cima (5) para representar algarismos de 1 a 9 e fazer os
“vai-um” por posicionamento à esquerda (unidades, dezenas, centenas, etc.).
Ao lado, em detalhe, o número 182 registrado nas três casas amarelas centrais.
Meus colegas nisseis contavam a história de um concurso de velocidade e precisão de cálculo entre operadores de máquina de calcular elétrica e de soroban, vencido pelo japonês do soroban. Nunca soube onde foi esse concurso, nem quando; como sempre me dei bem com os nisseis, acreditei. Com o advento dos computadores, as competições foram diferentes: os enxadristas enfrentaram computadores eletrônicos.
Abaixo, foto de meu soroban, também exposto no meu micromuseu.
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Soroban com 21 casas |

Meus colegas nisseis contavam a história de um concurso de velocidade e precisão de cálculo entre operadores de máquina de calcular elétrica e de soroban, vencido pelo japonês do soroban. Nunca soube onde foi esse concurso, nem quando; como sempre me dei bem com os nisseis, acreditei. Com o advento dos computadores, as competições foram diferentes: os enxadristas enfrentaram computadores eletrônicos.
Quanto
a desenhos (nem só com cálculos lidava o estudante de Engenharia) havia,
principalmente, trabalhos de Geometria Descritiva – épuras fabulosas – com
exigência de grande precisão, para um professor altamente caprichoso e exigente.
Os instrumentos de trabalho que tínhamos eram a régua “T”, prancheta,
esquadros, compasso, transferidor, escalas, tira-linhas, normógrafos e, não
esqueçamos, lápis com grafite apropriada, preto e de cor.
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Sobre uma prancheta, escala, lápis, esquadro e régua "T". |
Em particular, o normógrafo, usado para a colocação dos títulos e letreiros nos desenhos, era muito importante para a apresentação dos trabalhos.
Vou encerrar
esta crônica comparando o que tive de fazer para escrever e publicar
esta crônica, usando meus recursos atuais, com o trabalho que eu teria para
publicá-la com os recursos disponíveis naqueles velhos tempos:
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Normógrafo em seu estojo |
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Normógrafo em operação |
Digitei o texto em meu computador, usando o Word. A seguir, fiz a
revisão do texto, completei a formatação e, no final, passei o corretor
ortográfico.
Para
as ilustrações, fotografei os objetos com a câmera digital e transferi as fotos
para meu computador. A exceção foi a foto da Brunsviga, que copiei do site mencionado. Selecionei as fotos e as editei, ou seja, procurei melhorar
a iluminação e as cores.
Estojo com compasso e tira-linhas |
O
passo seguinte foi entrar na internet e abrir meu blog. Abri uma nova postagem e
copiei o texto do Word para o blog. Neste, inseri as fotos, trazendo-as do
computador. Acertei a formatação, fiz a última revisão e, a seguir, vou publicá-la.
Após a
publicação, enviarei e-mails para os amigos, anunciando-a.
No meu
tempo de estudante, eu teria de cumprir as seguintes tarefas: preparar o
manuscrito, pedir para alguma alma caridosa datilografar para mim, fazer a
revisão do texto e mandar copiar o texto em um mimeógrafo, o que iria requerer
a datilografia final em papel estêncil e uma operação manual de manivela para
cada cópia. Naquele tempo não havia copiadoras tipo “Xerox”, nem mesmo a
terrível termofax, e fotocópias eram caríssimas, somente se usavam para
documentos.
Obtidas
as cópias, eu teria de colocá-las em envelopes, endereçá-los a cada um dos
amigos, ir à agência do correio mais próxima (ou menos longe de casa), selar os
envelopes, inseri-los nas caixas correspondentes e rezar para os envelopes
chegarem ao destino – não havia nem CEP!
Para
juntar fotos, eu teria de fotografar os objetos com uma câmera com filme,
mandar revelar e fazer as cópias necessárias – e as fotos seriam em branco e
preto.
Depois, para saber se alguns amigos tinham recebido, eu tinha de
recorrer ao telefone, operação também muito complicada naquele tempo.
Você,
prezada leitora ou caro leitor, há de convir que hoje as coisas estão muito
mais fáceis.
Na
continuação desta crônica, contarei a minha história dos computadores, cuja
evolução venho acompanhando durante todos estes anos. Agora, com a ajuda de meus
netos.
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Washington Luiz Bastos Conceição
Que beleza de texto, especialmente quando você compara o trabalho de divulgá-lo no blog e como seria há (não muitos) anos. Bastante didático para a nova geração. E pensar que a gente ainda reclama quando o computador demora mais do que 2 segundos para nos responder a um comando...
ResponderExcluirNão cheguei a utilizar a régua de cálculo, embora meu pai tenha me ensinado como fazê-lo, mas, desnaturadamente, não me lembro mais. Em todo caso, guardo com carinho uma régua grande que foi "amiga" do meu velho. Trata-se de uma Keuffel & Esser.
Aguardo a continuação. Grande abraço!
Caro Edison Junior:
ExcluirLembro-me de que seu pai, nos tempos do colégio, já usaca o normógrafo para fazer as capas dos exercícios de Matemática do Professor Alves Cruz.
Obrigado pela leitura e pelo comentário. .
Editando o comentário acima: substituir usaca por usava. Digitação não é o meu forte.
ExcluirDevo dizer, para constar, que a minha régua de cálculo era uma Aristo Trilog, e que o primeiro computador com o qual trabalhei era um IBM 1130 de 8K de memória. Um espanto.
ResponderExcluirCaro Gentil:
ResponderExcluirA sua Aristo devia ser mais sofisticada do que a minha amiga DIWA. E o 1130, contemporâneo do 360, já era o sucessor de outro computador IBM projetado para aplicações técnicas e científicas: o 1620, contemporâneo do 1401. Mas vou tratar da evolução dos computadores na segunda parte desta história.Nào perca!
Obrigado pela atenção.
Muito bom! No aguardo da segunda parte! Me lembro de querer brincar com a Soroban!
ResponderExcluirJurema:
ResponderExcluirA segunda parte está quase pronta.
Obrigado pelo comentário.