Lauro, filho do Sérgio Bastos (este, meu grande
amigo de juventude e primo da Leilah, minha mulher) me presenteou há algum
tempo com uma garrafa de uísque, que guardei para uma comemoração especial. Em
agosto, na data de seu aniversário, resolvi comemorar com ele, à distância,
abrindo a garrafa e tomando duas doses, brindando via WhatsApp. Não sei por quê,
eu pensava que era um uísque puro malte; ao abrir a garrafa, verifiquei que era
um uísque irlandês, triplamente destilado e muito bom, que me fez lembrar de
minhas visitas ao café Buena Vista, em São Francisco, na Califórnia.
Leilah e eu, até alguns anos atrás, viajamos à
Califórnia com frequência, visitando nosso segundo filho, nora e netos, que
moram em uma daquelas cidades simpáticas do Vale do Silício. Aproveitávamos,
então, para fazer turismo pelo “Golden State”, conhecendo novas regiões e
revendo aquelas já conhecidas. A visita à encantadora São Francisco era
obrigatória, com um programa tradicional nosso, que é, hoje, padrão, realizado
por todas as pessoas com quem converso sobre viagens à Califórnia. A
particularidade, no nosso caso, é que esse roteiro, como outros na região,
fazemos desde 1969, quando da mudança de volta da família, dos Estados Unidos para São
Paulo, após um período de residência temporária em Chicago.
Esse programa incluía, sempre, o passeio pelo "Fisherman's Wharf", que descrevi assim em meu livro “A Califórnia e Nós”,
publicado em 2015:
“Em vários capítulos deste livro menciono
lugares em São Francisco e vizinhança que visitamos sempre que vamos à
Califórnia, numa espécie de ritual, de reverência, quase uma obrigação que
cumprimos prazerosamente, pois “matamos a saudade”. Estão nesta categoria
pontos muito interessantes da cidade.
Começo com o "Fisherman’s Wharf", em São
Francisco – com seus restaurantes, lojas, o Café Buena Vista e a fábrica de
chocolate Ghirardelli, estabelecimentos preparados para receber turistas de
todo o mundo. Não me incomodo de ser mais um deles, apenas procuro não me
deixar explorar com bugigangas. Quero tomar meu “Irish Coffee” no Buena
Vista, acompanhado ou não de casca
(frita) de batata; quero almoçar peixe ou frutos do mar (incluindo caranguejo,
se possível), com uma taça de vinho, em um restaurante indicado pelo Cássio, meu
filho, na ocasião (pois o desempenho deles varia com tempo); ultimamente,
tem sido o Scoma’s; depois, quero provar um chocolate no Ghirardelli e comprar
umas barras para levar para casa. E, tudo durante o dia, caminhar por aquelas
ruas movimentadas onde as pessoas, bem-humoradas por estar de férias,
passeando, até acham graça quando um maluco barbudo se esconde num canto
qualquer para dar susto nos transeuntes.”
Na última vez que estivemos no Buena Vista, eu trouxe
de lá um folheto com a história e a receita de seu famoso “Irish Coffee”, mas
não havia pensado, ainda, em prepará-la, porque me pareceu um tanto complicada
e, o que é básico, não costumo ter uísque irlandês em casa. Com o presente do
Lauro, decidi tentar fazê-lo, com a colaboração da Leilah. Ela providenciou o
creme de leite, que é acrescentado à mistura do uísque com o café e um pouco de
açúcar. Há todo um preparativo que envolve aquecer fortemente o copo, o qual deve
ter características específicas para a operação.
Conseguimos seguir as especificações e resultou um
drinque muito bom e bonito que degustamos com prazer. Uma dose para cada um foi
suficiente e combinou muito bem com o frio moderado do inverno carioca. Foi um
sucesso.
O Buena Vista e o bondinho famoso. (foto copiada do site do café) |
A preparação do "Irish Coffee" (foto copiada do site do café) |
Essa nossa “cerimônia” do “Irish Coffee”, provocou
uma evocação das viagens que fizemos por aquela região tão bonita e agradável. Além do "Fisherman's Wharf", lembramos de Sausalito e Tiburón, pequenas cidades de turismo ao norte e
próximas de São Francisco, nas margens da baía, com suas paisagens
encantadoras, parques, casas e edifícios que mesclam arquitetura tradicional e
contemporânea, e bons restaurantes, muito bem preparados para receber turistas;
do Napa Valley, mais ao norte, e suas vinícolas; de Calistoga, com seu gêiser e
banhos de lama; de Bodega Bay, aquela cidadezinha litorânea dos pássaros que se
tornou famosa pelo extraordinário filme de Hitchcock; da surpreendente Mendocino, cidade
histórica no norte do estado que parece cenário de filme antigo, à qual
chegamos dirigindo pela One, rodovia famosa da costa oeste, com suas paisagens
impactantes e seus viadutos monumentais. E, mais, lembramos dos passeios que
fizemos ao sul do Vale do Silício, no litoral, por Santa Cruz, Monterey e a
encantadora Carmel, cidades também muito famosas e conhecidas de vários de nossos
amigos brasileiros, com seus “fisherman’s wharfs”, praias e parques, com
destaque para o Aquário de Monterey e a Missão de São Carlos Borromeu, em Carmel, fundada pelo
Padre Junipero Serra.
Aos 87 e 84 anos de idade, respectivamente, eu e
Leilah reconhecemos que é muito difícil, para nós, voltarmos a fazer uma viagem
aérea de 17 horas de duração total, mesmo com o apoio de cadeiras de rodas nos
aeroportos e com um seguro saúde de emergência.
A "happy hour" com o “Irish Coffee” nos levou a viajar (no bom
sentido) em nossas recordações, sem tristeza, voltando a viver momentos muito
agradáveis da vida.
Muito se critica quem quer viver no passado,
queixando-se das vicissitudes do presente. Não é este realmente nosso caso, convivemos
bem com nossas limitações, procurando manter-nos ativos nas tarefas que ainda
podemos realizar. Reviver eventos prazerosos do passado não é uma atitude negativa,
pois nos dá uma sensação de termos aproveitado o que a vida nos ofereceu de bom.
É uma posição semelhante à de Pablo Neruda ao escrever seu livro de memórias,
expressa claramente no título: “Confieso que he vivido”.
P.S. Ao caro leitor ou prezada leitora que resolver
experimentar o “Irish Coffee”, faço voz de locutor de televisão e peço
encarecidamente que beba com moderação.
Washington Luiz Bastos Conceição
Notas:
1. Uma tradução de “Fisherman’s Wharf” é Cais dos
Pescadores.
2. Dias depois de nossa “happy hour” acima,
encontrei no cardápio de um café, aqui no Rio, o item “Irish Coffee” e resolvi
experimentar. Era outro “drink”: uma pequena dose de uísque escocês com café,
“soterrada” por uma quantidade enorme, desproporcional, de creme “chantilli”.
Não gostei.
4. O livro “A Califórnia e Nós” foi publicado com
fotos coloridas, inicialmente na versão digital (e-book) e, a seguir, na versão impressa.
Esta resultou muito cara em relação ao objetivo do livro. Decidi, então, publicar a versão
impressa em branco e preto, com o título “Nós e a Califórnia”.
Para quem se interessar pelo livro, recomendo
o e-book, disponível na www.amazon.com.br (pesquise pelo meu nome). É bem baratinho e pode ser lido no
celular, no computador e no tablet, mediante a instalação gratuita do programa
Kindle.
5. Junipero Serra foi um missionário espanhol, franciscano, que fundou várias missões na Califórnia, no século XVIII. Foi canonizado em 2015.
5. Junipero Serra foi um missionário espanhol, franciscano, que fundou várias missões na Califórnia, no século XVIII. Foi canonizado em 2015.