Cena antiga, de uns 60 anos atrás: em um amplo
escritório, um executivo bem vestido, camisa social de mangas compridas e
gravata (havia tirado o paletó e o guardara em um armário ao lado) estava sentado
em ampla poltrona de couro de encosto alto, atrás de uma escrivaninha enorme.
Era o chefe, como eram chamados os gerentes naquele tempo. Sentada em uma de
duas cadeiras de braço que ficavam à frente da mesa, uma jovem vestida e
penteada discretamente, anotava a lápis, em um pequeno bloco de capa dura que
tinha em mão, o que o chefe lhe ditava. Era a correspondência daquela manhã. O
chefe falava rapidamente e ela o acompanhava, raramente pedindo para ele
repetir alguma frase ou palavra.
Como ela conseguia acompanhá-lo? Usando uma
escrita compactada mediante símbolos e abreviações, chamada taquigrafia.
Esta era uma operação que já avançara em
produtividade (ganho de tempo), mas que, hoje, nos parece curiosa.
Em seguida, ela iria para sua pequena sala, à
entrada do escritório do chefe, para datilografar o texto ditado.
Anúncios antigos em jornal, oferecendo emprego
para secretária, incluíam, no perfil da pessoa procurada, prática de
datilografia e taquigrafia (também chamada estenografia).
Datilografia era a escrita mediante máquinas de
escrever, essencial para a secretária produzir a correspondência e os relatórios
do chefe; era o que hoje se chama digitação e implicava o conhecimento de
operação da máquina (colocação de papel, inserção de papel carbono para
obtenção de cópias e posicionamento de tabuladores). A máquina de escrever
mecânica exigia, ainda, esforço de pressão dos dedos, o qual diminuiu muito
quando ela passou a ser elétrica (o ruído também diminuiu). Quando ainda não
faziam o ditado, o chefe fornecia à secretária rascunhos manuscritos para que
ela datilografasse. A operação era feita em duas etapas: primeiro a minuta e,
depois da revisão desta, o documento definitivo.
O processo todo evoluiu do rascunho para o ditado feito pelo chefe, o que resultava em ganho de tempo,
especialmente quando a secretária tomava notas usando a taquigrafia. Quem não
tivesse conhecimento dos símbolos utilizados, não compreenderia um texto
taquigrafado.
A operação foi, mais tarde, aperfeiçoada mediante a
gravação do ditado pelo gerente, onde e quando ele quisesse, de forma que o
tempo da secretária seria economizado. Na década de 1960 os gravadores de som comuns ainda eram de rolo de fita magnética (e não cassetes), o que levou a IBM a desenvolver um gravador com comandos específicos para a
operação de ditado, o qual usava "cintas" magnéticas (fitas de acetato mais largas).
O gerente entregava as fitas para a secretária que datilografava ao ouvi-las em seu aparelho, usando um fone de ouvido. Com esse novo recurso, a taquigrafia deixou
de ser necessária no processo.
A necessidade de
ganhar produtividade nos serviços de escritórios levou organizações de grande porte à redução do número de
secretárias, aproveitando melhor suas habilidades específicas e lhes dando tempo para
atenderem mais de um gerente. A datilografia passou a ser feita por um grupo de
digitadoras com o nome pomposo de Centro de Processamento da Palavra, as quais,
trabalhando em terminais ligados a um computador central (ainda não havia micro
computadores) recebiam dos gerentes as fitas gravadas, digitavam o texto,
imprimiam e o enviavam de volta. Nessas organizações, a
comunicação escrita informal passou a ser feita mediante mensagens trocadas pelos
gerentes ou profissionais nos terminais da rede interna ligada ao sistema
central, de forma semelhante ao que se faz hoje pela internet, que ainda não
existia. O software permitia até que se trocassem mensagens escritas “on line” (a operação chamada “chat”).
Depois, com o advento dos microcomputadores e da
internet, a comunicação eletrônica teve evolução muito rápida, de tal forma
que, atualmente, as cartas e relatórios impressos se restringem àqueles
necessários para documentação.
Estamos, agora, na era da correspondência
eletrônica global, mediante e-mail e mensagens em geral, na qual cada diretor, cada
profissional, enfim, cada pessoa, no trabalho ou não, escreve suas próprias
cartas e memorandos, sem auxílio de secretária, sem ditado, usando suas
próprias habilidades de escrita e digitação.
Contudo, permanece a necessidade de ser mais produtivo,
de transmitir, sem gastar muito tempo, uma informação, um pedido ou uma
resposta, de forma que o destinatário possa compreendê-la. Por essa razão, considerando-se que o e-mail é
informal, o uso de abreviações se tornou comum e é aceito por todos. No caso de
mensagens enviadas de um “tablet” ou telefone celular, é essencial.
Está sendo criada, então, uma escrita abreviada
que tem o mesmo objetivo da taquigrafia – escrever mais depressa. Ainda não há
um glossário de abreviações, mas há diversas já consagradas pelo uso, como “abs”,
“bjs”, “vc”, “q”, “tb”, etc. Risos e risadas são representados por “rsrs”,
“hahaha”, “RaRaRa”, “kkkk”, conforme a preferência do remetente, mas não vejo
problema nessa variedade de “vocabulário”.
E-mail ultrainformal, com abreviações.
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Nada tenho contra a escrita abreviada de e-mails,
desde que a mensagem cumpra seu objetivo de comunicar – mas ela não deve ser
considerada substituta da redação completa e correta em nosso idioma, não só
quanto à ortografia como – e principalmente – quanto à concordância e ao uso apropriado
das palavras.
Uma coisa é uma comunicação escrita rápida,
informal, outra muito diferente é o texto de uma proposta de negócios, um
relatório técnico, uma crônica, uma notícia de jornal, um comentário político,
enfim, uma comunicação formal. Este tipo de comunicação requer uma redação que
se enquadre nas regras do idioma. Por esta razão, todo profissional, mesmo que
não tenha grau universitário, precisa saber escrever corretamente.
Em minha longa vida de trabalho, observei que os
profissionais que se expressavam corretamente por escrito levavam vantagem
sobre colegas que, embora no mesmo nível técnico, não tinham essa habilidade. As
atividades normais do trabalho, até as científicas, requerem competência redacional
para a elaboração de apresentações, relatórios, propostas comerciais e planos
empresariais.
Em suma, a comunicação eficaz, hoje em dia, requer
o uso de mensagens eletrônicas informais, com abreviações ou não, por sua agilidade,
rapidez, e por poder ser feita mediante dispositivos portáteis. Por outro lado, quando
formal, a comunicação eficaz requer o uso de textos técnicos ou de negócios redigidos
corretamente.
Dentre os profissionais igualmente competentes no que fazem, aqueles que têm boa redação valem mais.
Washington Luiz Bastos Conceição