sexta-feira, 21 de março de 2014

O Jovem Torcedor e a Copa de 1958


Uma operação aritmética muito simples mostra claramente que o “Velho Torcedor” de futebol, já conhecido dos leitores deste blog, era jovem em 1958. Torcedor fanático da seleção brasileira de futebol, não estava otimista quanto ao resultado da seleção, após os insucessos de 1950 e 1954 e a recuperação das fortes seleções europeias. Não dava mesmo para ser otimista, pois em nosso grupo de classificação estavam Inglaterra e União Soviética; nos outros grupos, a Suécia, dona da casa; a Alemanha, campeã de 1954; a Hungria, vice naquela copa; a França, com um ataque avassalador; a Argentina e outras seleções que sempre fizeram jogo duro conosco, como a Tchecoslováquia e a Iugoslávia. Contudo, o jovem torcedor se mantinha, teimosamente, esperançoso.
O Jovem Torcedor
Já noivo, engenheiro em início de carreira, eu trabalhava muito; morava em São Paulo, capital, mas viajava bastante pelo interior do estado. Acompanhei as partidas pelo rádio e sofri muito, antes de poder comemorar , de poder cantar que a taça do mundo era nossa e que com o brasileiro não havia quem pudesse.
Contei a história dessa saga de torcedor em meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, publicado em 2009, no capítulo “O Torcedor de Copas do Mundo”. Transcrevo-a abaixo.




Minha torcida na primeira vitória do Brasil
Suécia, 1958

A torcida começou no dia 8 de junho, na sala de visitas da casa do meu amigo Sérgio, em torno do rádio. Já havia televisão, mas a transmissão direta para cá ainda iria demorar muito. “Assistir” a jogos de futebol pelo rádio sempre foi mais enervante do que quando se tem acesso à imagem dos lances, quando não se tem de descontar o entusiasmo e as interpretações do “locutor que vos fala”. Quando não havia, então, nem vídeo tape para conferir, o testemunho do narrador era altamente parcial, especialmente quanto ao desempenho do juiz do jogo.

Sérgio e eu havíamos estudado juntos desde o colegial, já éramos engenheiros, mas tínhamos nos encaminhado para carreiras diferentes. Ambos jovens e solteiros, eu já era noivo da Leilah, prima dele, hoje minha mulher. Naquele dia, éramos irmãos sofredores.

O jogo era Brasil contra a Áustria, que veio a ser a equipe mais fraca do grupo. Bola vai, bola vem, o Newton Santos faz um a zero para o Brasil. Naquele tempo, os laterais, habitualmente, não desciam para o ataque. Mas ele desceu e fez o gol. O Brasil ganhou por 3 a 1. Só pudemos ver o filme do jogo – filme, não era vídeo – depois de uns três dias, na televisão. Aí já estávamos calmos e deu para apreciar. Foi dessa forma que acompanhamos os jogos seguintes: com a Inglaterra, um zero a zero assustador, e com a Rússia, dois a zero, jogo famoso pelo desempenho antológico do Garrincha.

Apesar da classificação para a fase seguinte, minha expectativa em relação àquela copa não era otimista, pois os insucessos de 1950 e de 1954 calaram fundo. Fazendo agora um retrospecto, a seleção “canarinho” de 58 tinha muito craque – Pelé já vinha se mostrando excepcional e começou na reserva; Didi era o maestro; Garrincha, um fenômeno desconcertante para os adversários; Vavá, o artilheiro; Zagalo, o formiguinha, ponta esquerda que apoiava o meio de campo e atacava; Newton Santos, clássico e eficiente, a futura “enciclopédia do futebol”; Gilmar, um goleiro ágil e inteligente; Belini, o zagueirão – para não mencionar todos. Mas havia adversários muito fortes, especialmente a França, com uma artilharia excepcional.

O jogo com o País de Gales foi sofrido: 1 a 0. Então, veio a semifinal com a França.  Era 24 de junho.

Acontece que eu tinha, com três sócios, uma pequena firma de Engenharia que prestava serviços na área de projetos de redes de água e esgotos e de construção de edifícios escolares, postos de saúde e outros. Atuávamos em cidades menores do interior do estado de São Paulo, longe da Capital, onde tínhamos mais chance de ganhar as concorrências. Uma dessas cidades era Pereira Barreto, cujo município tinha uma população de cerca de cinco mil habitantes, na grande maioria colonos japoneses e seus descendentes. Acabamos nos tornando os “engenheiros da cidade” e por isso estendemos nossas atividades de projeto para construções. Quem passava mais tempo lá era o Gilberto (Gilbert Othoniel Toni), o sócio arquiteto, grande amigo de infância e adolescência em Heliópolis, e que reunia as qualidades de ótimo profissional a uma boa vontade e simpatia incríveis. Como o hotel da cidade deixava a desejar, ele conseguiu para nós um quarto permanente numa república onde moravam dentistas, médicos e professores locais, gente muito boa.

No dia do jogo da França, conforme nosso programa de revezamento, coube a mim viajar para Pereira Barreto. Viagem essa que fazíamos de trem até Rio Preto (até Araraquara pela Companhia Paulista e até Rio Preto pela Araraquarense) onde tomávamos o ônibus para Pereira Barreto. Era quase um dia de viagem. O trem era muito confortável, mas o ônibus (ou melhor, a jardineira) era o que se apelidava “égua de cachaceiro”, parava em tudo que era boteco. A estrada era de terra, às vezes o veículo encrencava no caminho, e a viagem ficava mais demorada ainda. Mas éramos jovens e curtíamos a aventura.

Quando a bola rolou na Suécia, eu estava no trem – trem elétrico – e o radinho de pilha não recebia a transmissão, eu ouvia apenas um ruído infernal, de modo que tinha de aproveitar as paradas para descer à plataforma e saber do andamento do jogo. Como a França era a sensação daquela copa, jogando bem e com um ataque devastador, vocês podem imaginar o sofrimento que foi essa viagem, finalmente compensado com a notícia dos 5 a 2. Haja Deus!

A grande final em Rasunda, acompanhei na república. O grupo, cinco jovens em torno da mesa da sala de estar, onde estava o rádio, com uma cervejinha para ajudar, todos muito apreensivos, pois o adversário era o dono da casa, tinha derrotado a poderosa Alemanha. Ainda por cima, o rei deles foi dar uma força ao time. Quando a Suécia fez um a zero, entreolhamo-nos sentindo a triste perspectiva de novo vice-campeonato, mas os gols do Brasil foram acontecendo, os brasileiros muito bem, o Pelé e o Garrincha brilhando.

O cinco a dois foi uma festa – na república, na cidade, no País todo.

Os jogadores comemoram
Em 2008, quando os brasileiros comemoraram os cinquenta anos de sua primeira copa do mundo de futebol, pode parecer exagero o que se recorda agora: a euforia de estender o sucesso mundial no futebol às outras atividades do País, a liberação do “complexo de vira-latas”, expressão do Nelson Rodrigues, que nos afligia por nos considerarmos bons de bola e ainda não termos sido campeões. Mas foi o que aconteceu – e cantávamos: “A taça do mundo é nossa, com o brasileiro não há quem possa...”.

Agora pentacampeões, continuamos fanáticos e queremos continuar na liderança do futebol mundial, posição que se reveste da maior importância na cultura nacional. Outros feitos esportivos os atletas nacionais têm registrado, mas nada terá tanto valor quanto a Copa do Mundo de Futebol.

Idoso, um tanto desiludido pelos caminhos que nosso futebol profissional tomou, meu entusiasmo está diminuindo, mas jogo da seleção canarinho eu não perco. Agora, assistindo pela televisão a cores, no conforto da minha sala de estar – e haja coração!

Washington Luiz Bastos Conceição 




Nota: A foto dos jogadores foi copiada da Wikipedia.

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