O trabalho de vendas é fundamental para qualquer organização de
negócios.
Corro o risco dos leitores caçoarem de mim, com um comentário do tipo:
“O que deu no Washington? Só agora, depois de velho, que ele descobriu isso?”,
ou talvez com uma pergunta pior, que usávamos quando garotos, meus amigos e eu.
Os americanos me dariam um prêmio pelo “Understatement of the year”, em nível
universal.
Bem, vou melhorar a declaração: Como todo mundo está cansado de saber, o trabalho de
vendas é fundamental para qualquer organização de negócios.
Então, pergunto: por que pessoas que vendem, seja que produto
for, substituem no cartão de visitas e nos currículos a palavra “vendedor” por
inúmeras variações? Variações do tipo: representante comercial, consultor de
vendas, consultor de negócios, especialista de marketing e outros que as
empresas considerem mais enobrecedoras da função básica do profissional, que é
vender. Ocorreu que, pela forma de atuação de vendedores em alguns tipos de
negócio, “vendedor” passou a ser sinônimo de pessoa que faz venda agressiva,
sem compromisso de bom atendimento ao cliente. Tipicamente, na ocasião da
venda, ele não esclarece o cliente sobre suporte ou certas características do
produto que “a vítima” vai descobrir somente depois de receber ou de começar a
utilizar o produto. Como, por exemplo, restrições de garantia e certas funções
do produto que requerem o pedido de dispositivos adicionais; pior ainda, a
inadequação total do produto às necessidades do cliente. Nessa ótica,
“vendedor” passou a ter, infelizmente, um significado muito próximo de “camelô”.
É importante ressaltar que esta visão não é uma exclusividade
brasileira. Nos Estados Unidos, por exemplo, os vendedores do tipo acima
descrito são qualificados na categoria “vendedor de carros usados”. Entretanto,
pelo menos até alguns anos atrás, o título “Salesman” ou “Sales Representative”
foi preservado. A qualificação de assessor ou consultor, por exemplo, era
adicional.
Sobre o assunto, o que pensava eu, um bom aluno da Escola Politécnica de
São Paulo, quando se formou, jovem, em 1955? Pensava que o engenheiro era um
profissional visceralmente técnico; que, considerando tudo que havia aprendido
no curso – com muito esforço, diga-se de passagem – deveria escolher, dentre as
oportunidades daquele tempo, uma especialização de sua preferência e, então, trabalhar
e se desenvolver nela.
Algum tempo após a formatura, fiquei sabendo que dois colegas estavam
trabalhando em vendas, um de máquinas para terraplenagem e outro, de materiais
de construção. Eu, que trabalhava em Engenharia Civil, principalmente em
projetos de redes urbanas de abastecimento de água, fiquei muito admirado, fiquei
com a impressão de que eles tinham desprezado tudo aquilo que aprendêramos na
Escola. Não me parecia uma especialização, pois eles não estavam trabalhando em
pesquisa ou projeto daqueles produtos e achava que, para vender, eles não
tinham de conhecer profundamente o que ofereciam. Para mim, tinham deixado de
ser engenheiros para ser vendedores, profissão que não requeria todo o estudo
que havíamos tido.
Com o tempo, à medida que ganhava experiência com as atividades em minha
pequena empresa de Engenharia, passei a valorizar o trabalho de administração e
de negociação com clientes e parceiros e senti que, por mais que o engenheiro
tivesse responsabilidades técnicas, ele teria de lidar muito, e
profissionalmente, com clientes, fornecedores, empregados e parceiros de
negócios. Passei a encarar de forma diferente os trabalhos de administração,
finanças, vendas e atendimento a clientes.
Quando fui trabalhar na IBM, minhas atividades passaram a ser de
divulgação e venda de equipamentos de alta tecnologia (os “cérebros
eletrônicos”) e de programação complexa, além do fornecimento do correspondente
apoio técnico aos clientes. Venda de alto nível técnico e com apoio aos
clientes, que exigiu sempre muito estudo, mas não deixava de ser venda.
Desde então, com crescentes responsabilidades gerenciais, minha vida
profissional incluiu aprendizado, aplicação e transmissão de conhecimentos, o
tempo todo, tanto nos 24 anos de IBM como nos 25 subsequentes, até minha
aposentadoria.
Em resumo, em que consistem as atividades do vendedor? Qual sua
abrangência?
Como diziam os professores de antigamente, “senão vejamos”:
Há processos de venda mais simples e há a chamada venda complexa, aquela
que requer a aprovação de diferentes pessoas, em geral de diferentes níveis,
dentro da organização cliente. A venda complexa envolve várias atividades.
O vendedor (que, ao longo desta crônica, também significa vendedora), devidamente preparado por sua empresa quanto aos produtos e
procedimentos de venda, recebe um objetivo numérico para o período (para o ano,
por exemplo) – é a “meta”. Ele pode ter um território definido e também ter uma
carteira de clientes, que ele atende como representante de sua empresa.
Habitualmente, o vendedor reclama com o “chefe”, acha a meta muito alta, mas,
em geral, não tem jeito. Conheci um gerente que, em conversas desse tipo,
imitava o gesto de um violinista para acompanhar o “choro” do vendedor.
Bem, não havendo outro jeito, o meu caro amigo vendedor tem de se
preparar para a luta, que começa com seu planejamento. Ele tem de pesquisar e
listar possíveis negócios, estimando, para cada um, o valor e o mês do fechamento.
Se o total dos valores não for suficiente para atingir sua meta, terá de planejar
um intenso trabalho de prospecção.
Para seu trabalho diário, ele tem de programar (semanalmente, por exemplo) as
visitas aos clientes, anotando os assuntos que serão tratados. Em função das
visitas, o vendedor faz um plano de ação para cada negócio.
Ao longo do ano, o andamento do trabalho tem de ser controlado, mediante
apuração dos resultados e comparação com o plano (planejado versus realizado).
A venda propriamente dita envolve o “face a face”, o estudo, a proposta,
a negociação e o fechamento do negócio. O vendedor deve selecionar as pessoas
do cliente com quem vai tratar do assunto e entre elas deve estar o executivo
que vai aprovar a compra; deve estabelecer o enfoque da venda; deve preparar a
argumentação, a justificativa do negócio (que pode chegar a uma estimativa de
retorno do investimento); fazer a proposta de uma forma combinada previamente
nas reuniões com o cliente; negociar as condições no final e, todo o tempo, observar
a reação das pessoas envolvidas, em particular quanto às propostas das empresas
que estão concorrendo na venda.
Prezado leitor e cara leitora: Se você se interessou pelo assunto, ainda
não desistiu da crônica, deve concordar comigo que, somente pelo que comentei até
aqui, o trabalho de vendas complexas não é fácil.
Para todas as atividades mencionadas, o vendedor tem de estar preparado,
seja por experiência, seja por treinamento adequado. Pela característica de
suas atividades junto aos clientes “no campo”, que o ocupam muito, não se pode
esperar que ele tenha tempo para selecionar e ler livros, antigos ou
recém-lançados, sobre técnicas de venda. Daí a necessidade de cursos para o seu
desenvolvimento e a aplicação imediata no trabalho do conhecimento adquirido. Especialistas
da própria Empresa ou instrutores contratados são encarregados desse
treinamento.
Quando eu trabalhava na IBM, tive oportunidade de participar, como aluno
e como instrutor, de vários desses cursos. Depois, em outras empresas, fiz
apresentações e dei cursos em que passei o conhecimento adquirido em meu
trabalho e na leitura de livros, alguns específicos sobre estratégia e técnicas
de vendas e outros que tratam de desenvolvimento profissional. Foi uma
experiência ótima e guardo com carinho livros excelentes sobre esses assuntos,
ao lado de outros sobre sistemas e orientação gerencial.
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Alguns dos livros |
E quando se trata de vendas menos complexas?
Em vendas, mudou muita coisa. Em especial, vendas de lojas (de balcão)
foram levadas para a internet, mediante uso de técnicas as mais avançadas. Tirando
proveito da enorme capacidade de registro de dados, há hoje organizações que
vendem qualquer produto, aproveitando fantásticos sistemas que foram montados,
inicialmente, para um determinado tipo de produto. Você, caro leitor ou prezada
leitora, já adivinhou que vou mencionar, como exemplo, a líder dessas
organizações, a Amazon. Esta foi precursora da venda cruzada, com mensagens do
tipo: “Caro cliente: outras pessoas que compraram o livro “x”, como você, também
compraram os indicados abaixo: ... “; e, também, da venda de produtos similares
àqueles já adquiridos pelo cliente. Exemplo deste último tipo de venda é a
variedade dos livros em Espanhol que a Amazon passou a me oferecer depois que
comprei alguns deles escritos nesse idioma.
E aqueles vendedores que nos atendem pessoalmente? No meu caso de
cliente, os corretores de seguros são bons exemplos, embora eu trate com eles
uma vez por ano, quando vencem as apólices. Nesta ocasião, refrescam nossa
memória e atendem novas necessidades que tenhamos de uma forma satisfatória e
amável. O maior cuidado deles é manter e utilizar bem seu arquivo de clientes
(alguns mandam até cartão de aniversário). No caso do seguro saúde, fornecem
esclarecimentos sobre cobertura e servem de intermediários junto à seguradora, quando necessário. Os
corretores de imóveis, aos quais recorremos de vez em quando, têm também de
manter bons arquivos e de fazer prospecção contínua para levantar possiblidades
de negócios – é um trabalho difícil, com uma concorrência muito acirrada.
O que fazem todos os tipos de profissionais que
mencionei? Vendem. E quem vende é vendedor. Profissão difícil, com muitos
desafios, mas que pode proporcionar sucesso financeiro.
Um dos livros mostrados na ilustração acima, tem
como título “How to become a Rainmaker”. O termo “rainmaker”, que passou a ser
muito usado em livros de vendas, parece-me bem apropriado, pois os vendedores são
mesmo “fazedores de chuva”, fazem as coisas acontecerem.
Washington
Luiz Bastos Conceição