sábado, 5 de abril de 2014

Os fazedores de chuva


O trabalho de vendas é fundamental para qualquer organização de negócios.

Corro o risco dos leitores caçoarem de mim, com um comentário do tipo: “O que deu no Washington? Só agora, depois de velho, que ele descobriu isso?”, ou talvez com uma pergunta pior, que usávamos quando garotos, meus amigos e eu. Os americanos me dariam um prêmio pelo “Understatement of the year”, em nível universal.

Bem, vou melhorar a declaração: Como todo mundo está cansado de saber, o trabalho de vendas é fundamental para qualquer organização de negócios. 

Então, pergunto: por que pessoas que vendem, seja que produto for, substituem no cartão de visitas e nos currículos a palavra “vendedor” por inúmeras variações? Variações do tipo: representante comercial, consultor de vendas, consultor de negócios, especialista de marketing e outros que as empresas considerem mais enobrecedoras da função básica do profissional, que é vender. Ocorreu que, pela forma de atuação de vendedores em alguns tipos de negócio, “vendedor” passou a ser sinônimo de pessoa que faz venda agressiva, sem compromisso de bom atendimento ao cliente. Tipicamente, na ocasião da venda, ele não esclarece o cliente sobre suporte ou certas características do produto que “a vítima” vai descobrir somente depois de receber ou de começar a utilizar o produto. Como, por exemplo, restrições de garantia e certas funções do produto que requerem o pedido de dispositivos adicionais; pior ainda, a inadequação total do produto às necessidades do cliente. Nessa ótica, “vendedor” passou a ter, infelizmente, um significado muito próximo de “camelô”.

É importante ressaltar que esta visão não é uma exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, por exemplo, os vendedores do tipo acima descrito são qualificados na categoria “vendedor de carros usados”. Entretanto, pelo menos até alguns anos atrás, o título “Salesman” ou “Sales Representative” foi preservado. A qualificação de assessor ou consultor, por exemplo, era adicional.




Sobre o assunto, o que pensava eu, um bom aluno da Escola Politécnica de São Paulo, quando se formou, jovem, em 1955? Pensava que o engenheiro era um profissional visceralmente técnico; que, considerando tudo que havia aprendido no curso – com muito esforço, diga-se de passagem – deveria escolher, dentre as oportunidades daquele tempo, uma especialização de sua preferência e, então, trabalhar e se desenvolver nela.

Algum tempo após a formatura, fiquei sabendo que dois colegas estavam trabalhando em vendas, um de máquinas para terraplenagem e outro, de materiais de construção. Eu, que trabalhava em Engenharia Civil, principalmente em projetos de redes urbanas de abastecimento de água, fiquei muito admirado, fiquei com a impressão de que eles tinham desprezado tudo aquilo que aprendêramos na Escola. Não me parecia uma especialização, pois eles não estavam trabalhando em pesquisa ou projeto daqueles produtos e achava que, para vender, eles não tinham de conhecer profundamente o que ofereciam. Para mim, tinham deixado de ser engenheiros para ser vendedores, profissão que não requeria todo o estudo que havíamos tido.

Com o tempo, à medida que ganhava experiência com as atividades em minha pequena empresa de Engenharia, passei a valorizar o trabalho de administração e de negociação com clientes e parceiros e senti que, por mais que o engenheiro tivesse responsabilidades técnicas, ele teria de lidar muito, e profissionalmente, com clientes, fornecedores, empregados e parceiros de negócios. Passei a encarar de forma diferente os trabalhos de administração, finanças, vendas e atendimento a clientes.

Quando fui trabalhar na IBM, minhas atividades passaram a ser de divulgação e venda de equipamentos de alta tecnologia (os “cérebros eletrônicos”) e de programação complexa, além do fornecimento do correspondente apoio técnico aos clientes. Venda de alto nível técnico e com apoio aos clientes, que exigiu sempre muito estudo, mas não deixava de ser venda.

Desde então, com crescentes responsabilidades gerenciais, minha vida profissional incluiu aprendizado, aplicação e transmissão de conhecimentos, o tempo todo, tanto nos 24 anos de IBM como nos 25 subsequentes, até minha aposentadoria.




Em resumo, em que consistem as atividades do vendedor? Qual sua abrangência?

Como diziam os professores de antigamente, “senão vejamos”:

Há processos de venda mais simples e há a chamada venda complexa, aquela que requer a aprovação de diferentes pessoas, em geral de diferentes níveis, dentro da organização cliente. A venda complexa envolve várias atividades.

O vendedor (que, ao longo desta crônica, também significa vendedora), devidamente preparado por sua empresa quanto aos produtos e procedimentos de venda, recebe um objetivo numérico para o período (para o ano, por exemplo) – é a “meta”. Ele pode ter um território definido e também ter uma carteira de clientes, que ele atende como representante de sua empresa. Habitualmente, o vendedor reclama com o “chefe”, acha a meta muito alta, mas, em geral, não tem jeito. Conheci um gerente que, em conversas desse tipo, imitava o gesto de um violinista para acompanhar o “choro” do vendedor.

Bem, não havendo outro jeito, o meu caro amigo vendedor tem de se preparar para a luta, que começa com seu planejamento. Ele tem de pesquisar e listar possíveis negócios, estimando, para cada um, o valor e o mês do fechamento. Se o total dos valores não for suficiente para atingir sua meta, terá de planejar um intenso trabalho de prospecção.

Para seu trabalho diário, ele tem de  programar (semanalmente, por exemplo) as visitas aos clientes, anotando os assuntos que serão tratados. Em função das visitas, o vendedor faz um plano de ação para cada negócio.

Ao longo do ano, o andamento do trabalho tem de ser controlado, mediante apuração dos resultados e comparação com o plano (planejado versus realizado). 
A venda propriamente dita envolve o “face a face”, o estudo, a proposta, a negociação e o fechamento do negócio. O vendedor deve selecionar as pessoas do cliente com quem vai tratar do assunto e entre elas deve estar o executivo que vai aprovar a compra; deve estabelecer o enfoque da venda; deve preparar a argumentação, a justificativa do negócio (que pode chegar a uma estimativa de retorno do investimento); fazer a proposta de uma forma combinada previamente nas reuniões com o cliente; negociar as condições no final e, todo o tempo, observar a reação das pessoas envolvidas, em particular quanto às propostas das empresas que estão concorrendo na venda.
Prezado leitor e cara leitora: Se você se interessou pelo assunto, ainda não desistiu da crônica, deve concordar comigo que, somente pelo que comentei até aqui, o trabalho de vendas complexas não é fácil. 

Para todas as atividades mencionadas, o vendedor tem de estar preparado, seja por experiência, seja por treinamento adequado. Pela característica de suas atividades junto aos clientes “no campo”, que o ocupam muito, não se pode esperar que ele tenha tempo para selecionar e ler livros, antigos ou recém-lançados, sobre técnicas de venda. Daí a necessidade de cursos para o seu desenvolvimento e a aplicação imediata no trabalho do conhecimento adquirido. Especialistas da própria Empresa ou instrutores contratados são encarregados desse treinamento.

Quando eu trabalhava na IBM, tive oportunidade de participar, como aluno e como instrutor, de vários desses cursos. Depois, em outras empresas, fiz apresentações e dei cursos em que passei o conhecimento adquirido em meu trabalho e na leitura de livros, alguns específicos sobre estratégia e técnicas de vendas e outros que tratam de desenvolvimento profissional. Foi uma experiência ótima e guardo com carinho livros excelentes sobre esses assuntos, ao lado de outros sobre sistemas e orientação gerencial.

Alguns dos livros
E quando se trata de vendas menos complexas?

Em vendas, mudou muita coisa. Em especial, vendas de lojas (de balcão) foram levadas para a internet, mediante uso de técnicas as mais avançadas. Tirando proveito da enorme capacidade de registro de dados, há hoje organizações que vendem qualquer produto, aproveitando fantásticos sistemas que foram montados, inicialmente, para um determinado tipo de produto. Você, caro leitor ou prezada leitora, já adivinhou que vou mencionar, como exemplo, a líder dessas organizações, a Amazon. Esta foi precursora da venda cruzada, com mensagens do tipo: “Caro cliente: outras pessoas que compraram o livro “x”, como você, também compraram os indicados abaixo: ... “; e, também, da venda de produtos similares àqueles já adquiridos pelo cliente. Exemplo deste último tipo de venda é a variedade dos livros em Espanhol que a Amazon passou a me oferecer depois que comprei alguns deles escritos nesse idioma.

E aqueles vendedores que nos atendem pessoalmente? No meu caso de cliente, os corretores de seguros são bons exemplos, embora eu trate com eles uma vez por ano, quando vencem as apólices. Nesta ocasião, refrescam nossa memória e atendem novas necessidades que tenhamos de uma forma satisfatória e amável. O maior cuidado deles é manter e utilizar bem seu arquivo de clientes (alguns mandam até cartão de aniversário). No caso do seguro saúde, fornecem esclarecimentos sobre cobertura e servem de intermediários   junto à seguradora, quando necessário. Os corretores de imóveis, aos quais recorremos de vez em quando, têm também de manter bons arquivos e de fazer prospecção contínua para levantar possiblidades de negócios – é um trabalho difícil, com uma concorrência muito acirrada.   




O que fazem todos os tipos de profissionais que mencionei? Vendem. E quem vende é vendedor. Profissão difícil, com muitos desafios, mas que pode proporcionar sucesso financeiro.

Um dos livros mostrados na ilustração acima, tem como título “How to become a Rainmaker”. O termo “rainmaker”, que passou a ser muito usado em livros de vendas, parece-me bem apropriado, pois os vendedores são mesmo “fazedores de chuva”, fazem as coisas acontecerem.

Washington Luiz Bastos Conceição 







10 comentários:

  1. De Suely Porto Leite:
    Washington, eu que trabalhei anos em RH, concordo quando v. diz que o trabalho de um Vendedor não é fácil. Muitas técnicas são aprendidas em sala de aula, outras com a experiência de vida, mas nem todas dão certo. O vendedor tem que ter olho crítico e "saber" com que tipo de cliente ele está lidando naquele momento. Eu já saí de loja porque o vendedor virou a minha sombra, me seguindo por toda parte e quando eu parava mais um pouco em frente a algum produto, começava a discorrer sobre o mesmo, preço, qualidade, etc. Gosto mais daqueles que se apresentam e me deixam livre para procurá-los quando eu tiver uma dúvida ou quiser fechar a compra. Na IBM, a coisa era séria, até porque boa parte do ganho do Vendedor vinha de suas vendas. Uma vez, eu estava com um Diretor da área de Small Business e ele atendeu o telefone. Era um de seus vendedores do interior do Norte/Nordeste. Ele estava tentando vender alguns Pontos de Vendas (conjunto de leitoras óticas, impressoras, sistema de armazenamento) para um mercado e eles estavam relutantes porque se uma máquina desse problemas somente seria consertada na Capital e eles ficariam sem, etc...O Vendedor não sabia como ultrapassar esse ponto da negociação. O diretor na mesma hora falou, propõe a venda de um ponto extra com desconto que ficaria de backup no caso de pane de alguma outra máquina. Acho que a venda foi fechada e todos ganharam..

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    1. Suely:
      Uma das habilidades do vendedor é recorrer a quem lhe possa dar apoio, especialmente seu gerente, pois este poderá ter autoridade para decidir sobre condições especiais. O caso que você comentou é um exemplo.
      Muito obrigado pela colaboração.
      Washington

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  2. De Henrique O. Pimentel:
    Washington, muito interessante sua crônica. Num trecho me lembrou minha decisão de "largar a engenharia" e me voltar para a área comercial. Eu era Engenheiro Civil com especialização em Estruturas e como tal fui contratado por uma empresa americana para o projeto das estruturas de uma refinaria de petróleo. Super interessante e 100% de acordo com minha formação. Mas ao fim de quase dois anos de trabalho nessa empresa fui me conscientizando de que ao longo do tempo eu seria certamente um experiente engenheiro, talvez chefe do departamento de estruturas, mas até aí. Alem disso era visível que cargos mais altos eram aqueles ligados à "atividade fim" da empresa, ou seja projeto total de refinarias de petróleo. O que envolvia áreas mais críticas e fundamentais que estruturas, como o processo químico que, este sim, determinava a quantidade e finalidade de cada torre de processamento, suas dimensões, as tubulações e os efeitos da variação da temperatura nas torres e tubulações, máquinas, equipamentos de controle e por aí vai. Depois disso tudo é que entrava o projeto das estruturas que que sustentariam esse complexo. E, obviamente, a estimativa de custos do projeto como um todo e ... a venda da solução ao cliente. Essa ficha me caiu de vez quando a empresa participou da concorrência para o projeto da refinaria de Duque de Caxias e perdeu... Internamente sabíamos que nosso projeto tinha tudo para ser vencedor principalmente porque éramos a maior firma do mundo em projetos e construção de refinarias de petróleo. Mas estávamos em 1960... ganhou a tese nacionalista de que tinha ter brasileiro na estória, essas coisas. A questão então não era se o projeto era o melhor. Era uma questão de conhecer o mercado e ... vender de acordo com esse mercado e suas políticas. Outras tentativas de vendas a outros clientes fracassaram da mesma forma e daí a empresa decidiu fechar a filial no Brasil. Fomos todos demitidos no início de 1961. Ao procurar novo emprego foquei na área comercial e principalmente a ligada à atividade fim da empresa. Assim fui parar numa tal de IBM... Um abraço. Pimentel.

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    1. Pimentel:
      Temos, realmente, histórico profissional semelhante.
      Obrigado pela atenção. Os comentários dos amigos enriquecem minhas crônicas.
      Abraços.

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  3. De Hordones:
    Washington
    Gostei muito. Passei pelas mesmas ressalvas quanto à profissão de vendedor. Destaco que uma vez convidei um senhor idoso, que eu admirava e respeitava muito, pois era um grande fazendeiro na mesma cidade onde fui criado, para conhecer um computador. Ele estava visitando BH. Aceitou meu convite. Apareceu levando um medico amigo. O computador estava trabalhando. Expliquei o que o computador estava fazendo e saímos. Aí o "médico amigo" perguntou qual era minha função na IBM. Quando respondi, ele virou para o fazendeiro dizendo alguma coisa assim: "viu porque ele não fez nada no computador; só o mostrou trabalhando; ele é vendedor". Na mesma hora chamou o fazendeiro para ir embora e saíram.
    Um abraço.
    Hordones

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    1. Caro Hordones:
      Seu comentário complementa minhas considerações sobre a vida difícil do vendedor.
      Abraços.

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  4. Caro Washington,
    Esse fenômeno de alteração no título do profissional ocorreu não apenas com os Vendedores, mas em outras profissões também. O Dentista virou Odontologista, a Secretária virou Assistente Administrativa e por aí vai. Como você tão bem explicou para o caso dos Vendedores, essas novas denominações buscam refletir de forma mais abrangente como esses profissionais realmente atuam. É só comparar o trabalho que uma Secretária faz hoje com o que fazia uma colega sua na década de 60, por exemplo. Mas tem um quê de marketing pessoal também, a ponto de alguns profissionais se "ofenderem" ao serem tratados pela denominação antiga, que por sinal não tinha nada de depreciativa.
    Abraços!

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    1. Caro Edison Junior:
      Obrigado pelo comentário. Como de hábito, acrescenta algo à crônica.
      Um abraço.

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  5. Da Isa Siefert:
    Muito boa a sua crônica, Washington, mostrando a evolução dos conceitos e técnicas de venda. Tudo se sofisticou mas a nomenclatura não muda o sentido da coisa: vender é absolutamente essencial à vida e, portanto vendedor deveria ser título importante. O termo se desgastou, inventaram novos nomes e começaram uma nova era, preparando os candidatos com o maior cuidado, usando psicologia e um profundo conhecimento do produto oferecido. Lembro que a Rhodia só empregava seus vendedores formados em farmácia, caso do Alceu que trabalhou anos por lá, para que pudessem discutir com os médicos, com conhecimento de causa. Acho que os profissionais do ramo merecem ser chamados de "fazedores de chuva", especialmente em tempos de crise, quando o dinheiro é curto e a concorrência é braba...Mais uma vez, um abraço de parabéns pelo texto. Isa

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    1. Prezada Isa:
      Seus comentários são sempre estimulantes. São, também, uma amostra da força da escritora.
      Obrigado e um grande abraço.

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