sexta-feira, 25 de abril de 2025

Acontecerá de novo?

Cara leitora ou prezado leitor:

Entre uma crônica e outra da série “D. Izaura e sua gente”, vou falar de um jogo de futebol que aconteceu no dia 17 de abril último, na Inglaterra. Espetáculo emocionante e surpreendente.


Fato bastante conhecido: a FIFA, mediante suas associadas em todos os continentes, realiza torneios de clubes qualificados pelas respectivas ligas nos países, em cada temporada. Realização essa que é  algo admirável em matéria de extensão, organização e simetria, em um mundo em que o entendimento entre países é, hoje em dia, coisa difícil de acontecer.

Na Europa, esses torneios são, atualmente, em ordem de importância: a “Champions League”, a “Europa League” e a “Conference League”, que ocorrem concomitantemente. Neles, enfrentam-se clubes dos mais importantes no cenário mundial. Sempre que tenho oportunidade, assisto pela televisão a alguns desses jogos. Nestes dias, assisti a dois jogos notáveis.

O primeiro, da “Champions League”, a vitória do Arsenal da Inglaterra sobre o Real Madri da Espanha em quartas de final, jogo de ida em Londres.  Destacou-se o jogador Rice do Arsenal, que marcou dois gols de falta com chutes magistrais, perfeitos, vencendo a barreira e o excelente goleiro Courtois, um dos melhores do mundo. O resultado dessa partida, de três a zero, contrariou os prognósticos dos analistas de futebol e foi decisivo para a classificação do Arsenal, obtida quinze dias depois mediante empate na segunda partida, realizada em Madri. Como dizem os comentaristas de futebol, “duelo de gigantes”.

O outro jogo, este da “Europa League”, do Manchester United, da Inglaterra, contra o Lyon, da França, foi um dos mais emocionantes e surpreendentes a que assisti nos últimos tempos. Emocionante porque a partida apresentou, em seu desenrolar, alternativas de superioridade dos adversários e porque a entrega dos jogadores foi admirável. A crônica é sobre este jogo.


A partida era da fase de quartas de final, em que oito dos 36 times que iniciaram o torneio se classificaram para as quartas de final e estavam disputando, dois a dois, a classificação para as semifinais, almejando disputar a partida final e vencer o torneio. A disputa das quartas era em duas partidas, realizadas nos respectivos estádios e chamadas de ida e de volta. As semifinais são, também, partidas de ida e volta e a grande final é partida única.

Na disputa em questão, Lyon e United empataram (dois a dois) na partida de ida, na França. A decisão ficou, portanto, para o jogo de volta, na Inglaterra, em 17 de abril.

Acomodei-me no sofá da sala para assistir ao jogo, pois sua importância para ambos fazia prever uma bela disputa.

Não sou torcedor de nenhum dos dois clubes, mas, como de hábito, acabo dando preferência a um dos contendores. Neste caso, ao United, pois seu jogador brasileiro, o craque Casemiro, estava escalado para o jogo.

No primeiro tempo, em que ambos os times apresentaram um belo futebol, rápido e bem jogado, o United foi melhor, aproveitou bem as oportunidades e fez dois a zero. Nos semblantes dos jogadores, a satisfação de um lado com a perspectiva de classificação e, do outro, a preocupação, após os quarenta e cinco minutos de esforço e dedicação de todos.

Veio o segundo tempo. O técnico do Lyon fez algumas substituições e adotou uma tática mais agressiva; o time passou a dominar o jogo, com maior posse de bola, atacando muito e perigosamente. O United passou a jogar no contra-ataque, valendo-se principalmente da notável rapidez de Garnacho, atacante argentino; teve algumas chances de aumentar sua vantagem, que não resultaram em gols. O Lyon prevaleceu, chegando ao final do segundo tempo do jogo com o empate de dois a dois, o que levou à disputa da prorrogação.

O esforço e a entrega dos jogadores os levavam a jogadas mais ríspidas, causando ao time do Lyon a perda de um jogador por expulsão no final do segundo tempo. No início da prorrogação (de meia hora), o clube francês tinha dez jogadores contra onze do adversário – desvantagem importante nestes tempos de futebol jogado com muito vigor físico. Contudo, surpreendentemente, os jogadores do Lyon se superaram e terminaram a primeira fase (de 15 minutos) com a vantagem de um a zero, muito importante - muitas vezes decisiva - em uma prorrogação. O United teria de empatar para a disputa ser feita por pênaltis. Seus jogadores, alguns já cansados, sentiram o golpe. A situação ficou pior para eles quando, no início do segundo tempo, o Lyon marcou, de pênalti, seu segundo gol da prorrogação – ou seja, a contagem da segunda partida estava em quatro a dois para o Lyon e faltava menos de dez minutos para terminar a partida. A fisionomia dos jogadores do United era de surpresa e desconsolo, mas eles não esmoreceram. O português Bruno Fernandes, liderando o meio do campo se desdobrava e usava toda a sua habilidade na luta. Valendo-se da superioridade numérica, o Casemiro, jogador de defesa, passou a jogar no ataque – era, então um centroavante, penetrando na grande área do Lyon, o que lhe rendeu um pênalti. Bruno Fernandes, tenso, mas mostrando na face sua determinação, fez o gol. Porém, ainda faltava outro para o empate e o tempo estava se esgotando. Os jogadores do United persistiram na pressão e os do Lyon se defendiam heroicamente. O tempo regulamentar terminou e a partida entrou nos acréscimos. O United empatou em seguida e a disputa seria decidida nos pênaltis. Contudo, aquela partida teria de ficar na história como um evento especial, surpreendente, na história do futebol. O United fez mais um gol, venceu a partida e se classificou para as semifinais. A alegria dos jogadores mudou definitivamente de lado, os dirigentes do United e sua torcida no estádio festejaram delirantemente, enquanto os jogadores do Lyon, cabisbaixos, mostravam profunda tristeza. Realmente, não era para menos.

Acompanhei toda a partida, não consegui me desligar, compartilhando a alternância de animação e tristeza dos jogadores do United. O narrador e o comentarista da televisão, que procuraram se manter imparciais, foram contaminados pela emoção do jogo.

A contagem final da partida foi cinco a quatro. Agregando-se à da partida de ida, resulta sete a seis.


Faz mais de oitenta anos que acompanho futebol. Mais recentemente, quando surgiram as copas e as partidas decisivas levadas à prorrogação, não me recordava de alguma contagem desta, em seus trinta minutos, que excedesse dois gols. Pesquisei e tive a informação de prorrogações de alguns poucos jogos de seleções e de clubes de primeira linha em que a contagem foi dois a um; e, mais, fiquei sabendo dos cinco gols na prorrogação do jogo Itália versus Alemanha Ocidental da copa de 1970, chamado "jogo do século". Este  recorde foi, portanto, igualado pela partida da Europa League, aqui comentada. Com a consideração, porém, de que o fato de um dos times iniciar a prorrogação com um jogador a menos, fazer dois a zero e o adversário virar para três a dois, é único no futebol de alto nível. É muito pouco provável que aconteça de novo.

Washington Luiz Bastos Conceição




 

quinta-feira, 10 de abril de 2025

D. Izaura e sua gente – Leilah na Galvão Bueno

Cara leitora ou prezado leitor:

Esta é a terceira crônica da série, precedida da “D. Izaura e sua gente – Introdução” e da “D. Izaura e sua gente – A casa e os moradores”.

É provável que os leitores estejam curiosos sobre a aparência de D. Izaura. Fotos nos tempos antigos, muito diferentemente do que temos hoje (fotos coloridas tomadas por celulares em qualquer encontro de pessoas) eram raras e resultavam em retratos sérios, em branco e preto, em que as pessoas raramente sorriam. Apresentarei, ao  longo das crônicas, fotos ilustrativas com essas características. Para começar, uma foto de D. Izaura, já idosa, à vontade, em casa.


No final da segunda crônica, anunciei:

“Na próxima crônica, minha esposa vai contar o que sabe de D. Izaura e sua gente em período anterior à minha entrada em cena. Os pais dela, quando se casaram,  também moraram na Galvão Bueno e lá permaneceram mais alguns anos depois que ela nasceu. Ou seja, Leilah também foi moradora da casa da Galvão Bueno.”

Portanto, com a palavra, a Leilah:

“Washington me pediu para que eu contasse a estória de antes da chegada dele à casa da Galvão Bueno. Traduzindo, significa contar o início da minha vida, pois nasci em um dos quartos do casarão, tão importante neste relato.

Meus pais, Francisco e Apparecida, se casaram quando meu pai tinha 26 anos e minha mãe, 19 incompletos.  Conheceram-se nos bailinhos em clubes frequentados pela mocidade daquele tempo. Minha mãe ia com as irmãs e primas e meu pai com seus irmãos. Papai trabalhava na fábrica de moveis escolares do meu avô, fabrica esta fundada em 1912 e muito conceituada no mercado. Ele não era rico mas mamãe comentava, com orgulho que, quando ainda era noiva, o via passar no automóvel do meu avô indo para o trabalho. Noivaram, porém tiveram tempos difíceis porque a madrasta do meu pai, Dona Catarina, italiana muito rígida, era contra um casamento fora da colônia. Meu avô se casara com ela após ficar viúvo durante a gripe espanhola em 1918 (e tinha de criar seis filhos).

Mamãe aceitava o fato, talvez com resignação, mas vó Izaura foi à casa dos Mellone discutir o assunto. Infelizmente, não foi bem-sucedida, não conseguiu persuadir D. Catarina a aceitar o casamento.

Apesar dos percalços, o casamento foi marcado para 8 de fevereiro de 1932. Mamãe acabara de concluir o curso de professora de piano no famoso Conservatório Musical de São Paulo e se preparava para a nova vida. O plano do casal era alugar uma casa para morar, mas teve de ser modificado por um acidente: um incêndio prejudicou profundamente a fábrica de móveis do meu avô (onde meu pai trabalhava). Até os móveis que papai estava fabricando para sua nova casa se foram.

Jovens e otimistas, os noivos não quiseram adiar o casamento e, com o apoio de D. Izaura e Seu Juca, mantiveram a data. O casamento aconteceu festivamente, com amigos e familiares, mas com a ausência da família do meu pai. Somente o tio Donato, irmão caçula do meu avô, compareceu; e foi padrinho da cerimônia...

 

Francisco e Apparecida

Após uma curta viagem de lua de mel ao Rio de Janeiro, os recém-casados se instalaram em um dos quartos do casarão. Certamente, minha avó Izaura e sua mãe, minha bisavó Ritinha (que também morava lá), deram o maior suporte, até papai se equilibrar financeiramente. Isto fez com que eu nascesse no casarão, assistida por uma parteira, e ficasse por cinco anos naquele ambiente  familiar descrito pelo Washington.

Vale a pena resumir quem morava lá nesta ocasião: meus avós, todos seus filhos, dos quais somente Tia Yolanda e minha mãe eram casadas. As crianças da casa éramos eu e o Sergio (filho de Tia Yolanda e Tio Lauro), dois anos mais velho do que eu. Neto mais velho, garoto mimado, adorado pelos tios, era meu primo e irmão.”


Leilah deixou a Galvão Bueno aos cinco anos, de forma que ela veio a obter as informações da família ao longo dos anos, à medida que as histórias lhe eram contadas. Pôde, também, observar as pessoas e acontecimentos nas visitas à casa dos avós. Devolvo a palavra a ela:

“Dona Ritinha, mãe da Vó Izaura, morava com eles. Não cheguei a conhecê-la, mas aqueles que conviveram com ela diziam que era uma pessoa muito calma e bondosa e, já idosa, não tinha o comando da casa. Tinha uma neta predileta que dormia com ela. Era muito querida de todos da família que a conheceram.

Vó Izaura tinha  três irmãos, Eduardo, Henrique e Milton, e duas irmãs, Alice e Luiza. Agregadora e irmã mais velha, liderava. Os irmãos Eduardo e Milton (o caçula) se casaram e, em situações pessoais difíceis, os casais se valeram de sua hospedagem.

Eduardo morreu cedo e deixou a esposa, Sofia, e uma filha, Abigail (Biá era o seu apelido) que era da idade de minha mãe (Cida); também se formou em piano no Conservatório. Sofia, sua mãe, tinha habilidades culinárias e em trabalhos manuais. O crochê que ela fazia era uma verdadeira renda e com isso ela se manteve e educou a filha. Morava também no sobrado da Galvão Bueno. Na cozinha, ela criou um pastel delicioso cuja receita passou para minha mãe. Eu nunca soube a receita completa, mas mamãe se orgulhava da massa: não levava ovos e usava banha (gordura de porco).  Mais tarde, mamãe, mestre nos pastéis, os preparou a vida toda. Meus filhos adoravam o pastel da vó Cida com a maior variedade de recheios. Mas, voltando a Sofia, ela só saiu da casa da vovó quando a Abigail se casou.

Henrique teve uma vida aventurosa; sei, apenas, que ele passou uns tempos em Buenos Aires e voltou misturando o português com o castelhano. Como usava “Yo” (em vez de “eu”) ao conversar, ganhou o apelido de “Jô”. Também morou uns tempos com a minha avó.

Milton se casou e teve dois filhos: Zuleika e Reinaldo. Tio Milton, como era conhecido, se separou da esposa e os filhos acabaram sendo criados pela minha avó. Interessante: como vovó teve muitos filhos, os agregados sempre tinham um primo ou prima com a idade deles. Assim como Cida e Biá, Reinaldo era da mesma idade do Armando, caçula da vovó. Zuleika regulava com a tia Olga; ela era muito bonita e se casou com o Cunha, balconista de uma conceituada casa de tecidos de São Paulo. Ela saiu da casa da vovó no dia em que se casou. Esse Cunha, acho que para agradar a família, me deu um corte de um novo tecido, chamado albene. Tio Milton era expansivo, falante e muito amigo dos sobrinhos mais velhos, o Doutor e o tio Neno (apelido do Gentil). Ele tinha uma sapataria à rua  da Liberdade. Não sei por quê, foi ele que comprou o piano para a mamãe em 1932, segundo recibo que ainda temos.

Como já disse, vovó tinha duas irmãs. A Alice se casou com um vendedor de uma loja de pianos.  Ele era exímio afinador de pianos, profissão hoje quase em extinção. O casal teve muitos filhos, os quais conheci. A tia Izaura era muito respeitada por eles e os primos eram muito chegados.

A  Luiza, irmã caçula da Vó Izaura, se casou com um italiano muito rico: Ernesto Giuliano. Não sei como ela o conheceu, mas ele foi decisivo na vida dela. Ele era rico, de modo que a tia Luiza se tornou, para nós, a tia rica que muitas pessoas têm na vida.”


Como D. Izaura é a protagonista destas histórias, venho comentar que, além de agregadora e generosa, ela exercia sua firme liderança e tinha suas regras.

Um dos exemplos marcantes de sua atitude foi o caso com a Zuleika, sobrinha que ela abrigou e que, ao se casar, levou uma empregada excelente da casa. D. Izaura rompeu definitivamente suas relações com a moça e a considerava falecida.

Como avó, não era apenas atenciosa com os netos. Por exemplo: Leilah me conta que depois que seus pais e ela se mudaram para a Vila Pompeia, D. Izaura ia visitá-los às sextas-feiras. Nessas visitas Leilah, já menina crescidinha, era entrevistada pela avó, que perguntava sobre seu comportamento, seu progresso nos estudos, suas tarefas domésticas, mostrando seu interesse como educadora.

Por outro lado, por sua disposição e sua resistência física, D. Izaura ganhou dos filhos e genros (pessoas muito interessantes de quem falarei) um apelido: “Perpétua”. O fato de, hoje, guardarmos suas lembranças justifica o apelido.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:

A Biá (Abigail) se casou com Antônio Martins Barros, em 1932. Também estabeleceram residência na Liberdade e D. Sofia os acompanhou.. Tiveram seus filhos em São Paulo. Mudaram-se para o Rio em 1948, quando Barros foi convidado para chefiar a filial da Casa José Silva Tecidos. Eu, ainda estudante, conheci o Barros numa visita que ele fez ao sobrado, mas só conheci sua família quando, em 1970, nos mudamos (Leilah, eu e os filhos) para o Rio. Encontramos Biá e Barros e ficamos muito amigos de seus filhos e respectivos cônjuges, que, infelizmente, já nos deixaram. Hoje, mantemos uma bela amizade com um dos netos do casal, da geração de nossos filhos. Ele é, portanto, bisneto carioca de Eduardo, irmão de D. Izaura. Chama-se Luiz Eduardo.