Cara leitora ou prezado leitor:
Entre uma crônica e outra da série “D. Izaura e sua gente”, vou falar de um jogo de futebol que aconteceu no dia 17 de abril último, na Inglaterra. Espetáculo emocionante e surpreendente.
Fato
bastante conhecido: a FIFA, mediante suas associadas em todos os continentes,
realiza torneios de clubes qualificados pelas respectivas ligas nos países, em
cada temporada. Realização essa que é algo admirável em matéria de extensão, organização e simetria, em um mundo em que o entendimento entre países é, hoje em dia,
coisa difícil de acontecer.
Na
Europa, esses torneios são, atualmente, em ordem de importância: a “Champions
League”, a “Europa League” e a “Conference League”, que ocorrem
concomitantemente. Neles, enfrentam-se clubes dos mais importantes no cenário mundial. Sempre que tenho oportunidade, assisto pela televisão a alguns desses
jogos. Nestes dias, assisti a dois jogos notáveis.
O primeiro,
da “Champions League”, a vitória do Arsenal da Inglaterra sobre o Real Madri da
Espanha em quartas de final, jogo de ida em Londres. Destacou-se o jogador Rice do Arsenal, que
marcou dois gols de falta com chutes magistrais, perfeitos, vencendo a barreira
e o excelente goleiro Courtois, um dos melhores do mundo. O resultado dessa
partida, de três a zero, contrariou os prognósticos dos analistas de futebol e
foi decisivo para a classificação do Arsenal, obtida quinze dias depois mediante
empate na segunda partida, realizada em Madri. Como dizem os comentaristas de
futebol, “duelo de gigantes”.
O outro
jogo, este da “Europa League”, do Manchester United, da Inglaterra, contra o Lyon,
da França, foi um dos mais emocionantes e surpreendentes a que assisti nos
últimos tempos. Emocionante porque a partida apresentou, em seu desenrolar,
alternativas de superioridade dos adversários e porque a entrega dos jogadores
foi admirável. A crônica é sobre este jogo.
A partida era da fase de quartas de final, em que oito dos 36 times que iniciaram o torneio se classificaram para as quartas de final e estavam disputando, dois a dois, a classificação para as semifinais, almejando disputar a partida final e vencer o torneio. A disputa das quartas era em duas partidas, realizadas nos respectivos estádios e chamadas de ida e de volta. As semifinais são, também, partidas de ida e volta e a grande final é partida única.
Na disputa
em questão, Lyon e United empataram (dois a dois) na partida de ida, na França.
A decisão ficou, portanto, para o jogo de volta, na Inglaterra, em 17 de abril.
Acomodei-me
no sofá da sala para assistir ao jogo, pois sua importância para ambos fazia
prever uma bela disputa.
Não sou torcedor de nenhum dos dois clubes, mas, como de hábito, acabo dando preferência a um dos contendores. Neste caso, ao United, pois seu jogador brasileiro, o craque Casemiro, estava escalado para o jogo.
No primeiro tempo, em que ambos os times apresentaram um belo futebol, rápido e bem jogado, o United foi melhor, aproveitou bem as oportunidades e fez dois a zero. Nos semblantes dos jogadores, a satisfação de um lado com a perspectiva de classificação e, do outro, a preocupação, após os quarenta e cinco minutos de esforço e dedicação de todos.
Veio o
segundo tempo. O técnico do Lyon fez algumas substituições e adotou uma tática
mais agressiva; o time passou a dominar o jogo, com maior posse de bola,
atacando muito e perigosamente. O United passou a jogar no contra-ataque,
valendo-se principalmente da notável rapidez de Garnacho, atacante argentino; teve algumas chances de
aumentar sua vantagem, que não resultaram em gols. O Lyon prevaleceu, chegando
ao final do segundo tempo do jogo com o empate de dois a dois, o que levou à
disputa da prorrogação.
O esforço
e a entrega dos jogadores os levavam a jogadas mais ríspidas, causando ao time
do Lyon a perda de um jogador por expulsão no final do segundo tempo. No início
da prorrogação (de meia hora), o clube francês tinha dez jogadores contra
onze do adversário – desvantagem importante nestes tempos de futebol jogado com
muito vigor físico. Contudo, surpreendentemente, os jogadores do Lyon se
superaram e terminaram a primeira fase (de 15 minutos) com a vantagem de um a zero, muito
importante - muitas vezes decisiva - em uma prorrogação. O United teria de empatar para a disputa ser
feita por pênaltis. Seus jogadores, alguns já cansados, sentiram o golpe. A
situação ficou pior para eles quando, no início do segundo tempo, o Lyon
marcou, de pênalti, seu segundo gol da prorrogação – ou seja, a contagem da
segunda partida estava em quatro a dois para o Lyon e faltava menos de dez
minutos para terminar a partida. A fisionomia dos jogadores do United era de
surpresa e desconsolo, mas eles não esmoreceram. O português Bruno Fernandes,
liderando o meio do campo se desdobrava e usava toda a sua habilidade na luta. Valendo-se
da superioridade numérica, o Casemiro, jogador de defesa, passou a jogar no
ataque – era, então um centroavante, penetrando na grande área do Lyon, o que
lhe rendeu um pênalti. Bruno Fernandes, tenso, mas mostrando na face sua
determinação, fez o gol. Porém, ainda faltava outro para o empate e o
tempo estava se esgotando. Os jogadores do United persistiram na pressão e os
do Lyon se defendiam heroicamente. O tempo regulamentar terminou e a partida
entrou nos acréscimos. O United empatou em seguida e a disputa seria decidida
nos pênaltis. Contudo, aquela partida teria de ficar na história como um evento
especial, surpreendente, na história do futebol. O United fez mais um gol,
venceu a partida e se classificou para as semifinais. A alegria dos jogadores
mudou definitivamente de lado, os dirigentes do United e sua torcida no estádio
festejaram delirantemente, enquanto os jogadores do Lyon, cabisbaixos,
mostravam profunda tristeza. Realmente, não era para menos.
Acompanhei
toda a partida, não consegui me desligar, compartilhando a alternância
de animação e tristeza dos jogadores do United. O narrador e o comentarista da
televisão, que procuraram se manter imparciais, foram contaminados pela emoção
do jogo.
A contagem final da partida foi cinco a quatro. Agregando-se à da partida de ida, resulta sete a seis.
Faz mais de oitenta anos que acompanho futebol. Mais recentemente, quando surgiram as copas e as partidas decisivas levadas à prorrogação, não me recordava de alguma contagem desta, em seus trinta minutos, que excedesse dois gols. Pesquisei e tive a informação de prorrogações de alguns poucos jogos de seleções e de clubes de primeira linha em que a contagem foi dois a um; e, mais, fiquei sabendo dos cinco gols na prorrogação do jogo Itália versus Alemanha Ocidental da copa de 1970, chamado "jogo do século". Este recorde foi, portanto, igualado pela partida da Europa League, aqui comentada. Com a consideração, porém, de que o fato de um dos times iniciar a prorrogação com um jogador a menos, fazer dois a zero e o adversário virar para três a dois, é único no futebol de alto nível. É muito pouco provável que aconteça de novo.
Washington Luiz Bastos Conceição