Prossigo em meu
programa de lhe oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento
social. Desta vez, trago outra transcrição de um capítulo de meu e-book “A
Califórnia e Nós”.
Dedico esta
transcrição aos jovens que nos acompanharam, à Leilah e a mim, na extraordinária e inesquecível viagem de
comemoração de nossas Bodas de Prata.
Introdução
Sou
de um tempo em que as pessoas privilegiadas que viajavam ao exterior,
especialmente à Europa, convidavam amigos e parentes para comentar a viagem, acompanhando a narração com longas apresentações de slides. Tais sessões, embora com
ilustrações interessantes, às vezes se tornavam cansativas.
Nesse
meu livro sobre o nosso relacionamento com a Califórnia, não posso deixar de
relatar viagens, pois não moro lá, e insiro algumas fotografias. O texto é
longo, porém, comparando com as apresentações de slides, meus leitores, se
cansarem, têm a vantagem de poder interromper a leitura e retomá-la (espero) em outra hora.
Bodas de Prata – a excursão
com os jovens
Em dezembro de 1984, Leilah e eu completamos 25
anos de casados.
Durante aquele ano, pensamos em como comemorar
nossas Bodas de Prata. Leilah não tinha vontade de fazer uma festa, entre
outras razões porque dois dos filhos estavam morando nos Estados Unidos e suas
férias de fim de ano se resumiam a uma semana. Tivemos, então, a ideia de
fazermos uma reunião da família lá na Califórnia, levando daqui conosco os
outros dois filhos, Luiz e Jurema. Desta forma, proporcionaríamos a estes uma bela
viagem de férias.
Em junho, a decisão estava tomada e começamos a
trabalhar no projeto. Tanto que, tendo deixado a IBM em outubro de 1983, ao me
empregar em outra empresa, em 1984, combinei que tiraria férias antecipadas em
dezembro. Leilah também programou férias para dezembro, junto à empresa em que
trabalhava.
Aconteceu, entretanto, que os amigos dos meninos
ficaram sabendo da viagem e se animaram a nos acompanhar – eram todos jovens,
porém maiores de idade.
O Cássio havia deixado a “fraternity” onde morava,
dentro do campus de Stanford, mudando-se para uma casa em Palo Alto com três
colegas. Ele nos comunicou que teria espaço para nos hospedar quando
estivéssemos naquela cidade, pois seus companheiros de moradia estariam
passando as festas de fim de ano fora, com as respectivas famílias.
Dessa forma, nós, os viajantes, teríamos despesas
de hotel apenas nas outras cidades, onde ficaríamos menos tempo, além das
despesas com refeições. Considerando a vontade dos jovens, que iriam animar a
viagem, e o que teríamos gastado com uma festa aqui no Brasil, Leilah e eu
decidimos bancar as despesas de hotel e refeições dos que fossem conosco; eles
teriam apenas de comprar as respectivas passagens.
Na semana de 17 de dezembro, viajamos do Rio para
Los Angeles: Leilah, eu, Luiz, Jurema e Paolinha, namorada do Luiz. Em Los
Angeles, alugamos um vasto “station wagon” (o utilitário daquele tempo, chamado
então caminhonete no Rio e perua em São Paulo) com capacidade para oito pessoas,
e fomos buscar o Francisco na Occidental. Passamos a noite em Glendale (próxima
à Universidade) e, no dia seguinte, rumamos para Palo Alto.
Aproveitando para fazer turismo, fomos pela
rodovia 1, que acompanha a costa e oferece vistas maravilhosas, como as praias
de Santa Bárbara e a costa escarpada da região do “Big Sur”.
Nosso primeiro destino, antes de Palo Alto, era
Carmel, onde o Cássio estava nos esperando para jantar.
Chegamos a Carmel cerca de oito horas, noite
fechada. Tivemos a agradável surpresa de sermos recebidos pela família do
Albert Jordan, amigo do Cássio, colega de escola e de futebol e um dos quatro
moradores da casa em Palo Alto, onde iríamos ficar. Sua família era do Irã e
eles tinham um restaurante em Carmel, cidade em que moravam. Como o restaurante
estava fechado para as férias de Natal dos empregados, a própria família
preparou e nos serviu um típico jantar da terra deles, com destaque para a
carne de carneiro. Foram extremamente gentis ao receber-nos, então um grupo de
sete pessoas, contando o Cássio. Foi um ótimo começo de viagem.
Abro um parêntese:
Muitos anos depois, fomos surpreendidos aqui no
Rio com um telefonema de um senhor: era o pai do Albert. O casal estava fazendo
um cruzeiro em um transatlântico e veio ao Brasil. Entendemo-nos em Inglês,
apesar dos sotaques diferentes, e combinei de buscá-los no hotel para
jantarmos. Perguntei que tipo de comida eles preferiam provar aquela noite.
Custei um pouco a entender, mas era... galeto! E ele acrescentou: “aqui no
Brasil estou comendo só galeto, pois vocês o preparam da mesma forma que
fazíamos no Irã; estamos matando a saudade”.
Fomos buscá-los e não tivemos dificuldade em
reconhecê-los apesar de fazer muito tempo que não nos víamos. Expliquei que o
restaurante onde comíamos galeto, no Leblon, era relativamente simples, mas era
da especialidade e nos atendia muito bem. Foi um jantar agradável, onde
rememoramos nosso encontro anterior e falamos dos filhos, muito amigos até
hoje. Tive de me esforçar para pagar a conta, mas ele fez questão de dar a
gorjeta. Lembro-me da expressão de espanto do garçom – pareceu-me que a gorjeta
foi maior do que a conta.
Comentei, depois, com a Leilah: pois é, levamos ao
Gatão (apelido do “Galeto do Leblon”) o homem que foi dono do maior restaurante
de Teerã!
Após o jantar, rumamos para Palo Alto, mais umas
duas horas e meia de viagem. Chegamos todos bem.
A casa era espaçosa, deu para nos instalarmos
razoavelmente bem. Fomos dormir e, no dia seguinte, tivemos um alegre café da
manhã, pois a turma já estava muito animada. Alguns foram ao supermercado de
manhã e fizeram o reconhecimento do bairro, da vizinhança.
Era 20 ou 21 de dezembro e passamos a programar as
atividades para os próximos dias. Cássio já havia planejado passarmos o
aniversário de casamento (dias 29 e 30) em Lake Tahoe, época em que a região do
lago está coberta de neve. A expectativa de terem a oportunidade de esquiar
animou os jovens. A esta altura éramos Leilah, eu e cinco jovens.
Dois mais se juntariam ao grupo nos dias seguintes:
meu sobrinho Marcelo, filho de minha irmã, e o Archie, colega de escola do
Francisco desde o jardim de infância. Este também estava estudando nos Estados
Unidos, em outra universidade. Ambos chegariam a São Francisco.
Cássio e Julia estavam iniciando o namoro (que,
anos mais tarde, resultaria em casamento); ela havia chegado de um passeio à
Europa e ele foi encontrá-la para combinarem os programas. Do encontro, Cássio
trouxe a notícia do convite dos pais da Julia para um jantar na casa deles –
para todo o grupo! Já seriamos dois coroas e sete jovens, que se somariam aos
cinco da família dela.
A família da Julia morava em Los Gatos, cidade a
oeste de São José e a uma meia hora, de automóvel, de Palo Alto. Fomos em dois
grupos, pois alguns dos jovens tinham ido a São Francisco à tarde e voltariam
diretamente para Los Gatos. Cássio foi conosco, de modo que não tivemos o
difícil trabalho de procurar, à noite, o bairro e a casa.
Quem conta bem a história desse jantar é a Leilah.
Escrevi e pedi a revisão dela.
Ao sermos convidados para jantar, fomos procurar
um presente para dar ao casal. Tinha de ser algo de valor, ainda mais que
tinham convidado todo o grupo. Leilah tinha perguntado ao Cássio como eram os
pais da Julia, mas ele não nos deu um perfil claro; não tivemos, portanto, uma
dica sobre o que comprar. Fomos ao Shopping Center de Stanford e na Emporium,
loja de categoria, escolhemos uma bandeja de desenho chinês, que achamos
bonita.
Quando chegamos à casa dos Martino, nos
surpreendemos. Construída em um loteamento de alto nível, era uma casa moderna
com projeto arquitetônico que aproveitava o desnível do terreno. Pareceu-nos
uma mansão moderna, muito especial. Já na porta de entrada, notamos o capricho
na seleção e conservação das plantas.
Fomos recebidos pelo Ron, pai da Julia, que nos
guiou por um corredor, também decorado com plantas ornamentais, até uma sala de
visitas onde encontramos a Julia e a Diane, sua mãe. Ron e Diane, alguns anos
mais moços do que nós, e a filha, foram muito simpáticos e nos puseram à
vontade. Nosso Inglês serviu para uma boa comunicação e melhorou muito depois
que nos serviram um aperitivo, inesquecível para mim: champanhe com “seven-up”.
A sala de visitas e, em seguida, a enorme
copa-cozinha, davam para a piscina, que não tínhamos visto da entrada da casa.
Do outro lado do corredor ficava a sala de jantar, com uma grande mesa de tampo
de cristal, de formato oitavado. Os quartos ficavam no outro lado da casa,
oposto à piscina, em nível diferente. Na copa-cozinha havia, além dos balcões e
armários junto às paredes, uma ilha com fogão, balcão e gaveteiros; completando
o mobiliário, uma mesa grande, para oito pessoas pelo menos.
Para nós, Leilah e eu, uma grande surpresa foi o
lavabo, decorado com vegetação do oriente (bambu, entre outras) e, além da
iluminação normal para a noite, a zenital durante o dia.
Ficamos então sabendo que o Ron era Arquiteto,
especializado em decoração de interiores, e que tinha uma loja sofisticada do
ramo em Los Gatos.
A casa dos Martino em Los Gatos |
Na sala de jantar jantaram os jovens – os dois
irmãos da Julia, Jon e Randy; Luiz, Paolinha, Francisco, Jurema, Marcelo e
Archie. Na copa, Ron, Diane, Julia, Cássio, Leilah e eu.
O Cássio não havia contado para nós que a família
era religiosa, católica. Foi para mim uma surpresa, portanto, ser convidado a
dizer a “grace”, ou seja, fazer a oração antes da refeição. Topei, mandei bala,
estimulado pelos drinks, mas acho que dei um recado satisfatório e agradeci
devidamente a gentileza do casal.
O jantar foi memorável, um ótimo início de relacionamento
– e ficamos muito amigos da Diane e do Ron.
Leilah, até hoje, sente um certo constrangimento
pela modéstia, impropriedade mesmo, de nosso presente (a bandeja) frente ao requinte da decoração da casa, tanto que,
há algum tempo, comentou nossa “gafe” com o próprio Ron. Ele sorriu, divertido
com a preocupação dela.
Passamos a noite de Natal na casa de Palo Alto.
Após telefonemas vários para o Brasil e os votos recíprocos de Feliz Natal (não
me lembro da sessão de presentes, nem da árvore, nem das orações) comemoramos
com uma ótima e animada ceia. Tampouco me lembro do cardápio, mas sim (ajudado
por fotografias) de que tomamos um vinho ótimo, da Califórnia, e brindamos com
champanhe (naquele tempo ainda se podia chamar qualquer espumante de champanhe).
Fizemos as compras em um ótimo supermercado próximo e a Leilah, com ajuda de
todos, preparou a ceia.
Conforme planejado pelo Cássio, o aniversário de
casamento, Bodas de Prata de Leilah e Washington, seria comemorado em Lake
Tahoe, local de turismo bem conhecido dos brasileiros, que no inverno se
converte em estação de esqui. Conforme já comentei, esse passeio daria aos
jovens a oportunidade de se iniciar nesse esporte e de curtir a neve bem de
perto (algumas vezes na horizontal).
A viagem seria feita nos dois automóveis alugados
– o “station wagon” grande e um Honda esporte vermelho escolhido pelo Cássio.
Este aproveitou a chance de dirigir um carro “legal”, pois naquela ocasião o
seu veículo era uma moto Kawasaki usada, a qual, aliás, ele comprara sem nos
contar, pois sabia de nossa total reprovação ao uso de motocicletas por nossos
filhos. Felizmente, ela foi depois substituída por um pequeno Honda Civic,
aposentado muitos anos depois, por insistência de Julia, Leilah e eu.
Volto à viagem.
Foi necessário alugarmos correntes para colocar
nos pneus, então permitidas nas estradas da Califórnia, para evitar derrapagens
na neve que encontraríamos ao chegarmos às proximidades de Tahoe.
A viagem, de uns 400 km, durou cerca de 4 horas. O
Cássio dirigiu o Honda e eu e Leilah nos revezamos no “station wagon”. Chegamos
à noite e encontramos logo o hotel em que tínhamos feito a reserva.
O hotel, simples, porém confortável, ficava à
beira do lago, numa espécie de praia gelada, a qual, na manhã seguinte, se
mostraria sob um céu azul maravilhoso. Tirei uma foto da Leilah nessa praia,
foto essa que considero a melhor que tirei na vida.
Leilah, o lago e a neve |
Contrastes - Verde, azul e branco |
As
sessões de esqui tiveram lugar num campo de risco médio, adequado aos principiantes,
pois poucos tinham tido, como o Cássio, alguma experiência nas descidas de
montanha.
Leilah e eu (que estava então na flor dos meus 52
anos) ficamos em baixo, no restaurante, abrigados e nutridos com canecas de
chocolate bem quente. Não conseguiríamos nem subir nos banquinhos que içavam as
pessoas para o topo da montanha.
Jurema, garota nova, parte para a aventura |
E perto do chocolate quente
Participamos do programa de esqui, felizmente, apenas duas vezes. Temos uma foto, histórica e célebre na família, do
grupo já preparado para a escalada, devidamente vestidos para esquiar, pois
havia a facilidade de se alugar todo o equipamento.
O casal e o valoroso grupo de esquiadores
O destaque em Tahoe foi o jantar de comemoração
das Bodas de Prata, num restaurante muito bom, com um ambiente agradável e
acolhedor, circundado por uma respeitável camada de neve. Recordo-me que, mais
uma vez, fomos chamados para a mesa da forma que ficou famosa no grupo: “Mr.
Washington – party of nine!”. Era 30 de dezembro de 1984.
Voltamos a Palo Alto e comemoramos a passagem do
ano na casa do Cássio, com nova ceia, muito animada, depois da qual os jovens
foram passear em Stanford. Um réveillon muito diferente daqueles do Rio, com
fogos, batuques na praia e festas em clubes ou casas de amigos.
Nessa viagem, antes e depois de Tahoe, fizemos um
bom turismo na região.
Tenho dificuldade, agora, em afirmar onde estive
em cada viagem à Califórnia, especialmente aquelas de anos atrás, mas
certamente, também daquela vez, aproveitamos as várias atrações de São
Francisco que menciono sempre: a Fisherman’s Wharf, o centro da cidade, o
Golden Gate Park e as ladeiras famosas (como a “Lombard Street”), estas
cenários de filmes para perseguições extremamente acrobáticas em automóveis, em
alta velocidade. Sausalito também esteve no roteiro, bem como as localidades
vizinhas a Palo Alto. Aproveitamos para fazer compras, claro, pois,
especialmente naquela época, havia lá vários artigos que ainda não eram
fabricados no Brasil ou que aqui eram muito caros.
Compra importante nessa viagem foi um forno
micro-ondas que a Leilah tinha tentado comprar em outras viagens, mas eu sempre
me opunha, pela dificuldade de carregar e pelas complicações que enfrentaríamos
na Alfândega. Dessa vez, entretanto, com a ajuda dos jovens que nos
acompanhavam, seria mais fácil levar o forno. Lembro-me deles embalando-o para
a viagem. Durante trinta anos, esse milagre da indústria eletroeletrônica
funcionou regularmente; um pouco lento em relação aos mais novos, mas dando
conta do trabalho. É o primeiro objeto inanimado cuja velhice achei semelhante
à minha.
Depois do dia primeiro de janeiro, o grupo se dispersou. O Luiz e o primo Marcelo ficaram mais um pouco em Palo Alto com o Cássio e depois visitaram a Occidental. O Francisco voltou para a Occidental, o Archie para a Universidade dele e a Paolinha para o Rio.
Leilah, eu e Jurema fomos para Chicago, onde fomos
hospedados pelos Stilps, Polly e Tom, nossos grandes amigos desde os idos de
1968-1969. Já estava combinado deixarmos a Jurema para uma temporada de três
meses na casa deles, em Wilmette. Ela ia frequentar como ouvinte uma classe de
high school na escola em que a Polly lecionava. O casal fez muita festa para
ela, adotaram-na temporariamente como filha (eles só têm filhos homens) e ela
aproveitou bastante o programa.
A excursão de nossas Bodas de Prata foi notável; o
“Party of Nine”, inesquecível. Foram dias de uma convivência excelente com os
jovens, nos quais Leilah e eu nos divertimos muito e – tive essa impressão –
nós, os dois mais velhos, também fomos uma boa companhia para eles.
Washington Luiz Bastos Conceição
Uma saga, não? Muita história boa para contar...
ResponderExcluirGostei muito da maneira como você escreveu.
ResponderExcluirGostei de você ter citado lugares que também visitei, embora sem essas maravilhosas "circunstâncias" citadas no seu relato.
De D. Isette, mãe de minha nora Adriana:
ResponderExcluirBoa noite,Washington. Achei interessante a comemoração de Bodas de Prata com a Leilah e um bando de pessoas ... Legal! Sua descrição perfeita nos transporta aos lugares como se estivéssemos ao vivo! Lindas recordações! Fico à espera de mais uma crônica. Abraços para Leilah e para você.
Do primo Ruy:
ResponderExcluirLi o artigo sobre as bodas de prata. Que jornada e que belos lugares! A linguagem agradável e envolvente de sempre. Abraço.
Adorei ler o Party of Nine para H.Kato. Ouviu atento e compenetrado. Qdo tenho sol em casa, no outono leio toda vez alguma historia sua para ele! Que viagem maravilhosa!! Registro incrivel através deste blog! Parabéns Washington!
ResponderExcluirSeus cartões de Natal sempre foram lidos com muita alegria por Hosanna e Kato! Sempre mostravam para nós...