Na primeira parte desta
minha breve história dos computadores, comparei os recursos que temos hoje com
os instrumentos de trabalho utilizados na época em que eu era estudante de
Engenharia em São Paulo.
Nesta segunda parte, faço
um resumo da evolução dos computadores, conforme a acompanhei desde que fui
trabalhar na IBM do Brasil. Outras empresas desenvolveram e comercializaram
sistemas eletrônicos, porém meu conhecimento maior é dos sistemas da Empresa em
que trabalhei. Por essa razão, os
equipamentos que menciono foram produtos desenvolvidos e comercializados pela
IBM.
Confesso que tive
dificuldade em resumir a história, pois fui muito tentado a contar causos de
trabalho e tive de cuidar para não entrar em detalhes que não cabem numa
crônica. Talvez em um livro...
Após ter trabalhado
durante quatro anos como engenheiro civil, fui, em 1959, atraído pela nascente
atividade de computação eletrônica no Brasil. Passei a trabalhar na IBM, no
primeiro grupo de especialistas que esta Empresa formou aqui no País para
comercializar computadores eletrônicos (chamados então “cérebros eletrônicos”)
e dar apoio técnico aos clientes.
Admitido na filial de
São Paulo, recebi inicialmente um treinamento especial de mais de seis meses,
em tempo integral. Participei de um grupo de cerca de vinte profissionais,
todos com curso superior de base matemática, que teria por missão dar apoio técnico
especializado às organizações (empresas e órgãos de governo) que viriam a se
tornar clientes de computadores. Já era
uma época de evolução tecnológica rápida, pois, naquele ano, quando estávamos
acabando de instalar no Brasil computadores com circuitos de válvulas, já eram
anunciadas novas máquinas com transistores e circuitos impressos.Com isso, nosso grupo teve de aprender o funcionamento, programação e aplicação de diferentes computadores, já instalados ou em instalação, e daqueles que, provavelmente, seriam trazidos para o mercado brasileiro.
Naquele tempo, os clientes da IBM (grandes empresas e governos) utilizavam, para seu processamento de dados, máquinas eletromecânicas que funcionavam com base em cartões perfurados. Esse tipo de equipamento era avançado para a época, seu funcionamento era automático, rápido, e com precisão controlada por rotinas de verificação. Chamado, sucessivamente, Hollerith, Convencional e UR (Registro Unitário), consistia em um conjunto de máquinas eletromecânicas com funções específicas.
Na foto, o cartão IBM de
80 colunas, com perfurações correspondentes aos 10 algarismos, 26 letras do
alfabeto inglês e símbolos especiais.
O fluxo do trabalho em
uma “Seção Mecanizada” (como era chamado o setor de Processamento de Dados das
organizações) começava pela perfuração de cartões, o que era feito por
operadoras em unidades semelhantes a máquinas de escrever; apenas, em vez de
imprimirem os caracteres em papel, perfuravam cartões, os quais eram
alimentados automaticamente. Desta forma, os dados necessários, registrados originalmente
em documentos encaminhados à seção, eram convertidos em perfurações em cartões
especialmente projetados para cada serviço. Essas perfurações eram a linguagem
“escrita” que as outras máquinas iriam ler para executar o processamento dos
dados.
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Máquina perfuradora de cartões IBM |
Ao lado, um dos tipos de
máquina perfuradora de cartões.
Para a execução das
várias etapas dos serviços, os cartões eram levados de uma unidade para a outra
pelos operadores das máquinas, pois estas não eram interligadas. Os cartões com
os dados do movimento de cada período eram ordenados, juntados aos cartões
correspondentes dos arquivos (de cadastros, por exemplo), passavam pela
calculadora e, no final, eram levados à unidade que calculava totais e imprimia
documentos (contas de luz, por exemplo) e relatórios (faturamento do período,
por exemplo).
A foto, à direita, de uma
IBM 407, tabuladora e impressora, mostra o painel de controle, onde era
programada a operação, e o formulário contínuo utilizado.
No início da década de
1960, o que se previa – e veio a ocorrer – era que grande parte das
organizações usuárias deveria fazer a migração de seu equipamento
eletromecânico para computadores eletrônicos.
Essa migração, como
primeiro passo na evolução dos sistemas, consistiu em substituir as máquinas
instaladas por computadores. Estes utilizavam circuitos transistorizados e
unidades aperfeiçoadas de entrada e saída de dados, inclusive arquivos com
discos e fitas magnéticos, ligadas à unidade central de processamento (CPU). O
processamento era programado mediante instruções carregadas na memória da CPU.
No caso do Sistema IBM/1401®, que foi largamente utilizado no País, essa
memória era constituída de anéis de ferrita atravessados por fios. A introdução
dos dados de movimento no sistema continuou a ser feita mediante cartões, mas
os arquivos de aço com cartões foram substituídos por arquivos de discos e fitas.
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Sistema IBM 1401 com leitora-perfuradora de cartões, CPU, impressora e fitas magnéticas |
Nesta etapa, a “Seção
Mecanizada” passou a ser o “Centro de Processamento de Dados” (CPD), mantendo a
característica de setor isolado, “fechado”. Recebia os dados dos diversos
setores mediante documentos originais que eram convertidos para cartões
perfurados no CPD para o processamento no sistema. Dentro do setor, organizaram-se
basicamente duas equipes: a de operação e a de programação, esta responsável
pela elaboração e manutenção dos programas e a primeira pela realização dos
serviços nas unidades do sistema.
A etapa seguinte,
notável, foi possível com o lançamento do Sistema IBM/360® em 1964, que trouxe
a novidade da utilização do chip de silício nos circuitos e a expansão dos
caracteres disponíveis, ao codificá-los no conjunto de oito bits denominado
“byte”. Inovação muito importante no hardware do 360 foi a introdução dos
canais, espécie de unidades de processamento auxiliares, que atendiam as
unidades de entrada e saída, liberando a CPU para o processamento de dados
propriamente dito.
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Sistema IBM/360 - Foto de Anúncio |
O software básico foi
enriquecido com o sistema operacional, mais comumente o DOS (Disk Operating
System), que automatizou tarefas do operador, como, por exemplo, a de carregar
o programa correspondente para executar cada serviço.
Além do aperfeiçoamento
e expansão da capacidade dos sistemas em geral, o 360 viabilizou o uso de
terminais ligados ao computador central, abrindo, consequentemente, o uso dos
computadores para os usuários de todos os setores de cada organização, os
chamados “usuários finais”. Esses terminais não tinham ainda processamento
próprio, mas os usuários podiam usar a CPU do computador central (o “mainframe”)
para processar seu trabalho. A entrada de dados por cartões perfurados foi
gradativamente reduzida.
O passo seguinte,
difícil porque dependia do aperfeiçoamento dos equipamentos das empresas de
telecomunicações, foi a disponibilidade do teleprocessamento. Os envio de dados
para processamento passou a ser feito também de locais distantes do CPD.
Entramos então na fase do processamento remoto, que, dependendo dos recursos de
cada empresa e das comunicações em cada local, se estendia internacionalmente.
Este era o cenário do final dos anos setenta.
O 360, que trouxe um avanço
tecnológico muito significativo, foi seguido por modelos de maior porte (Sistema IBM/370® e sucessores), com capacidades expandidas e inovações para processamento
mais rápido e maior compartilhamento de tarefas.
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Sistema IBM/3 - Foto de Anúncio |
Por outro lado, a IBM tinha
a necessidade de oferecer um computador de menor porte, também de tecnologia
avançada, para novos clientes e para clientes que ainda utilizavam máquinas
eletromecânicas (destes, ainda havia uma quantidade significativa no Brasil). O
Sistema IBM/3® modelo 10, desenvolvido para atender esse mercado, foi lançado em
1969 e teve grande sucesso de vendas no País. Além de seu papel de sistema
principal, funcionou também como sistema remoto de grandes organizações, ligado
ao sistema central, de maior porte.
Em seguida, a IBM
anunciou o Sistema 3 modelo 6, que na propaganda foi anunciado como “Personal
Computer”. Este, por seu preço, não competiu com o
modelo 10 no Brasil, mas
foi, conceitualmente, o verdadeiro predecessor dos atuais computadores
pessoais (PC's). Sua configuração básica compreendia a CPU e, ligados a esta, o
teclado para entrada de dados, uma impressora tipo máquina de escrever elétrica
e arquivos de estojos de discos, removíveis, iguais ao do modelo 10. Ou seja, é
uma configuração semelhante ao computador pessoal que estou usando neste
momento, apenas com tecnologia mais avançada. O sistema operacional era o mesmo
do modelo 10, mas oferecia a facilidade adicional de rodar programas em BASIC,
linguagem bastante utilizada, mais tarde, com os PC’s.
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Sistema 3 modelo 6, com vídeo |
Na década de 1980, o
advento dos PC’s estendeu o uso de computadores a toda
a população.
Nas empresas e órgãos do governo, eles passaram a funcionar como terminais de “mainframes". Além disso, como alternativa, foram implantadas redes de PC’s sem "mainframe", com a solução cliente-servidor,
na qual o processamento é feito parte nos terminais e parte nos servidores (computadores
controladores da rede). Esta solução foi reforçada, no início dos anos 1990, pelos servidores tipo IBM/RISC ("reduced instruction set computer").
Houve muita discussão dos técnicos sobre a vantagem do “downsizing” (a substituição dos "mainframes" por redes); porém, após algumas experiências problemáticas, chegou-se a um bom termo na aplicação da solução mais adequada a cada tipo e porte de organização.
Em evolução contínua, caro leitor ou prezada leitora, entramos
bem recentemente na era da Internet, que todos conhecem. Os recursos são muitos, tendendo para o infinito, e se estenderam
pelo mundo todo. Agora, temos até a Internet portátil, nos celulares e “tablets”
tipo Ipad.
Ao mesmo tempo, com a
interligação dos aparelhos de televisão, som e telefonia, já estamos no estágio da casa digital.Digitalizamo-nos todos, em todas as áreas.
Durante toda essa evolução,
os programas acompanharam a vertiginosa evolução do hardware, tanto dos sistemas
operacionais, básicos para a utilização dos computadores, como daqueles que
executam os serviços das empresas e pessoas usuárias (chamados aplicações ou
sistemas aplicativos) que chegaram ao estágio de sistemas integrados
corporativos parametrizáveis.
Na história da
Informática é importante destacar o trabalho de projeto e implantação dos
sistemas, que acompanhou a evolução dos equipamentos.
Desde o processamento de
dados com as máquinas convencionais eletromecânicas, as soluções encontradas
pelos analistas e programadores são admiráveis. Mostraram, sempre, a habilidade
humana em conseguir atender às necessidades das organizações usuárias com a
tecnologia disponível, resolvendo as dificuldades encontradas pela complexidade
do serviço frente aos recursos dos equipamentos.
Washington Luiz Bastos Conceição
Notas:
- A fonte da foto do Sistema 3 modelo 6 foi o site do Glenn's Computer Museum; as demais foram copiadas de sites da IBM e
da Wikipedia.- Para os mais interessados, copiei abaixo, da Wikipedia, a definição de cliente-servidor:
"O modelo cliente-servidor, em computação, é uma estrutura de aplicação que distribui as tarefas e cargas de trabalho entre os fornecedores de um recurso ou serviço, designados como servidores, e os requerentes dos serviços, designados como clientes.
Geralmente os clientes e servidores se comunicam através de uma rede de computadores, mas tanto o cliente quanto o servidor podem residir no mesmo computador.
Um servidor é um host que está executando um ou
mais serviços ou programas que compartilham recursos com os clientes. Um
cliente não compartilha qualquer de seus recursos, mas solicita um conteúdo ou
função do servidor. Os clientes iniciam as sessões de comunicação com os
servidores, os quais aguardam requisições de entrada."
Olá Washington, parabéns pelo texto! É uma ótimo relato sobre os primeiros computadores aqui no Brasil. Inclusive vou lhe pedir autorização para divulgar com os meus alunos, grande abraço.
ResponderExcluirCaro Leonardo:
ExcluirPode divulgá-lo aos alunos. Espero que tirem proveito.
Obrigado pela atenção.
Prezado Washington, belo texto. Retrata tudo que vivi no começo de minha carreira.
ResponderExcluirFui Operador e Programador no antigo CSD da IBM Campinas, onde trabalhei com os sistemas /370.
Na sequência conheci os sistemas /370 no subcentro do Itau em Campinas, onde fiz parte da primeira turma de Operadores.
Caro Nelson:
ExcluirBem-vindo ao blog.
Talvez também lhe interesse a crônica sobre o Road Show do Sistema IBM/3.
Obrigado pelo interesse.
Washington L. B. Conceição