Mais
uma vez, relato uma experiência pessoal com o intuito de informar os leitores e
de provocar comentários daqueles que tenham vivido situação semelhante.
Meu
conhecimento da modalidade de atendimento hospitalar (ou semi-hospitalar) em domicílio
era, até o mês passado, restrito a um caso muito triste de uma tia que ficou em
“home care” por dois anos, em coma, após um segundo acidente vascular cerebral,
muito forte. O que eu sabia da operação do sistema era apenas que havia
atendimento de enfermagem 24 horas por dia em um quarto com cama hospitalar e
que meu tio contratou adicionalmente uma pessoa para acompanhar, de sua parte,
os procedimentos diários.
O
“home care” pós-operatório da Leilah teve, felizmente, características muito
diferentes por se tratar de um tratamento específico mediante infusões
intravenosas de antibióticos e soro.
Embora
seja um tratamento relativamente simples, surpreendeu-me a complexidade da
operação – fácil de planejar, porém muito difícil de executar.
Em
minha crônica “É Proibido Cair!” conto a história das fraturas da Leilah, publicada
na fase de recuperação da segunda cirurgia de quadril. Ela vinha melhorando,
parecia que ia ficar boa logo. Infelizmente, após um período de melhora de
seis meses, dores muito fortes na perna a impediram de voltar a andar
normalmente, de tal forma que, após uma fase em que chegou a caminhar na rua
apenas de bengala, voltou ao andador. Radiografias, tomografias
computadorizadas, ressonâncias magnéticas e até um exame menos usual, a
eletroneuromiografia, deram resultados bons, ou seja, não indicaram
anormalidades. O ortopedista que a operou concluiu que ela necessitava apenas
de exercícios, fisioterapia específica, pois
as dores eram musculares e ela ficara muito tempo sem andar. Leilah fez
a fisioterapia com afinco e com gosto, mas, após cada sessão, as dores se
tornavam mais agudas e ela se arrastava ao caminhar. Sofria bastante.
Em
resumo, dois anos e três meses após a operação, durante os quais fizemos
tentativas variadas de tratamento, procuramos o ortopedista que tratara da
Leilah em 2009; cuidou de sua recuperação quando ela voltou ao Brasil, após
cirurgia de fratura no quadril direito realizada nos Estados Unidos.
O
médico verificou que, no caso atual da fratura no quadril esquerdo, a prótese
estava solta, decorrente de uma infecção entre o osso e a prótese. A solução
seria nova cirurgia, desta vez para substituir a prótese.
Operação dupla, portanto. Horas de trabalho numa paciente de 79 anos. Esta, com
o apoio da família, decidiu se operar novamente, pois, além de sofrer dores e
depender o tempo todo de analgésicos fortes, a perspectiva era de piora, até de
ficar imobilizada numa cadeira de rodas; o que, absolutamente, não seria
aceitável por Dona Leilah.
A
cirurgia foi realizada em março, com a necessária precaução médica: foram
feitos todos os exames necessários para a avaliação do risco cirúrgico,
trabalho em que nossa médica – clínica e geriatra – foi extremamente eficaz.
A
cirurgia propriamente dita foi um sucesso, mas a infecção exigiu, além dos cuidados durante a operação, um tratamento especial pós-operatório
para eliminar possíveis bactérias remanescentes, mediante infusão de
antibióticos, a qual era feita em cateter implantado no braço.
Leilah
teve alta do hospital em dez dias, mas o tratamento prosseguiu em casa, em
regime de “home care”. Estava previsto durar de 60 a 90 dias.
Logo
após chegarmos em casa do hospital (Leilah por ambulância, acompanhada de nosso
filho mais velho) recebemos o material a ser utilizado no tratamento – sacos e
mais sacos de plástico contendo medicamentos, luvas para procedimentos, tubos
para as aplicações e o pedestal para dependurar os frascos de medicamento, ao
qual é preso um aparelho chamado “bomba” para regular o escoamento dos
líquidos. Tudo, acompanhado do prontuário, uma pasta com os dados da empresa,
números de telefone dos profissionais e setores envolvidos, dados da paciente e
instruções para os técnicos de enfermagem. Minha filha trabalhou com a
enfermeira encarregada da implantação do “home care”, na organização do
material todo num espaço escolhido em uma saleta de estar do apartamento. Foi
um trabalho e tanto, pois incluiu um primeiro inventário.
A
empresa de “home care” (que passarei aqui a chamar de empresa, simplesmente),
selecionada pelo seguro saúde dentre suas credenciadas, impressionou-me de
início pelos preparativos do trabalho.
No
início, o atendimento consistiu em duas visitas de técnica (ou técnico) de
enfermagem, a primeira às seis da manhã, a segunda às seis da tarde, com
duração de cerca de duas horas cada. Sete ou oito da manhã e sete ou oito à
noite seriam mais convenientes para nós, mas não foi possível mudar. O horário,
entendi logo, estava condicionado à disponibilidade dos profissionais. Estes,
em sua maioria, são prestadores de serviço independentes ou organizados em
cooperativas; não são empregados da empresa.
Todos
os demais cuidados da paciente (inclusive os medicamentos usados além dos
antibióticos) ficaram por conta da família, sob orientação e acompanhamento de nossa médica,
que estabelecia os procedimentos necessários do tratamento, comunicando-se com
as médicas da empresa.
Fiquei,
como cuidador oficial da paciente, encarregado do gerenciamento das operações
em casa, o que incluiu a escala e a supervisão das cuidadoras para o período
noturno (por conta da família) e o
contato constante com diversas pessoas da empresa. Com nossa médica
comunicávamos eu e minha filha, além da própria paciente. As atividades diárias
normais da casa também ficaram sob minha supervisão. Muito bom, como estágio, para
um jovem octogenário, não acha, caro leitor ou prezada leitora?
A
operação se revelou complexa, muito difícil frente aos recursos da empresa.
Além dos técnicos (e técnicas) de enfermagem, são também terceirizados os
serviços de entrega de material e coleta do lixo hospitalar. Semanalmente, vinha
uma enfermeira fazer o curativo no acesso ao cateter (aquele implantado no
hospital).
Logo
na primeira semana, tivemos problemas: embora no procedimento da manhã tenha
sido possível fixar uma das técnicas de enfermagem, à tarde os profissionais variavam e, na
primeira vez de cada um, havia dificuldades, começando por não saber como
chegar a minha casa; nesta, tinham de procurar o material e os medicamentos e de
consultar o prontuário para saber quais os procedimentos para atender a
paciente; houve até um caso de desconhecimento do tipo da bomba reguladora da
infusão.
Durante
o tratamento, várias reações do organismo da paciente exigiram alterações de medicamentos –
aí o bicho pegava, pois os técnicos tinham a orientação de seguir estritamente
os procedimentos registrados no prontuário e este não era atualizado a tempo
(até a entrega das instruções do prontuário é feita por terceiros). Tínhamos de
falar com os coordenadores da empresa para esclarecimento e a comunicação era
difícil.
Aliás,
quero destacar aqui o problema de comunicação: nossa médica, que liderou o
processo, comunicava-se, por telefone e e-mail, com os médicos da empresa;
estes tinham de orientar a coordenadora de enfermagem (também da empresa) responsável
pelo tratamento e esta tinha de instruir os técnicos que vinham atender a
paciente. E, claro, o novo procedimento escrito demorava pelo menos um dia.
Algumas vezes a orientação se atrasou e uma vez foi distorcida por um
mal-entendido – eu tinha de estar atento o tempo todo. Dificultava o processo o
regulamento interno da empresa de não fazer comunicação por e-mail, de modo
que, se um dos envolvidos não fosse alcançado por telefone, a comunicação não
era feita. Discuti esse assunto com a supervisora de enfermagem, mas o
regulamento é rígido – e a dificuldade permaneceu.
A
troca do cateter era prevista mas o tempo de sua utilização é variável. Notei
que não havia pressa em fazê-la, provavelmente porque exigiria a volta da
paciente ao hospital. Até que, num domingo (claro, tinha de ser em um domingo)
ele ficou entupido e o técnico não pôde
fazer a infusão dos antibióticos. Ação imediata: levamos a Leilah à emergência
do hospital; ela recebeu a medicação e foi internada novamente. O cateter foi
trocado (colocado no outro braço) mas enfrentamos a burocracia do processo de
retorno ao regime de “home care”. Como burocracia e feriados não combinam
(houve dois naquela semana) ela só voltou para casa na sexta feira à tarde.
Foram retomados os procedimentos em casa.
Não
cabem aqui os detalhes da colocação dos cateteres, mas o procedimento é
delicado e requer ajustes, que aconteceram em ambas as implantações.
Nessa
fase, o ortopedista, em exame de acompanhamento, constatou o progresso da paciente na recuperação dos
movimentos, completamente sem dores, e verificou, por radiografia,
as perfeitas condições da prótese. Os médicos passaram a considerar a possibilidade de encerrar em breve os procedimentos de infusão intravenosa de antibióticos e evoluir para a medicação via oral, o que iria dispensar os serviços do ”home
care”. Uma febre, provavelmente causada pelo cateter, foi então determinante
para que, na semana seguinte, ao completar 55 dias de tratamento
pós-operatório, no hospital e em “home care”, Leilah passasse a nova fase de
tratamento.
O
desmonte do “home care” foi relativamente fácil.
Leilah está bem melhor agora. Embora um pouco debilitada e sofrendo ainda efeitos colaterais dos remédios, voltou às sessões de fisioterapia e nos deixa otimistas quanto à sua recuperação total em breve.
À
cara leitora ou prezado leitor enfatizo que este foi um caso de “home care”
entre tantos outros de características variadas. Entretanto, há certamente pontos
comuns neste sistema de atendimento.
Uma
observação final: um amigo me perguntou o que eu achava melhor, como solução
para o tratamento pós-operatório, se a permanência no hospital durante o
tratamento todo ou a passagem para o regime de “home care”.
Respondi
que, de início, eu pensava que seria melhor a permanência no hospital, pelo
fato de todos os recursos necessários estarem disponíveis de imediato – de profissionais,
equipamento e serviços. Por exemplo, apoio médico e de enfermagem, exames de
laboratório e radiografias. No hospital, a família provê apenas um
acompanhante, cuja ajuda é mínima, é mais um apoio moral. No “home care”,
coletas em domicílio de material para exames têm de ser agendadas em
laboratórios, radiografias e outros exames requerem locomoção do paciente. Em
situações de emergência, o paciente tem de ser levado imediatamente para o
hospital. E mais: a família tem de gerenciar o regime, pagar cuidadores,
comprar medicamentos e material que não estão no escopo do tratamento
específico do “home care”.
Há,
porém, dois argumentos de peso para a solução “home care”: o fantasma dos vírus
hospitalares e a carga depressiva imposta à pessoa internada.
Depois que presenciei a
ansiedade da Leilah por voltar para casa, em ambas as internações, concluí que a solução melhor é aquela que atenda a preferência do paciente.
No
final da segunda internação, quando nós da família estávamos pedindo à
Assistente Social do hospital que conseguisse o retorno ao “home care” o mais
breve possível, ela comentou: “Estou admirando vocês, pois, na maioria dos
casos, a família pede que o paciente continue no hospital”. Pode haver, certamente,
razões fortes para esta atitude, mas minha conclusão, repito, é que a
preferência do paciente, sempre que possível, deve ser atendida.
Em
qualquer dos regimes, o acompanhamento dos médicos deve ser constante; em especial,
a atuação da médica (ou médico), clínica particular do paciente, é fundamental.
Washington Luiz Bastos Conceição