sábado, 28 de dezembro de 2013

Perspectivas de Vida


— O que você quer ser quando crescer?

Cara leitora ou prezado leitor: Quantas vezes lhe fizeram essa pergunta quando era criança? E quantas vezes você fez essa pergunta para uma criança? Em ambos os casos, provavelmente, muitas vezes, incontáveis.

Agora, menos comum é outra, talvez tão importante quanto aquela lá acima, no topo da página: “O que você vai fazer quando se aposentar, quando encerrar sua carreira?”.

Baseado em minha própria experiência e na observação de pessoas de minha faixa etária, parece-me que esta nova pergunta é respondida com menos convicção, a pessoa pode ter uma vaga ideia do que vai fazer, embora expresse desejos como, por exemplo: “Vou mudar para minha casa de campo (ou meu sítio) e aproveitar a vida mansa”. Ou então: “Vou viajar o máximo que puder.”

O que tenho constatado é que há pessoas que não conseguem, realmente, parar de trabalhar; querem mesmo continuar a fazer o que fizeram a vida inteira. Por exemplo: um médico americano amigo nosso, além de praticar ciclismo e alpinismo, engajou-se no programa “Médicos sem Fronteiras” e tem prestado serviços relevantes em lugares afetados por desastres ou guerras, como o Haiti, Quênia e Jordânia (no campo de refugiados sírios). Deixa uma vida muito confortável para, heroicamente, socorrer pessoas necessitadas em lugares desprovidos de recursos. Outro caso é o de uma amiga, professora aposentada, também americana, com mais de setenta anos; ela ainda dá aulas, agora na condição de professora substituta. Diz que gosta muito de estar em uma sala de aula e ensina matérias variadas – até ginástica! “Vocês não têm permissão de rir de mim”, escreveu ela.

Quando se torna difícil ou impossível prosseguir em suas atividades, algumas pessoas ficam frustradas. Outras tentam trabalhos voluntários, mas sei de um caso em que a pessoa desistiu por se sentir em um ambiente desorganizado, nada profissional.


Contudo, observo casos em que pessoas idosas, formalmente aposentadas, desenvolvem atividades novas, as mais variadas, com grande satisfação.

Alguns descobrem que cozinhar é algo prazeroso, demanda conhecimento específico e o resultado é muito importante para quem cozinha. E a apreciação dos comensais é um reconhecimento sumamente agradável para o mestre cuca.

Outros estudam e se dedicam ao conhecimento de vinho; em geral, passam por uma fase inicial de muito entusiasmo, talvez demasiado (a fase do “enochato”), mas depois se tornam realmente conhecedores, acompanham as notas dos vinhos nos sites especializados, visitam viniculturas, relacionam-se com produtores e importadores, adquirindo o status de “enófilos”. Para escolher um vinho, vale a pena consultar um amigo desses.

Outros mais escolhem um esporte que possam praticar até uma idade avançada: ciclismo, tênis, natação, corridas e caminhadas estão nesta categoria.

Quanto a mim, que uso abusivamente o argumento da idade avançada como desculpa para fugir das atividades físicas, resolvi escrever. O leitor que me honra com sua atenção há algum tempo já sabe quanto esta atividade, embora amadorística e despretensiosa, me dá prazer e ainda me traz a recompensa de comentários favoráveis. Alguns de meus amigos também escrevem; começaram antes de mim e estão em estágios variados, mais avançados.


Bem, cara leitora ou prezado leitor, cheguei até aqui para ousar lhe fazer uma sugestão de resposta para a pergunta “O que você vai fazer quando se aposentar, quando encerrar sua carreira?”.

Sentindo-me no papel semelhante ao do vendedor de plano de previdência privada, a sugestão é feita basicamente para às pessoas que ainda estão em plena atividade profissional, mas ela se estende, porque ainda há tempo, àquelas que já entraram na fase de aposentadoria.

Proponho que você, se ainda em atividade profissional plena, considere o que mais gostaria de fazer após se aposentar, mas não faz porque os compromissos do trabalho não lhe dão o tempo necessário. Você pode se preparar, iniciando a atividade como “hobby”, dedicando-lhe algumas horas de folga. Atividade como tocar um instrumento, por exemplo; ou fazer objetos de cerâmica; ou cozinhar nos fins de semana. Ou escrever, ensaiando algum escrito (comecei desta forma e levei mais de dez anos para publicar meu primeiro livro – demorei, mas antes tarde do que nunca).


Neste ponto você poderá estar  pensando: “O que deu no Washington para ele vir hoje com essa conversa toda?”.

Tenho de responder, antecipadamente, a essa pergunta: porque, infelizmente, algumas pessoas amigas e conhecidas, também idosas, estão sentindo muita falta das atividades do trabalho ou da administração da casa e do cuidado com os filhos e o cônjuge, e sofrem com isso. Falta do que fazer, às vezes comentada de uma forma depreciativa, é coisa muito séria.


Ter o que fazer e realizar algo que lhe traga satisfação é, pois, de suma importância para o aposentado.

Neste final de ano, dentre os votos de um Feliz 2014, é o que desejo intensamente aos meus amigos.


Washington Luiz Bastos Conceição




segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Wilson Tiellet, colega, vizinho, amigo.


Quarenta anos atrás, na manhã do dia 11 de julho de 1973, eu estava trabalhando normalmente no escritório da matriz da IBM, no Rio, quando, agitados, colegas passaram a ouvir pelo rádio o noticiário de um acidente com um avião da Varig no aeroporto de Orly, em Paris. Uma vez confirmada a notícia do acidente, me perguntaram se aquele era o voo que um colega nosso ia fazer para uma viagem de férias para a Europa. Congelei, pois eu sabia de detalhes da viagem e era quase certo que ele estava naquele avião. Depois de algum tempo de ansiedade, a triste confirmação: nosso colega Wilson Tiellet, sua esposa e os dois filhos,  menores ainda, estavam entre os 123 mortos do desastre. A consternação das pessoas que os conheciam foi enorme, tanto na IBM, onde o amigo Tiellet era meu colega, quanto no nosso edifício, onde éramos vizinhos.






Conheci o Tiellet logo que entrei na IBM, em 1959. Eu estava em treinamento de marketing e suporte técnico para clientes de computadores eletrônicos, cuja comercialização a Empresa estava iniciando no Brasil. Simpático, um pouco mais velho do que eu, sotaque indicando que era do sul, ele trabalhava no Rio, na Matriz. Era o gerente responsável no País pela divisão de relógios – os “time systems” – e fez, para o nosso grupo de “trainees”, uma palestra sobre os produtos e serviços de sua divisão. Para ele, era importante que os futuros representantes da IBM junto aos clientes de computadores conhecessem os produtos de sua divisão. O “time system” era um conjunto de relógios interconectados, inclusive relógios de ponto, distribuídos por todas as instalações do cliente. O controle era feito pelo relógio mestre, que fazia o sincronismo do conjunto. O sistema todo era elétrico.
Na ocasião, fiquei sabendo que ele tinha sido um ótimo vendedor, sendo folclórica a história de uma venda que fez de relógios de ponto para dentistas em Curitiba.

Passei a ter mais contato com o Tiellet em 1970, quando, ao ser transferido para a  Matriz da IBM no Brasil, me mudei para o Rio. Ele era, então, responsável pela divisão de suprimentos para computadores eletrônicos. Seus produtos principais eram o cartão IBM e as fitas magnéticas. Não tínhamos muitos assuntos comuns de trabalho, mas nos aproximamos porque me tornei seu vizinho ao me mudar para o edifício do Leblon onde moro até hoje, o CPVA (Condomínio Parque Visconde de Albuquerque), apelidado “Meia Lua”.

Desde aquele ano, víamo-nos com frequência no prédio, na IBM e no transporte para o escritório. Ficamos amigos.


Os escritórios da IBM no Rio estavam distribuídos em alguns edifícios no centro da cidade, na região da confluência das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. Não trabalhávamos no mesmo edifício, mas usávamos os mesmos ônibus, fretados, de uma organização chamada “Plano da Melhor Condução”. Eram ônibus confortáveis, semelhantes aos “frescões” de hoje. Pagávamos uma mensalidade por sua utilização em itinerário e horário predeterminados e o serviço era devidamente controlado. Naquele tempo, não era comum um casal ter mais de um automóvel, de modo que, se a esposa precisasse do veículo para levar crianças à escola, para compras e outras atividades domésticas, os maridos iam ao centro de condução, sem se preocupar com estacionamento e aproveitando o tempo para conversar ou ler no ônibus. Era o meu caso, do Tiellet e de vários outros colegas, que acabaram justificando economicamente o “Plano da Melhor Condução”.
De manhã, às sete e meia, Tiellet e eu tomávamos juntos o ônibus na esquina da Timóteo da Costa, nossa rua, com a Avenida Visconde de Albuquerque e íamos conversando sobre vários assuntos, tanto de trabalho como de atividades do edifício. Foi assim que acompanhei alguns de seus projetos na IBM e, por outro lado, que tomei conhecimento do trabalho que ele e alguns vizinhos tiveram para a conclusão da construção do nosso prédio.


A gerência de suprimentos da IBM no País requeria muita atenção, pois, evidentemente, os clientes de sistemas de processamento de dados daquele tempo não podiam prescindir dos principais meios de entrada de dados nos computadores, os cartões e as fitas magnéticas. A cartolina dos cartões, com características especiais de pureza para evitar contatos indevidos nas máquinas, era importada em rolos e cortada em medidas rigorosas no Brasil, produzindo os cartões, que eram impressos com os clichês de cada cliente. As fitas magnéticas (em grandes rolos) eram também importadas e, da mesma forma, não podiam faltar. Portanto, além da venda dos produtos, a operação do setor envolvia importação, produção, custos, e controle de estoques, que eram preocupações constantes do Tiellet.

Além das atividades usuais, surgiam necessidades especiais que tinham de ser atendidas. Por exemplo, em uma época em que as leitoras óticas ainda não estavam disponíveis ou eram muito caras, os cartões “mark sensing”, marcados com lápis especiais, serviram para correções de provas escolares de múltipla escolha. Em 1970, um grande projeto da divisão de suprimentos foi a Loteria Esportiva.

Você, caro leitor ou prezada leitora, talvez tenha acompanhado o lançamento e a implantação da loteria esportiva, a “Loteca”, e se lembre de que as apostas eram feitas em cartões, colocados em um estojo de plástico e perfurados mediante um punção.

Num tempo em que já havia a disponibilidade de grandes computadores para processar a imensa quantidade de apostas no País inteiro, a forma de introduzi-las no sistema foi o grande desafio, pois não tínhamos ainda os pequenos terminais especiais, as maquinetas que se conectam hoje aos sistemas para registrar  as apostas da Quina, da Sena e outras.
Cartão Port-a-punch IBM
(Fonte: Site IBM History)
 
 A equipe do projeto planejou o uso de um cartão especial, previamente serrilhado, que a IBM já oferecia para perfuração manual de dados em ambientes fora dos centros de processamento de dados – o cartão “Port-a-punch”.

 
Foi projetado então o cartão da Loteria Esportiva, com apostas em treze jogos, três palpites por jogo. Foi uma febre no Brasil em ano de Copa do Mundo (a do México, em que o Brasil se tornou tricampeão mundial). Após rodadas de teste do funcionamento total do sistema, foi implantada a “Loteca”.
Cartão da Loteca (Fonte Wikipedia)

 
O Tiellet vibrou muito com o sucesso do projeto, que teve repercussão   internacional, e, se bem me lembro, ele foi devidamente premiado pelo excelente resultado do negócio.

 
O projeto da Loteca foi um dos assuntos de nossas viagens de ônibus.

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Bem, o Tiellet colega eu já conhecia. Quem me surpreendeu muito agradavelmente foi o Tiellet vizinho. Surpreendeu porque ele usava toda sua seriedade e competência também na vida particular e no relacionamento com os amigos do prédio. Senti que estes o tratavam com muita consideração e logo fiquei sabendo que, além de seu bom relacionamento com todos, ele tinha tido uma atuação muito destacada na comissão dos condôminos durante a construção do prédio. Neste trabalho, alguns condôminos criaram entre si uma relação de amizade, de forma que, quando cheguei ao edifício, tinham estabelecido uma convivência duradoura, incluindo os familiares.


Eu já morava no edifício quando a quadra de esportes foi concluída. Houve uma festa de inauguração, iniciada com uma cerimônia religiosa na própria quadra. Esta estava toda enfeitada com bandeiras, colocaram-se cadeiras para a audiência e foi montada uma grande mesa, coberta com toalha branca; atrás desta, uma cruz tosca de madeira. Após o ato religioso, conduzida por um sacerdote convidado, falaram o síndico, o Tiellet, e mais um ou dois condôminos convidados. A seguir, houve duas partidas recreativas de futebol de salão, uma das moças e outra dos garotos, que animaram a festa e que literalmente inauguraram a quadra esportiva. O Tiellet foi, certamente, um dos organizadores da festa.

Inaugurada a quadra, formamos um grupo para jogar voleibol – criando o que passou a ser chamado o “vôlei dos coroas”. A escolha da modalidade esportiva, intencionalmente ou não, foi sábia, pois, não havendo contato físico entre adversários, evitou que houvesse conflito entre vizinhos. Em compensação, nem todos tinham experiência naquele esporte. Ao lado de alguns que praticavam ou haviam praticado o vôlei, outros aparentemente nunca tinham jogado; porém, nem por isso, foram rejeitados. Eu, por exemplo, havia jogado um pouco na juventude, no colégio e na ACM (Associação Cristã de Moços), com modesta atuação como levantador, mas havia alguns menos experientes do que eu. O Tiellet não mostrava muita habilidade, mas era muito aplicado. De qualquer forma, os times eram divididos de forma equilibrada, erros eram tolerados e reclamações estavam fora do contexto. Um detalhe importante: algumas esposas, experientes em vôlei de praia, também jogavam e não faziam feio.

O vôlei dos coroas era praticado na noite das quartas feiras e na manhã de sábados e domingos. Eu jogava no fim de semana, mais ou menos das dez horas à uma da tarde. Quando terminava o vôlei, completávamos a atividade esportiva com uma cervejinha no bar do próprio prédio e umas rodadas muito animadas de porrinha. Tudo com muita disciplina para evitar aborrecimento em casa.

Pouco a pouco, os jovens foram aderindo ao nosso vôlei, o que reforçava os times e melhorava o nível das partidas.

Chegamos a organizar torneios, inicialmente com a competição entre os três blocos do edifício (blocos A, B e C). O nosso bloco, meu e do Tiellet, era o Bloco A. No primeiro torneio, quando alguns jogadores praticamente não se conheciam, perdemos. Alguns meses mais tarde, fizemos novo torneio, também entre blocos. Dessa vez, o Tiellet resolveu estabelecer uma estratégia para o time. Lembro-me bem; fizemos, eu e ele, o planejamento no ônibus, a caminho do escritório, na semana que precedeu o torneio. Ele sempre levava no bolso do paletó um maço de cartões IBM, para anotações – o que fazia parte de seu marketing do produto. Ao nos sentarmos no ônibus, ele tirou os cartões e um lápis e passamos a marcar as posições dos jogadores na quadra, rodada a rodada. Nos torneios, os times eram de seis jogadores e a regra era ainda a antiga: para o time fazer um ponto, teria de estar em vantagem, ou seja, teria de ter sacado antes. Quando conseguia a vantagem, a reversão do saque, o time rodava. A contagem ia até 15. Normalmente, os times eram montados com três cortadores e três levantadores. O nosso tinha três bons cortadores e levantadores regulares, que formavam duplas na rede. Os outros blocos tinham elencos equivalentes. Nossa estratégia constituiu em posicionar nossos jogadores, em cada rodada, considerando a cobertura que alguns companheiros necessitavam dos mais hábeis, na rede e no fundo da quadra. Como substituições tinham de ser feitas, pois a ideia era de que todos os inscritos participassem do jogo, planejamos de forma que elas não enfraquecessem o time.
No fim da viagem, o Tiellet tinha no bolso, nos cartões, nosso esquema do jogo, que depois ele mostrou aos companheiros para discussão e sugestões. Bem, seguimos o plano. Não foi fácil, mas vencemos aquele torneio.


Na semana anterior à partida para Paris, Tiellet me chamou, muito animado, para mostrar seu plano de viagem e pedir algumas dicas, pois eu havia viajado de férias à Europa no ano anterior. Foi a última vez que conversamos.




Essas são algumas lembranças que tenho de meu amigo, as quais guardo com muito carinho e quis compartilhar com os leitores deste blog, entre os quais estão colegas da IBM e moradores do Meia Lua.

Após sua morte, como homenagem dos condôminos, modesta porém duradoura, a quadra de esportes ganhou seu nome.


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Washington Luiz Bastos Conceição

sábado, 14 de setembro de 2013

Os Milagres da Televisão


Raul Tabajara, locutor esportivo que militou muitos anos em São Paulo, narrava jogos pela televisão, nas décadas de 1950 e 1960, uma época em que os canais abertos transmitiam jogos locais ao vivo. Seu companheiro habitual era o repórter de campo Sílvio Luiz. A imagem ainda era em branco e preto, os jogos dominicais eram à tarde e os estádios lotavam nos jogos mais importantes. Como não havia, durante o jogo propriamente dito, propaganda nem comentários, o locutor tinha de fazer algumas observações nas pequenas interrupções, como bolas fora e contusões dos jogadores. Nessas observações, Tabajara se repetia, fazendo observações sobre o calor da tarde, por exemplo. Ele costumava se referir, com frequência, ao milagre da televisão, ou seja, à transmissão dos jogos, que proporcionava aos telespectadores de toda a cidade assistirem às partidas confortavelmente instalados na poltrona de casa – ou da casa do vizinho.
Toda vez que penso nos “milagres da televisão”, lembro-me da expressão do Tabajara, pois os “milagres” se multiplicaram com o tempo.


Nestes dias, assisto a programas dos vários canais locais, principalmente noticiário, filmes e transmissões esportivas nacionais e internacionais; estas, habitualmente, de jogos de futebol na Europa e jogos de tênis dos grandes torneios, como o "US Open", por exemplo, realizado em Nova York. Percorro também os canais das emissoras estrangeiras, detendo-me para ouvir um pouco de notícias em Português de Portugal, o idioma falado mais parecido com o nosso, e para, eventualmente, na TV francesa, assistir a um filme francês com legenda. Outro dia, num lance de muita sorte, assistimos a um espetáculo especial de ópera na RAI, a televisão italiana, em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Verdi.

Embora eu não tenha o hábito de acompanhar novelas, aprecio a qualidade de nossa dramaturgia de televisão, reconhecida internacionalmente.

Além de toda essa oferta de programas, posso ir e voltar de um canal a outro, aproveitando intervalos na programação, mediante uso dos botões do aparelho de controle remoto.

Estou, portanto, me valendo da extraordinária evolução da televisão num período de cerca de cinquenta anos. Da recepção da emissora local, evoluímos para a de outras cidades, mediante o uso de torres de comunicação. Hoje, temos transmissões via satélite. E mais, com o advento da televisão a cabo, ficou disponível uma grande quantidade e variedade de canais. Mais recentemente, as facilidades de gravação de programas e de aluguel de filmes diretamente da rede ampliaram nosso cardápio para a escolha do entretenimento.

Ivete Sangalo no Rock in Rio 2013,
na minha televisão
Além do aperfeiçoamento dos sistemas de transmissão, os aparelhos receptores passaram a usar tecnologia cada vez mais avançada e nos brindam com imagens excelentes.

Plateia no Rock in Rio 2013

Quanto à apresentação de programas e anúncios, que era feita ao vivo, passamos a usar a gravação em “vídeo tape”. Hoje, é difícil imaginarmos apresentações de novelas ou de comerciais ao vivo, sujeitas a todo tipo de erros e imperfeições.
Nas transmissões de jogos de futebol, em particular, comparo o que a televisão pôde apresentar nas copas do mundo, ao longo dos anos. Durante a de 1958, na Suécia, torcíamos e sofríamos ouvindo a transmissão pelo rádio, cheia de estática das ondas curtas e, somente dois dias depois de cada jogo, podíamos assistir pela televisão ao filme (de celuloide), com imagens muito pobres, em branco e preto. Durante a copa de 1962, realizada no Chile, já pudemos assistir ao "vídeo tape" no dia seguinte, por um grande “esforço de reportagem” das equipes das emissoras, que enviavam as fitas por avião. Nessas duas copas e na de 1966, os torcedores sofreram e vibraram em torno dos aparelhos de rádio.
Na copa do México, em 1970, na qual a seleção brasileira se tornou tricampeã, já pudemos assistir aos jogos ao vivo.
Toda essa evolução tecnológica permite que os programas de nossas emissoras alcancem o país inteiro, nosso imenso Brasil, penetrando cidades de todos os tamanhos e nos mais remotos rincões. Por exemplo, tive a experiência de assistir a um jogo de futebol transmitido por uma das redes, em um aparelho de cristal líquido de um barzinho da zona rural, próximo a Goianá, pequena cidade mineira na região de Juiz de Fora. Foi uma constatação pessoal de que, em todas as regiões do País, as pessoas, por mais modestas que sejam, têm a oportunidade de assistir aos mesmos programas a que assisto em casa, com boa qualidade de imagem e som.

Refletindo sobre esse alcance da transmissão de nossas emissoras, fica fácil entender o grande interesse dos políticos pelo tempo grátis de que os partidos dispõem na propaganda eleitoral, tempo esse que é moeda nos acordos entre eles. Portanto, o papel da televisão ganha, cada vez mais, importância na informação ao público e na formação de opinião. O que nos leva à conclusão de que as emissoras têm agora um enorme desafio, o de manterem sua independência e imparcialidade. Vencer este desafio deverá ser o maior milagre da televisão.

Washington Luiz Bastos Conceição



sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Road Show do Sistema IBM/3 ®

Não esqueço a declaração que um amigo fez quando eu comentava as dificuldades que um conhecido comum estava enfrentando no trabalho: “Se trabalho fosse uma coisa boa, não pagariam para a gente trabalhar.”
Um tanto irônica – e até iconoclástica – essa frase me faz lembrar contrariedades que enfrentei ao longo de uma vida laboriosa de 54 anos.
Contudo, nossa memória nos favorece por dar ênfase às lembranças agradáveis. Assim sendo, lembro-me mais das realizações no trabalho que me deram satisfação do que das situações de pressão de prazos, de cobrança de resultados, bem como de algumas divergências com colegas e de imprevistos perturbadores.
Dentre minhas atividades de trabalho de que recordo com satisfação, está o projeto “Road Show do Sistema IBM/3”, da IBM Brasil, o qual coordenei, na qualidade de gerente de Marketing de Produto da área de computadores de pequeno e médio porte (depois chamados minicomputadores, precursores dos microcomputadores).

Realizado de 1971 a 1972, o Road Show atingiu plenamente seus objetivos: o de divulgar um novo produto da IBM, o menor computador por ela produzido até então, abrindo perspectivas de venda; e o de desmitificar os computadores, levando-o mais perto do público. Chamados inicialmente “cérebros eletrônicos”, os computadores eram, até então, máquinas extremamente poderosas, que ocupavam um espaço enorme e requeriam instalações especiais, de tal forma que só as maiores organizações do País as poderiam utilizar. O objetivo do Road Show era mostrar que os recursos da computação eletrônica haviam se tornado acessíveis a organizações menores.

Uma instalação de sistema de grande porte
Fonte: Site "IBM 100 Sistema 360"

O Sistema 3 foi projetado e construído com a finalidade de atender as necessidades de informática de organizações de médio e pequeno porte, por oferecer menor preço, instalações mais simples e facilidade de programação e operação, com características de desempenho excelentes. Nele, foi utilizada a tecnologia mais avançada na época (circuitos lógicos MST – Monolithic System Technology). Seu tamanho foi reduzido mediante a adoção de um novo cartão perfurado de cerca de um terço do tamanho do cartão IBM de 80 colunas.

O Sistema 3, como foi mostrado no filme de seu lançamento.

Em 1971, para o apoio aos clientes na implantação do sistema, a IBM criou Centros de Instalação em São Paulo e no Rio de Janeiro, com analistas de sistema especializados. Nestes centros, onde os clientes preparavam com antecedência seus procedimentos e programas, eram feitas também demonstrações, necessárias para a divulgação e venda do produto.
Porém, já que queríamos vender o sistema no Brasil todo, aproveitando o alto potencial de negócios devido à sua relação de preço-desempenho, teríamos de mostrá-lo em outras cidades importantes do País, enfatizando suas caraterísticas inéditas de porte e simplicidade de instalação, além de sua capacidade de processamento de dados. Alguém sugeriu fazermos um “road show”. Este não seria uma atividade inédita, pois, havia alguns anos, quando o IBM 1401 foi anunciado, este sistema foi instalado em um vagão de estrada de ferro e percorreu os Estados Unidos em um programa de demonstrações. À sua época (1960) o 1401 era um computador muito mais compacto do que seus antecessores, pois usava a nova tecnologia de circuitos impressos e transistores, em substituição às válvulas eletrônicas.

No Brasil, teríamos de fazer o “road show” usando um caminhão. Este teria de comportar o sistema, em uma configuração média, de uma forma que houvesse também espaço para a audiência durante as demonstrações. E mais, teria de receber as instalações elétricas e de ar condicionado adequadas.
Quando a ideia do projeto chegou ao ponto de descrevê-lo para a Diretoria da Empresa, preparando-a para a futura análise executiva e a aprovação, apresentei-a, devidamente, em reunião com um grupo de diretores e gerentes de alto nível para obter o “go ahead” (expressão que significava que eu poderia prosseguir no planejamento para, depois, apresentar a proposta e obter a aprovação final). Um ponto discutido, de que me lembro até hoje, foi a questão do ar condicionado e do espaço na carroceria para as demonstrações. Um dos participantes previu que seriam necessários dois caminhões, sugerindo que eles se acoplassem de ré para se ter o espaço necessário. Considerando que, por causa dos locais previstos para o estacionamento, o caminhão teria de ser de porte médio, a sugestão não era exagerada, mas esta solução encareceria o projeto e a operação seria mais complexa.
Consegui o “go-ahead”, mas saí da reunião preocupado com a questão levantada. Um colega, que já exercia uma gerência importante na Matriz e que havia participado da reunião, discutiu o assunto com conhecidos seus que lidavam com transporte e trouxe a solução para a questão de espaço e do ar condicionado, usando um só caminhão de porte médio: uma das laterais da carroceria seria dobrável, de forma que, nos locais de demonstração, ela seria baixada, transformando-se numa plataforma, devidamente apoiada no solo, em que ficaria a audiência. Para manter o ambiente fechado (requerido para o condicionamento do ar) a plataforma seria coberta e fechada lateralmente com lona, formando uma espécie de barraca. Ao ser fechada a lateral da carroceria, a lona ficaria dobrada no interior do caminhão. Engenhoso, não?

Pois, apesar de parecer algo complicado para se fazer, a carroceria do caminhão foi construída dessa forma e funcionou perfeitamente.
A dificuldade formal que tivemos de resolver foi que, por prática da IBM naquele tempo, o caminhão não seria comprado, mas alugado, mesmo sendo especialmente adaptado para nós. As condições foram estabelecidas, um contrato de aluguel devidamente celebrado e o caminhão foi preparado para cumprir o programa de viagens pelo Brasil afora.
Abaixo, duas fotos do caminhão, que copiei da revista IBM “Notícias Brasileiras” de outubro de 1971.

1) Estacionado, com a plataforma armada e 2) Visto de trás.

Para a aprovação do projeto, tive de levantar todos os departamentos e pessoas envolvidos: a Administração de Marketing, que iria fornecer o sistema e a documentação correspondente; o Departamento Técnico, cujos técnicos iriam instalar o computador no caminhão e dar assistência de manutenção “full time” durante as viagens e as demonstrações; os Centros de Instalação, responsáveis pela preparação e realização das demonstrações, mediante seus analistas de sistemas; as Filiais, encarregadas de convidar as organizações dos respectivos territórios, clientes e clientes em perspectiva, para assistirem às demonstrações; e, ainda, os setores responsáveis pela documentação referente às máquinas, durante as viagens, especialmente ao cruzar as divisas de estados, e pelo seguro do equipamento; o Departamento de Comunicação, responsável pela divulgação do projeto para a imprensa; além do meu próprio departamento, o de Programas de Marketing, encarregado da coordenação geral do projeto. Revi, agora, a lista desses setores da Empresa – eram treze, além das filiais!

Projetamos o roteiro, decidindo começar o programa por Belo Horizonte, sede da filial responsável pelas operações da IBM no Estado de Minas Gerais.
O gerente designou um representante de marketing para coordenar as atividades do projeto na filial, que consistiam em elaborar a lista de organizações que seriam convidadas, fazer os convites, organizar a agenda das sessões de demonstração, interagir com os analistas de sistemas que fariam as demonstrações, colaborar com o Departamento de Comunicações da Matriz nos comunicados à imprensa e acompanhar o trabalho dos técnicos envolvidos. Esta filial teria, em seguida, de fazer o mesmo trabalho em Uberlândia e Uberaba, inclusive os entendimentos para a instalação do caminhão nos locais estabelecidos, os quais, nestes casos, como em várias outras cidades, foram os campus das universidades locais.
Trabalhei de acordo com o gerente da Filial e, todo o tempo, com o coordenador local do projeto.
O mesmo esquema foi montado para as outras filiais envolvidas. No caso das filiais do Sul, o projeto contou com o coordenador do Distrito Sul que atuou junto às filiais daquele distrito, as quais atendiam os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Feitos os preparativos, o grande dia chegou – o da inauguração do “Road Show” na filial Belo Horizonte. Era 9 de setembro de 1971. O gerente da Filial conseguira um espaço no pavimento térreo do edifício onde funcionava a filial e lá foi estacionado o caminhão, usando-se a energia elétrica (a “força”) do prédio.
Tudo transcorreu muito bem, o programa de demonstrações foi realizado conforme planejado, durante seis dias.
Os convidados entravam no caminhão em grupos e cada demonstração, feita por um analista de sistemas, consistia, inicialmente, em mostrar as unidades do sistema, descrevendo suas funções; a seguir, rodar exemplos das aplicações usuais na administração de empresas, como faturamento, controle de estoques, estatísticas de vendas, pagamento ao pessoal e contabilidade, imprimindo relatórios e documentos; e, no final, para amenizar a sessão, imprimir desenhos, habilmente formados por letras e símbolos, pois a impressora não era gráfica. Os assistentes levavam os desenhos como lembrança.

O sistema no caminhão.
Fonte: Revista IBM "Notícias Brasileiras". 

De Belo Horizonte, o caminhão foi para Uberlândia, onde estacionou no campus da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia e, de lá, seguiu para Uberaba, ficando no pátio da Faculdade de Engenharia do Triângulo Mineiro.
Nesta cidade, fiz visitas a jornais e rádio locais para divulgar o programa, acompanhado pelo coordenador do projeto na filial. Ao mesmo tempo, analistas “trainees” visitavam empresas e organizações públicas para convidar executivos e técnicos para assistirem às demonstrações. Não me esqueço de que, ao nos encontrarmos pelas ruas, reconhecíamo-nos de longe, pois éramos, os homens, os únicos vestindo terno e gravata na cidade. A IBM exigia de seus empregados o uso dessa roupa formal.
De Uberaba, o sistema seguiu para o estado de São Paulo, cumprindo programas de demonstrações (tipicamente de três dias de duração) em Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo e Osasco.

O analista de sistemas e a audiência.
Fonte: Revista IBM "Noticias Brasileiras".
Após o programa em São Paulo, o caminhão seguiu para o Sul, quando passou a usar, levando-o a reboque, um gerador a diesel, pois o eletricista, encarregado da instalação elétrica, estava encontrando dificuldades na conexão às redes nos locais de estacionamento. Foi uma providência muito importante, que permitiu levar as demonstrações a lugares remotos.
Do Sul, voltou para São Paulo e concluiu a primeira fase das viagens em dezembro, em Bauru, São Paulo.
Ao longo da viagem, os jornais locais noticiaram a visita do computador no caminhão. Abaixo, alguns exemplos.




No ano seguinte, 1972, na segunda fase do programa, o sistema percorreu o Nordeste, o Centro e o Norte do País, aventurando-se pela Transamazônica, cruzando rios sobre balsa e chegando até Altamira.

Avaliar a contribuição de programas de marketing, em termos de resultado de venda, é difícil. Neste caso, porém, com base nos registros dos visitantes do caminhão e organizações representadas, tivemos certeza de que o Road Show foi muito importante, tanto para a obtenção dos excelentes resultados de vendas do Sistema 3 pela IBM do Brasil, como para a divulgação da Empresa e de seus serviços e outros produtos.

Para finalizar, volto à questão do início da crônica. Com as dificuldades e contrariedades que possamos ter no trabalho, ele também pode nos oferecer desafios. Talvez por termos sido condicionados durante nossa formação, gostamos de enfrentá-los e, mais ainda, de vencê-los, o que nos dá a oportunidade de não trabalharmos apenas por dinheiro. Portanto, embora não o seja durante o tempo todo, o trabalho pode ser uma coisa boa – e, especialmente, trazer boas recordações aos aposentados!

Washington Luiz Bastos Conceição



domingo, 24 de fevereiro de 2013

Ubaldo, meu vizinho

Tenho a honra de ser vizinho de bairro do Sr. João Ubaldo Ribeiro. Sim, falo do imortal e o bairro é o Leblon, no Rio. Cumprimentamo-nos quando nos vemos na Dias Ferreira, rua simpática em cujos bares e restaurantes se encontram as pessoas do bairro, cariocas em geral (nativos ou adotivos) e turistas.
As crônicas do Ubaldo são, para mim, a maior atração dos jornais de domingo. Elas me agradam muito. Sempre me interessam e mostram sua competência como escritor; em especial, sua forma de encaminhar os assuntos. Divirto-me com os personagens de Itaparica, através dos quais ele discute assuntos sérios com a ironia que lhe é habitual, bem como com os diálogos no boteco do Leblon que tratam de assuntos atuais de nossa sociedade. Impressiona-me sua ironia fina, que beira ao sarcasmo quando comenta os malfeitos dos políticos e governos em geral. Contudo, mantém clara sua posição de cidadão que se preocupa com o que ocorre no Brasil.
Outra razão forte de eu gostar de ler suas crônicas é que, coincidentemente, os fatos que ele crítica também me desagradam. Sua maneira de ver as coisas é muito semelhante à minha e – acredito – a de muitas pessoas deste País. Ou seja, sinto-me brilhantemente representado nessas críticas.
Vou exemplificar.
Quando foi anunciada a reforma ortográfica, fiquei revoltado, indignado mesmo, com as alterações adotadas, algumas totalmente desnecessárias e outras prejudiciais, tanto a quem já escrevia corretamente quanto àqueles que estão aprendendo. Por exemplo, a abolição do trema, o qual informava ao leitor que a pronúncia das palavras é “lingüiça” e não “linguiça”, “freqüência” e não “frequência”, e assim por diante. As regras de hifenização das palavras, então, se tornaram uma grande complicação, de tal forma que o corretor ortográfico de meu processador de textos ainda não lida com elas muito bem.
Lembro-me de que, num sábado, comentei com minha esposa: “Essa reforma ortográfica me parece muito estranha e extemporânea, de modo que só posso concluir que foi feita para beneficiar alguns diretamente interessados em reedições ou reimpressões de livros, especialmente livros escolares.” No dia seguinte, domingo, Ubaldo se ocupou do assunto e mostrou que chegou a conclusão semelhante, escrevendo da forma brilhante que lhe é peculiar.
Outra lei estranha que me surpreendeu foi aquela que alterou a normatização das tomadas elétricas para um formato exclusivamente brasileiro, fazendo com que, daqui para frente, toda a população tenha de alterar as tomadas em suas casas, pagando de próprio bolso (no caso desta lei, pareceu-me também que o objetivo último seria beneficiar alguns à custa de toda a população). Novamente, o Ubaldo se manifestou, com opinião parecida com a minha.
Mais um exemplo: há já algum tempo, ao assistir a futebol pela televisão, irrito-me com os narradores que, durante a transmissão, falam um milhão de coisas que poderiam deixar para os programas de comentários, principalmente estatísticas estapafúrdias, que servem apenas para tirar a atenção do jogo propriamente dito. Adotei a providência de tirar o som do aparelho. Senti-me amparado quando o Ubaldo escreveu “Cobertura Moderna”,crônica em que criticou exatamente essa nova forma de narrar as partidas.
Em janeiro, Ubaldo costuma tirar férias e, habitualmente (parece-me) vai visitar Itaparica, sua terra. Descobri que 23 de janeiro é a data de seu aniversário e (parece-me, de novo) que ele sempre comemora por lá. Nesse mês, sinto falta de suas crônicas, mas, em compensação, sei que ele volta com novo estoque das ótimas histórias da ilha.
Sou também leitor de seus romances, que aprecio e não ouso analisar, mas minha convivência com ele é através de suas crônicas.

Minha mãe, falecida em 2007, aos 97 anos, também lia as crônicas do Ubaldo – e era sua fã. Em seus últimos anos, ela viveu em Franca, Estado de São Paulo. Quando a visitava, conversávamos muito, sobre vários assuntos, e ela comentava entusiasmada as crônicas mais recentes.
Esse entusiasmo de minha mãe me levou a abordá-lo uma manhã, no Leblon, na Rua Dias Ferreira. Não posso precisar o ano, talvez 1998. Eu estava trabalhando no centro do Rio e usava o ônibus “frescão”,cujo ponto final é naquela rua. Encontrei o Ubaldo, de bermudas e sandálias havaianas, provavelmente na hora em que ele ia buscar o jornal; eu o conhecia apenas por fotos e pela televisão, mas arrisquei e falei com ele.
O diálogo foi mais ou menos assim:
Cumprimentei:
— Bom dia, Ubaldo.
Ele me olhou, estranhando um pouco, pois não conhecia aquele indivíduo idoso, calvo e um tanto obeso, de óculos e bigode.
— Bom dia.
— Por favor, você poderia me dar um autógrafo? É para minha mãe, que lê sempre suas crônicas e as aprecia muito.
Ele me olhou, mostrando-se muito desconfiado, como se estivesse pensando: “Esse coroa está de gozação comigo. Pela idade que ele aparenta, é difícil acreditar que sua mãe ainda esteja viva!”.
Mas concordou e me deu o autógrafo; agradeci e despedimo-nos.
Minha mãe ficou muito feliz com o presente e eu não esqueci sua gentileza.

Quando, finalmente, encerrei minhas atividades de consultoria e me aposentei de vez, decidi retomar seriamente um projeto antigo de escrever um livro que vinha se formando em minha cabeça já fazia muito tempo, um livro de histórias que aconteceram ao longo de minha vida e que eu tinha vontade de contar aos amigos. Viria a ser meu primeiro livro, escrito aos 76 anos.
Em maio de 2009, fiz o lançamento do “Histórias do Terceiro Tempo” no Rio de Janeiro, para o qual convidei os amigos daqui. Em setembro do mesmo ano, fiz um lançamento semelhante em São Paulo, para o qual convidei parentes e amigos de lá.
O êxito da publicação do livro, considerando meus objetivos, me deu muita satisfação.
Em outubro de 2010, portanto mais de um ano após o lançamento do “Histórias do Terceiro Tempo”, ocorreu-me enviar ao Ubaldo um exemplar do livro. Como presente, pois eu sabia que dificilmente seus compromissos de trabalho e de outras leituras lhe dariam tempo para lê-lo. Encaminhado com uma carta, o livro serviria para me apresentar como leitor assíduo e grande apreciador de seus escritos, além de lhe contar que, realmente, o autógrafo que lhe pedi era para minha mãe e lhe agradecer mais uma vez por sua gentileza.
Eu já havia lido seu livro de crônicas,“O Conselheiro Come”, no qual, entre vários assuntos da vida de escritor, ele fala dos “invadenti”, pessoas insistentes que tentam invadir a privacidade do escritor, e daqueles que lhe mandam textos para análise e revisão, esperando um serviço gratuito. Tive, portanto, o cuidado de preparar e juntar ao livro uma carta explicando a intenção do presente. Nesta, depois de me apresentar e lembrar o nosso encontro na Dias Ferreira, anos antes, expliquei: “A forma que encontrei de lhe retribuir a atenção com minha mãe e o prazer que nos traz a leitura de suas crônicas e livros foi presenteá-lo com algo que, com esforço, consegui fazer: um livro, meu primeiro, que estou anexando, intitulado ‘Histórias do Terceiro Tempo’ ”. Mais adiante, declaro: “Agora, parece-me que uma declaração se faz necessária: não tive, com esta iniciativa, a mínima intenção de recorrer a você para possível divulgação do livro. Este foi feito em pequena tiragem, banquei sua publicação como editor independente e não tenho, com ele, objetivo financeiro algum – foi um livro escrito para meu prazer e dirigido aos amigos.”.
Ainda pensando nos “invadenti”, decidi não pesquisar seu endereço para lhe enviar o livro. Passei pelo bar e restaurante que ele frequenta e deixei com o gerente um envelope endereçado a João Ubaldo Ribeiro, contendo a carta e o livro.
Depois de uma semana, mais ou menos, passei pelo bar. No lugar do gerente estava uma moça; falei-lhe da correspondência que eu havia deixado para o Ubaldo. Ela procurou o envelope, não o encontrou, e confirmou que o Ubaldo havia estado lá no fim de semana. Concluiu que a entrega havia sido feita.
Passaram-se semanas, meses, e não tive confirmação por parte do Ubaldo, ou de alguém por ele, do recebimento da correspondência. Estranhei e cheguei a comentar o caso com meu amigo Gentil, mais experiente em lidar com livros e editoras. Ele disse que provavelmente meu presente tinha sido mal interpretado e contou que conhecia uma moça cujo trabalho é divulgar textos e que eu não poderia imaginar a intensidade e criatividade utilizadas nesse trabalho. Mencionei a declaração que fiz na carta sobre o fato do livro já estar publicado (em baixa tiragem) e lançado para conhecimento dos amigos, de modo que eu não estava pedindo qualquer ação por parte dele quanto à análise de texto ou divulgação. O Gentil considerou que, assim mesmo, eu poderia ter sido mal interpretado.
Depois de algum tempo, dei o assunto por encerrado.

Em fevereiro do ano passado, um ano atrás portanto, eu já estava lidando com meu blog, recém-implantado, quando recebi um e-mail que se constituiu numa surpresa excepcionalmente agradável. O assunto era “Livro extraviado” e o remetente era João Ubaldo Ribeiro! Ele me contava que, no dia anterior, no bar, a caixa o procurou com um livro e uma carta, que, fazendo uma arrumação, acabara de achar. E que era meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, “acompanhado de uma carta sua, muito simpática e bem escrita”. Agradeceu o presente, comentou gentilmente minha forma de escrever e disse que esperava que eu continuasse a honrá-lo em ser seu leitor.
O e-mail fez meu dia, divulguei-o para a família e respondi agradecendo suas palavras. Ainda trocamos e-mails sobre o que me contou um de meus filhos sobre a inclusão de Ubaldo em seu estudo sobre escritores latino-americanos na Universidade de Stanford, na Califórnia.
Desde então, o que aconteceu foi apresentar-me pessoalmente a ele e passarmos a nos cumprimentar na Dias Ferreira.
Contudo, todo este tempo, tive vontade de escrever no blog sobre minha apreciação das crônicas do Ubaldo e sobre a história do autógrafo e do livro extraviado. Decidi publicá-la hoje.

Na condição de escritor independente (como lembro sempre, independente aqui significa “aquele que paga para escrever”), eu tentava imaginar como um escritor profissional, famoso, detentor de prêmios, vê uma pessoa, um amador, que tem a pretensão de escrever. No caso do Ubaldo, fiquei com a impressão de que ele é paciente, condescendente, está seguro de que os amadores não afetam sua vida.  
Acabei achando no futebol uma comparação razoável para meu caso. Pratiquei o esporte, como um amador aceitável pelos companheiros, na várzea, na universidade e nas peladas de veteranos; dependurei as chuteiras aos 50 anos. Desde muito jovem, assisti a partidas memoráveis de que participaram craques do maior calibre, inclusive o atleta do século XX, os quais certamente não se sentiam incomodados com os futebolistas amadores.
Daí minha conclusão: como escritor, sou um peladeiro feliz; como leitor, aprecio o trabalho dos craques.
E o Ubaldo, meu vizinho, é craque.

Washington Luiz Bastos Conceição