Se você tomar um taxi que
circule pelo Leblon, no Rio de Janeiro, pedindo ao motorista para levá-la (ou
levá-lo) ao edifício em que moro, informando-lhe o endereço, é provável que ele
conheça o mesmo por seu apelido, “Meia Lua”. Este apelido decorre do formato
curvo de sua planta.
Moro no Meia Lua, aliás,
edifício “Condomínio Parque Visconde de Albuquerque” – o CPVA – há 43 anos, ou
seja, desde que nos mudamos, minha família e eu, para o Rio.
Na ocasião da mudança, após
encontrarmos dificuldade para alugar um apartamento que nos satisfizesse –
casal com quatro filhos pequenos – decidimos partir para a compra.
No meu livro “O Projeto 3.7 e
Nós”, conto como fizemos a escolha:
“Na fase de procura de apartamento
para alugar, visitei muitos apartamentos, uns
vinte, e selecionei pelo menos seis para que a Leilah os visitasse e fizesse
sua apreciação. Como arquiteta e dona de casa competente, certamente ela veria
melhor se o apartamento serviria para nós ou não. E eu não resolveria o assunto
sozinho, já tinha juízo suficiente para não cometer esse desatino.
Era novembro, ela teria apenas um dia
para as visitas, pois estava amamentando nossa filha recém-nascida. Viajou de
avião, veio de manhã e voltou à tarde. Não gostou de nenhum.
Imediatamente passamos para o plano
alternativo (hoje se diz “Plano B”): comprar um apartamento.
Nova pré-seleção de minha parte,
novas visitas da Leilah, até que um corretor, simpático, falante, muito
carioca, após nos mostrar dois apartamentos com a área e os cômodos requeridos,
percebeu que não havíamos ficado muito interessados por eles e resolveu
mostrar-nos aquele que, provavelmente, era o melhor que tinha para vender,
dentro das características desejadas por nós. Lembramo-nos até hoje do que ele
disse para a Leilah, depois que ela reclamou da iluminação e da falta de sol
dos apartamentos visitados: “Agora a senhora vai precisar pôr óculos escuros
quando eu abrir a porta do apartamento.”. Quando entramos no apartamento, vimos
que ele não estava exagerando – ainda mais que as janelas estavam sem cortinas
– o sol batia forte na sala e em toda a parte da frente do edifício e, no
fundo, a cozinha era clara, pois não havia poço interno, o apartamento ia da
frente aos fundos.
Esse apartamento, em um edifício do
Leblon, reunia vários atrativos: além de bem ensolarado e de não ter poço
interno, tinha uma sala de muito bom tamanho, três quartos, dois banheiros,
copa, cozinha e dependências de serviço. E mais: oferecia uma vista muito
bonita do Corcovado, da Lagoa Rodrigo de Freitas e de parte dos bairros do
Leblon, Gávea e Ipanema, que nos encantou. Até hoje, decorridos mais de
quarenta anos durante os quais os novos edifícios esconderam um pouco a Lagoa e
Ipanema, todos da família e nossos visitantes apreciam muito esse lindo quadro,
que à noite se torna um verdadeiro presépio.
Vista da janela de meu apartamento |
Ainda mais: as áreas comuns também
eram fora de série: um grande e bonito jardim, projetado e conservado por
paisagista; uma garagem com vagas exclusivas, demarcadas, que não requeriam
manobristas; uma área de lazer no fundo com um salão de recreação, um recanto
com mesas, bancada e churrasqueira e, muito especial, uma quadra esportiva de
uso múltiplo. O prédio era formado por três blocos contíguos; o acesso da rua
era comum a os blocos tinham, depois do jardim, entradas (portarias)
independentes. Naquele final de ano, as obras da quadra e o acabamento das entradas
dos blocos estavam em fase de conclusão.
Fechamos o negócio com o corretor.
Assinamos a escritura de compra e venda no Savoy, em Copacabana, pois o
proprietário gozou da regalia de fazer em seu apartamento naquele hotel, na
mesma hora, duas escrituras: a da venda, para nós, e a da compra de uma
cobertura duplex em Ipanema, de outra pessoa. Ele era um artista de muita
evidência naquela ocasião. Chamava-se Wilson Simonal de Castro.
Em janeiro de 1970, mudamo-nos para o
apartamento, no qual Leilah e eu moramos até hoje. Os filhos cresceram,
aproveitaram bastante o prédio e o bairro, onde fizeram amigos para toda a
vida, mas acabaram batendo asas. Voltam ao Leblon, sempre que possível, para
encontrar os amigos, tomar aquele chope, comemorar as vitórias do Flamengo na
Casa Clipper ou outros dos bons e tradicionais bares do Leblon.”
As características
do prédio, acima descritas, se mantêm até hoje.
Vista parcial da fachada |
Muito além
de suas qualidades, o Meia Lua tem uma história rica, exemplar, de pessoas e de
seu relacionamento.
Quando
conheci o edifício, falei com colegas da IBM e me lembrei da fase de seu lançamento.
Em meados dos anos sessenta (1960) eu trabalhava na IBM e vinha ao Rio para
reuniões com gerentes da Matriz. Em uma dessas visitas, o Leo Grieco de
Almeida, colega amigo, então gerente de Educação (treinamento) da IBM Brasil,
me contou que estava comprando um apartamento, ainda a ser construído. Disse
que estava fazendo uma aposta (sua expressão) nos reajustes de salário que a
IBM fazia para enfrentarmos a inflação, bem alta naquele tempo. Mostrou-me a
planta do edifício e sua forma curva me chamou a atenção. Contou-me que outros
colegas da IBM do Rio estavam comprando apartamentos no mesmo edifício.
Depois de
algum tempo, o Leo mudou de cargo e meus contatos com ele rarearam, de forma
que não acompanhei a construção do prédio e nem sua mudança para o novo
apartamento.
Quando vim
para o Rio, ele havia vendido seu apartamento e estava morando em Campinas,
estado de São Paulo, pois fora promovido para o cargo de Diretor da nova
fábrica da IBM em Sumaré, de modo que a história da construção do prédio me foi
contada pelos meus novos vizinhos.
Os moradores
eram, na grande maioria, talvez todos, proprietários dos respectivos
apartamentos. Embora tenhamos (minha família) sido os primeiros a morar no
nosso, os vizinhos tinham se mudado para o prédio algum tempo antes de nós.
Fiquei
sabendo, então, da luta deles, os compradores do apartamento na planta, para
que o edifício fosse concluído e eles pudessem habitá-lo. Dificuldades,
certamente decorrentes de problemas com a inflação, fizeram com que fosse formada
pelos condôminos uma comissão de obra para viabilizar sua conclusão. Não sei de
detalhes, mas alguns deles me disseram que “dava para escrever um livro”
contando essa história.
Como “há
males que vêm para bem”, resultou da luta deles, além do sucesso da construção,
uma união muito grande de alguns vizinhos que (algo que não é comum em nossos
dias) passaram a ter, com as famílias, um convívio próximo e muito bom. Quando
me instalei, passei a participar de eventos do edifício, das assembleias e,
principalmente, do vôlei dos coroas, nos finais de semana.
Dentre os
compradores originais dos apartamentos, havia dois grupos maiores: empregados
da IBM e artistas de televisão. Para mim, foi muito interessante encontrar
colegas de trabalho, com quem estreitei amizades, e o pessoal de televisão,
pessoas que, mesmo longe das câmeras, animavam qualquer reunião. Destes, o
Paulo Celestino, que participava do vôlei, era o mais frequente em nossas
atividades comuns; entre os demais, lembro-me de Colé, Daniel Filho e Dorinha
Duval. E mais, Carmem Verônica é nossa vizinha-amiga até hoje. Como já contei,
o Simonal vendeu seu apartamento para nós.
Parte do jardim, visto de minha janela |
O maior benefício que tivemos, ao escolher
o Meia Lua, foi, talvez, a forma de criação dos filhos. Quando
garotos, estudavam na Escola Americana, localizada inicialmente no Leblon e depois na Gávea. Voltavam da escola no início da tarde, tomavam um lanche, faziam as lições e depois desciam para a área de recreação do prédio. Esta funcionava como um quintal de casa. Além do salão de recreação, a área da churrasqueira e a quadra de esportes, já mencionadas, eram também atrações seus caminhos entre plantas e árvores e uma área com balanços e piso de terra arenosa que permitia jogar bola de gude. Os menores brincavam muito de "pique-esconde" (na minha infância, em São Paulo, chamava-se "esconde-esconde") para o que usavam também a passarela, passagem na frente do prédio entre o jardim e as portarias dos blocos, muito frequentada por babás com carrinhos de bebês. Os maiores usavam muito a quadra, para um futebol animado.
garotos, estudavam na Escola Americana, localizada inicialmente no Leblon e depois na Gávea. Voltavam da escola no início da tarde, tomavam um lanche, faziam as lições e depois desciam para a área de recreação do prédio. Esta funcionava como um quintal de casa. Além do salão de recreação, a área da churrasqueira e a quadra de esportes, já mencionadas, eram também atrações seus caminhos entre plantas e árvores e uma área com balanços e piso de terra arenosa que permitia jogar bola de gude. Os menores brincavam muito de "pique-esconde" (na minha infância, em São Paulo, chamava-se "esconde-esconde") para o que usavam também a passarela, passagem na frente do prédio entre o jardim e as portarias dos blocos, muito frequentada por babás com carrinhos de bebês. Os maiores usavam muito a quadra, para um futebol animado.
Já moços,
eles jogavam na quadra uma célebre pelada de futsal, no sábado; e, aderindo ao vôlei do
prédio, passaram a participar de partidas com os coroas e de nossos torneios internos.
Morar no Meia Lua facilitou também seu estudo na PUC (Pontifícia Universidade Católica), no campus da Gávea, bem perto de casa, onde três deles fizeram faculdade e cursos de pós-graduação.
Morar no Meia Lua facilitou também seu estudo na PUC (Pontifícia Universidade Católica), no campus da Gávea, bem perto de casa, onde três deles fizeram faculdade e cursos de pós-graduação.
Na ocasião
de nossa mudança para o Rio, facilidades como as oferecidas pelo nosso prédio
não havia, habitualmente, nos edifícios da zona sul. Em minha procura por
apartamento, visitei muitos. Os “playgrounds” eram raros e sem boas
instalações, o que estimulava as crianças a sair para a rua. Edifícios com
áreas esportivas comuns surgiriam, mais tarde, nos condomínios da barra.
Nesses anos
todos de Meia Lua, meus filhos fizeram amizades boas e duradouras, que
conservam até hoje; agora são todos chefes de família e, vários, pais de
filhos. Claro, têm também amigos de infância e juventude feitos na escola e no
próprio bairro, quando, mais velhos, estenderam suas atividades para todo o
Leblon.
O perfil dos
moradores do edifício vem se alterando ao longo dos anos, claro que já não é
mais o da década de 1970. Não só porque os poucos remanescentes ficamos mais
velhos, mas também porque alguns, ao se aposentar, voltaram aos estados de
origem; outros se mudaram para outros bairros para morar perto de filhos,
alguns faleceram. A quantidade de apartamentos alugados aumentou e alguns são,
hoje, ocupados pelos filhos dos moradores originais. Essas renovações garantem
a presença de crianças no edifício, o que lhe dá animação constante.
O principal
tipo de animação é proporcionado pelas festas de aniversário, realizadas, em
geral, aos sábados. O salão de recreação, a área da churrasqueira e,
principalmente, a quadra de esportes constituem espaços muito favoráveis.
A quadra continua cumprindo seu papel, agora com a terceira geração. |
Manter um edifício com quase
cem unidades não é fácil. Exige uns vinte empregados, além de compras e
serviços externos de manutenção consideráveis.
Quando nos mudamos para o
Meia Lua, um dos condôminos da comissão de construção do edifício exercia a
função de síndico. Foi reeleito, exerceu alguns mandatos de forma muito
apreciada por todos, e só deixou o cargo porque se mudou. Outros membros da
comissão, devidamente eleitos, o sucederam. Alguns enfrentaram maiores
dificuldades, como reformas da fachada, por exemplo, mas, de uma forma geral, a
vida no edifício não apresentou maiores problemas. O que espantava conhecidos
meus que moravam em outros prédios era o fato de haver concorrência nas
eleições para síndico, pois sempre havia mais de um interessado em exercer a
função, que não é remunerada. Isto porque, em geral, os condôminos de edifícios
fogem dessa incumbência. Durante um bom tempo, eu fiz parte do conselho consultivo
ou do conselho fiscal, o que dava algum trabalho mas não interferia nas minhas atividades
na IBM.
Recentemente, os condôminos
constataram que havia a necessidade de uma revisão dos principais itens de
manutenção do edifício. Uma das moradoras provocou uma discussão geral sobre um
desses itens, usando e-mail, e obteve uma resposta rápida dos vizinhos, que estenderam
a lista de itens. Sucederam-se reuniões. O síndico informou sobre as medidas em
andamento e foram formadas comissões que já estão agindo para acelerar os
processos de revisão e para implantar outros. Por exemplo, promovendo uma vistoria do prédio pelo Corpo de Bombeiros. A animação da
comunidade é grande, com atuação destacada das mulheres – agora, para o bem de
todos, não são mais donas de casa, são donas de prédio...
Por enquanto, da mesma forma
que outros condôminos idosos, estou torcendo na arquibancada. E é um grande
prazer observar a nova geração assumir os cuidados do Meia Lua. Ele merece.
Washington Luiz Bastos Conceição
Papi,
ResponderExcluirBons tempos de meia lua. Quase sai um livro, hein? E a inauguraçao da quadra Wilson Tielet? A chave do prédio para a Cristininha. O Paulão como técnico. A quantidade de craques que jogaram naquela quadra. Ninguém era bom num esporte só. Isso só na quadra, imagina fora dela. Praia, Volei, Pelada, Cervejada e ainda depois tinha que fazer bonito com a mulherada à noite. Olha o preparo!
Excelente! Puxe mais pela memória e continue escrevendo.
Bjs,
Luizao
Obrigado pela visita e pelo comentàrio.
ExcluirJá prometi mais duas crônicas relacionadas com o Meia Lua.
Prezado Washington, como morador do Meia Lua há mais de 16 anos e sendo o atual síndico, é muito bom conhecer a história de nosso prédio contada por quem vive aqui. Nosso prédio e espaço privilegiado em pleno Leblon é fantástico. Parabéns pela crônica!!abs Ricardo Tonietto
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