terça-feira, 2 de junho de 2020

Kassinof e Korsakov


Caro leitor ou prezada leitora:
Meu programa de oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento social está tendo muito boa aceitação pelos meus generosos leitores. Pelos registros de visitas ao blog e pelos comentários que tenho recebido, manifestados de várias maneiras, posso considerá-lo um sucesso, o que me deixa extremamente satisfeito, pois parece que está atingindo seu objetivo de distrair os amigos. Parece que o suplemento das crônicas, com os links de áudios e vídeos de números musicais selecionados, foi fundamental para o entretenimento dos leitores, fazendo-os também ouvintes.
Do capítulo “A música e eu” do meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, transcrevo, hoje, o tópico “Música Clássica – Kassinof e Korsakov”, onde conto uma das minhas pequenas histórias.
Dedico esta publicação aos meus pais e aos primos Carnasciali, especialmente Therezinha, pianista, e Clóvis, instrumentista e maestro, que me proporcionaram, desde quando eu era ainda criança, um importante contato com a música clássica.


Introdução

Antes do episódio Kassinof e Korsakov, eu costumava ouvir música clássica em casa, acompanhando meus pais, dos programas das rádios Gazeta e Excelsior de São Paulo e de alguns bons discos nossos. Lembro, por exemplo, do programa “Boa Iluminação”, patrocinado pela companhia Light de São Paulo, que tinha como prefixo o Bolero de Ravel.
Contudo, minha visita ao amigo, narrada no livro, teve o efeito de me incentivar a ouvir mais música clássica; passei a tomar a iniciativa de procurar peças e autores, além daquelas que habitualmente vinha ouvindo em casa. Não me tornei um conhecedor, muito longe disso, mas sim um apreciador do que já ouvi chamar de “clássicos populares”, ou seja, aqueles mais conhecidos. Ilustrando: há um programa diário da Rádio MEC de música clássica ("Clássicos do ouvinte") no qual a emissora atende a pedidos dos ouvintes. Ele é seguido de outro, também de músicas clássicas, mas selecionadas pela própria emissora. Gosto mais do primeiro, o popular; o segundo apresenta, em geral, peças que não conheço e autores de que não ouvi falar.
De nossa pequena discoteca de música clássica, ouço, com bastante variação, a música clássica de minha preferência. Para o suplemento musical da crônica, selecionei várias delas.
Vamos ao livro.


Kassinof e Korsakov

Morei em Heliópolis, bairro afastado de São Paulo, dos 11 aos 18 anos. Hoje, uma das comunidades mais intensamente povoadas da Capital era, naquele tempo, uma enorme gleba de terra que se estendia do Sacomã, no final do bairro do Ipiranga, até a divisa com São Caetano. Na largura, ia da Vila Carioca ao Moinho Velho, este o bairro que chegava até a Via Anchieta.
Nós morávamos na Rua Comandante Taylor que, naquele trecho, era a estrada para São Caetano, asfaltada e bastante movimentada. No bairro não havia comércio, de forma que a maioria de nossas compras era feita no Sacomã. Meu irmão mais velho, Túlio, e eu éramos incumbidos dessas compras. Depois que ele começou a trabalhar, sobraram para mim. A padaria ficava na rua Silva Bueno, a principal daquela parte do Ipiranga – a rua do bonde – e eu gastava uns 12 minutos para descer de casa até lá.  No meu caminho, a travessa que precedia a Silva Bueno era a rua do Manifesto, em cuja esquina com a Comandante Taylor havia uma misteriosa casa de pedra, um sobrado imponente no melhor estilo russo. Atrás da casa, na continuação da Manifesto, ficava um campo de futebol onde joguei algumas vezes.
Acostumado a conhecer, de uma maneira ou de outra – na condução, no futebol, amigos de amigos – as pessoas do bairro, não conhecia ninguém daquela casa e por isso ela me parecia misteriosa.
Quando, aos quinze anos, passei a estudar no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, na Rua São Joaquim, na Liberdade – para variar, longe da minha casa – levava cerca de uma hora de condução para chegar lá e outra para voltar. Saía cedo e voltava lá pela uma hora da tarde, com aquela fome de leão.
Assim, quando um dia um colega de outra classe, chamado Kassinof, ficou sabendo onde eu morava, me disse que outro colega morava em São Caetano e que às vezes o pai dele ia buscá-lo no colégio.  Com isso, quando os horários coincidiam, eu tinha uma carona espetacular que me deixava na porta de casa. Infelizmente, durou pouco tempo porque o colega de São Caetano mudou de escola.
Qual não foi minha surpresa quando o Kassinof desceu, antes de mim, em frente à casa dele – era a casa de pedra da Rua Manifesto.
Ficamos amigos por algum tempo. Ele era um pouco mais velho do que eu, alto, encorpado, claro – enfim, o próprio russo. Muito simpático, me convidou para ir à casa dele num sábado, quando ele jogava xadrez com um amigo. Fui, apesar de ser completamente ignorante de xadrez, muito movido pela curiosidade que tinha em relação à casa e, afinal, era uma oportunidade de fazer algo diferente de jogar futebol.
Não lembro de ter tentado jogar xadrez. Kassinof e seu amigo eram experientes, de modo que fiquei assistindo ao jogo, conversando um pouco, apreciando a decoração da sala onde se destacava um samovar enorme.
Passei a prestar atenção na música, que me atraiu muito. Numa vitrola de 78 RPM, uns cinco discos grandes (12 polegadas), empilhados, traziam uma melodia muito agradável. Era a Sheherazade, de Nikolai Rimsky-Korsakov, opus 35, em quatro movimentos. Na minha lembrança, foi nesse dia que passei a me interessar mais por música clássica e gosto muito de Sheerazade, até hoje.

Repito que nunca fui um entendido de música. Como já disse no começo deste capítulo, nunca estudei música, conheço os clássicos por ouvi-los, identifico poucos concertos. Uma ocasião, quando estudante de Engenharia na Politécnica, assisti a algumas sessões de música clássica promovidas por colegas que se davam ao trabalho de, na hora do almoço, instalar um toca-discos numa das salas e fazer um programa comentado sobre as músicas. A concentração do grupo era total, quase religiosa, as pessoas mostravam grande conhecimento musical. Gostei, mas participei poucas vezes; humildemente, eu era um estranho no ninho. Havia outras coisas para fazer na hora do almoço, uma delas era adiantar os projetos.
Mas Korsakov me levou a outros autores e, hoje, ouço com muito prazer peças dos mais conhecidos, como Grieg, Bach, Beethoven, Vivaldi, e aqueles que o cinema ajudou a popularizar. Por exemplo: Brahms (“Do you like Brahms?”, com Anthony Perkins e Ingrid Bergman); Chopin (“À noite sonhamos”, com Cornel Wilde e Merle Oberon); Rachmaninof (cujo “Concerto No. 2” foi o tema de “O pecado mora ao lado”, com Marilin Monroe); Mozart (“Amadeus”) ...

Enfim, eu iria me interessar por música clássica, mais cedo ou mais tarde, pois eu e minha família tivemos relacionamento muito próximo com músicos e maestros. Porém, no meu caso, o marco foi ouvir Sheherazade na casa do Kassinof. Por falar nele, depois daquele ano nunca mais tivemos contato. Poderíamos ter sido grandes amigos.

Washington Luiz Bastos Conceição



Suplemento

Como ilustração da crônica, os leitores poderão ouvir algumas das músicas que selecionei no Youtube e relaciono abaixo, indicando os respectivos links. Nessa seleção, procurei peças bem conhecidas, que costumava ouvir lá em casa, e outras que passei a ouvir mais tarde.

Observações:
1. Ao selecionar os vídeos e áudios, observei que alguns, especialmente aqueles que apresentam músicos famosos, trazem anúncios, que podemos pular. Esse inconveniente é o preço que pagamos pela audição.
2. Alguns dos vídeos selecionados são longos, mas podem ser ouvidos com interrupções, nos pontos em que o leitor desejar.



Meu pai gostava muito dos dois números abaixo. Os solos de violino são extraordinários. 

Saint Saëns - Introdução e Rondó Caprichoso - Tanja Sonc (13 minutos)

Monti - Czardas – Orquestra Gelders, Roby Lakatos e Dimiter Tchernookov (8 minutos)

Minha mãe gostava de Chopin e todos lá em casa a seguiram.

Chopin – Valsa no. 2 - Evgeny Kissin (4 minutos)

Chopin - Estudo  Revolucionário - Yundi (3 minutos)

Fiquei fã de Korsakov e não podia deixar de selecionar Scheherazade. Está completa, pode ser degustada aos poucos.

Korsakov - Scheherazade - Sinfônica da Galicia - Leif Segerstam (52 minutos)

Korsakov - Capricho Espanhol – Filarmônica de Berlim - Zubin Mehta (16 minutos)

No início dos anos 1980, a pianista brasileira Cristina Ortiz, que já estava na Europa, veio visitar a família no Rio e aproveitaram para programar um concerto dela aqui no Rio, na Sala Cecília Meireles. Dois de seus irmãos eram meus colegas na IBM e um deles, o Joel Ortiz, me convidou para assistir ao concerto. Fomos, Leilah e eu, e gostamos muito. Frequentemente, ouço um dos CDs de Cristina. Abaixo, dois áudios desse disco e um vídeo recente de apresentação da pianista.

Rachmaninoff - Concerto para piano no.2 - Cristina Ortiz (33 minutos)

Addinsell – Concerto de Varsóvia - Christina Ortiz (9 minutos)

Gottschalk - Grande Fantasia Triunfal (Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro) (8 minutos)

Shostakovich - Concerto para piano no.2 - Cristina Ortiz (21 minutos)

Completando este cardápio, relaciono abaixo vídeos com peças musicais variadas que costumo ouvir.

Ravel - Bolero - André Rieu (7 minutos)

Grieg - Piano Concerto in A menor – Khatia Buniatishvili (28 minutos)

Tchaikovsky - Capricho Italiano op. 45 - Sinfónica de Galicia - Jesus López Cobos, diretor (18 minutos)

Tchaikovsky – Valsa das FloresDaniel Barenboim (8 minutos)

Tchaikovsky - Abertura 1812 - Prinsengrachtconcert 2013 (16 minutos)

Brahms – Dança húngara No.5 - Hungarian Symphony Orchestra Budapest (3 minutos)

Brahms - Concerto para piano no.1 - Hélène Grimaud (53 minutos)

Gershwin - Rhapsody in Blue - Filarmônica de Nova York - Leonard Bernstein (17 minutos)

Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras nº 2 - Tocata (O trenzinho do caipira) - Orquestra Sinfônica Brasileira – Roberto Minczuk (5 minutos)

Manuel de Falla - Dança ritual do fogo (5 minutos)

Bach - Cantata 147 - Jesus alegria dos homens (4 minutos)

Bach - Tocata e fuga - Xaver Varnus (12 minutos)

Beethoven - Sinfonia no. 5 - (33 minutos)

Beethoven - "Für Elise" - Valentina Lisitsa – Filarmônica de Seul (4 minutos)

Vivaldi - A Primavera, primeiro movimento - (3 minutos)

Mozart – Marcha turca - Lang Lang (2 minutos)

Mozart - Eine kleine Nachtmusik (19 minutos)