sábado, 25 de abril de 2020

Minha primeira visita a Stanford em memorável viagem


Cara leitora ou prezado leitor:
Prosseguindo em meu programa de lhes oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento social, apresento-lhe hoje a transcrição do capítulo “Primeira visita a Stanford”, de meu e-book “A Califórnia e Nós”, publicado em 2015.
Como se trata de um capítulo inteiro do livro, que preferi não dividir em duas crônicas, o texto é mais extenso do que o habitual.
Dedico esta publicação ao meu filho Cássio e a Julia, sua esposa, que se graduaram em Stanford e, hoje, residem a uns quinze minutos (de automóvel) da Universidade.


Introdução

Em maio de 1968, designado pela IBM para o Projeto 3.7, mudei-me com a família para Chicago. Éramos, então, Leilah, minha esposa, eu e os filhos Luiz (7 anos), Cássio (5) e Francisco (2 e meio).
Em setembro de 1969 encerrei minhas atividades do Projeto nos Estados Unidos, as quais teriam continuação no Brasil com o marketing do Sistema IBM/3. Chegara a hora de voltarmos.
Decidimos tirar uns dias de férias, para conhecermos a Califórnia e visitar o México, voltando de Chicago a São Paulo com paradas de alguns dias em São Francisco, Los Angeles, e Cidade do México.
Voltei à Califórnia somente depois de doze anos.

Primeira visita a Stanford

Em 1981, fiz uma viagem a trabalho a Nova York, Montreal e Tóquio. Voltei por São Francisco, pois queria visitar a Universidade de Stanford.
O objetivo dessa visita era conhecer a Universidade em que o Cássio estava matriculado. Aceito por seu desempenho na Escola Americana do Rio de Janeiro, ele conseguira, com o apoio de professores que se interessaram muito pelo seu caso, uma bolsa de estudos do Departamento Atlético de Stanford para integrar o time de futebol (“soccer”) da Universidade.
Esta viagem Rio – Nova York – Montreal – Nova York – Tóquio – São Francisco merece que eu me detenha para comentá-la.

Eu era, então, responsável, na IBM Brasil, pelo projeto “National Language”, cujo objetivo era oferecer aos usuários de computadores IBM a possibilidade de operarem os mesmos usando o próprio idioma. Essa necessidade se acentuou quando surgiram os assim chamados “usuários finais”, pessoas das empresas dos setores operacionais e administrativos das organizações que passaram a ter disponíveis terminais dos grandes computadores centrais (os “mainframes”) e, a seguir, computadores pessoais. Até então, sendo usuários apenas os profissionais do setor de Informática, estes tinham obrigatoriamente de ser proficientes em Inglês.
Hoje em dia, cara leitora ou prezado leitor, você abre seu computador e seleciona o idioma – este é o principal resultado dos projetos de “National Language”.


As atividades em Nova York foram reuniões de controle e planejamento com o grupo internacional do projeto, realizadas em White Plains.
Eu estava em uma dessas reuniões quando fui chamado por telefone pelo técnico do time de futebol da Universidade de Clemson, na Carolina do Norte, que insistiu para que eu interferisse na decisão do Cássio, que havia preferido ir para Stanford. Expliquei a ele que a decisão tinha sido de meu filho e já estava tomada. Foi uma conversa longa. Não tenho ideia de como ele conseguiu me localizar em um dos muitos escritórios da IBM no estado de Nova York. A conversa foi cansativa, mas o paizão aqui, louco por futebol, ficou muito envaidecido pelo prestígio do filho. Esse técnico foi um daqueles que receberam do professor da Escola Americana uma fita de vídeo (que, aliás, nunca vi) mostrando as habilidades do Cássio em campo.
Em Montreal, fui visitar o Centro de “National Language” da IBM Canada. A Empresa, havia já algum tempo, tinha de oferecer, obrigatoriamente, aos clientes da Província de Quebec, manuais em Francês (além daqueles em Inglês), bem como o software interativo utilizado pelos usuários finais. O Centro era um departamento exemplar, muito bem montado. Obtive informações importantes sobre a experiência e a organização deles. O gerente geral, que eu havia conhecido nas reuniões de Nova York, ainda estava fora; fui recebido pelas gerentes dos setores que se reportavam a ele. Após a visita, me levaram para almoçar. Eram somente mulheres, elegantemente vestidas; para espanto do “maitre”, pagaram a conta. Para mim, foi uma sensação diferente, curiosa, num tempo ainda machista.
De Montreal voltei para Nova York e, no dia seguinte, embarquei para Tóquio. A Pan American usava um Boeing 707 adaptado para fazer um voo direto a Tóquio pela calota polar – não fazia escala no Alasca. Partia ao meio-dia, voava sempre com o dia claro e, após umas treze horas de viagem, chegava ao aeroporto de Narita cerca das 14 horas do dia seguinte (coisas do fuso horário).
Durante o voo, apenas descansei, não dormi. Mesmo que quisesse, não conseguiria, porque as senhoras japonesas que acompanhavam os maridos na viagem, mas se sentaram separadas deles, faziam um alarido considerável. Li o tempo todo, estudei um guia linguístico (“Everyday Japanese – A Basic English-Japanese Wordbook”) que meu compadre Hideyo Kato me deu.  Aprendi, por exemplo, que taxi era “takushi”; que cerveja era “biru”; leite, “miruku”. Recapitulei os cumprimentos e o muito obrigado dos japoneses. No fim da viagem, achei que estava preparado para necessidades básicas de comunicação no “País do Sol Nascente”.

O aeroporto já era o de Narita, distante duas horas de ônibus do terminal de Tóquio. Troquei dinheiro e comprei a passagem do ônibus, sem problema.
Durante a viagem de ônibus, pude apreciar a paisagem e algumas coisas me chamaram a atenção. Uma delas, a quantidade de casas, naquela região rural, com painéis de captação de energia solar (lembre-se, leitor, corria o ano de 1981). Outra, os letreiros informativos da estrada, em caracteres japoneses, que me deram a chocante sensação do analfabetismo total – e não apenas o desconhecimento do idioma. Ao aproximarmo-nos de Tóquio, surgiram grandes prédios de apartamentos, em cujos terraços e janelas os moradores estendiam roupas de cama, aproveitando o sol de verão. Notei, também, que todo terreno não construído era aproveitado para plantação (talvez de arroz), mesmo quando contíguos a instalações como oficinas mecânicas, por exemplo.
Cheguei ao terminal de Tóquio, uma espécie de estação rodoviária central, onde recebi minha mala por uma esteira semelhante às dos aeroportos e me dirigi ao portão de saída. Na frente deste, um guarda com uma farda impecável – e luvas – parecia disposto a orientar os passageiros. Perguntei-lhe: “Takushi?”. Ele se sentiu à vontade para desfiar uma sentença completa em Japonês; não entendi nada e o que me valeu foi o gesto dele indicando a direção que eu devia tomar.
Ao tomar o taxi, notei a roupa formal do motorista – que incluía luvas. Apenas cumprimentei e informei o nome de meu hotel. Devo ter falado, no máximo, algo como “Konishi wa” e “Okura hoteru dozo”. Não tentei conversar, pois a experiência com o guarda me mostrou que eu não seria capaz de levar o papo a bom termo.
No hotel pude me comunicar normalmente, em Inglês. Ao chegar ao apartamento, eram cerca de cinco da tarde; apressei-me a telefonar para meu compadre Kato. Hosanna, sua esposa, havia me informado que ele estaria em Tóquio naquela semana e me deu o nome do hotel. Consegui falar com ele, no momento em que ele estava saindo do quarto. Era o último dia de sua viagem ao Japão (aonde ia com frequência, a negócios) e ele ia jantar com conhecidos de lá. Era convidado, mas conseguiu que estendessem o convite para mim. Assim, meu primeiro jantar em Tóquio foi memorável, num restaurante de luxo, onde as garçonetes usavam uma rica veste típica. Comi uma deliciosa “chabu-chabu”, carne em fatias assada em uma pedra grande, quentíssima, colocada sobre a mesa, acompanhada por vários outros pratos.
Foi um ótimo jantar, comunicamo-nos bem em Inglês e não tínhamos preocupação com o trabalho no dia seguinte porque era noite de sexta feira.
O Kato voltou ao Brasil no dia seguinte e eu resolvi aproveitar para fazer duas excursões (em grupo) nas proximidades de Tóquio, uma no sábado e outra no domingo, a partir do hotel.
A primeira foi muito curiosa: um ônibus apanhou o grupo no hotel e nos levou primeiro ao Fujiyama; a seguir, almoçamos (frango, comida de turista) num lugar muito aprazível. Depois do almoço, seguimos de ônibus até a margem de um lago, onde tomamos um barco que nos levou à margem oposta, após uma boa travessia, panorâmica. A partir deste ponto, fizemos um passeio de teleférico sobre as montanhas (Hakone), passando sobre o que me pareceu a cratera de um vulcão extinto de que emanava uma fumacinha. Deixando o teleférico, embarcamos novamente no ônibus e rumamos de volta para a cidade. Como de hábito, o guia nos distraia durante a viagem.  Fez comentários interessantes sobre o País e Tóquio em particular. Lembro-me que ele contou que para uma pessoa residente na cidade poder comprar um automóvel tinha de provar que possuía local para guardar o veículo. Pareceu-me uma boa ideia, além de outras sobre trânsito e estacionamentos, que talvez devêssemos adotar nas grandes cidades do Brasil.
Foi um passeio interessante, ilustrativo, e curioso porque usamos vários meios de transporte: o rodoviário, o hidroviário e o aéreo (bondinho pendurado em cabos).
Essa excursão é descrita na internet, hoje, por uma agência de turismo, em Inglês, que traduzi assim:
“Deixe Tóquio, suba à Mt. Fuji's 5th station e aprecie a vista de 2300 metros de altitude. A seguir, penetre no belo cenário natural de Hakone mediante um agradável cruzeiro de barco no Lago Ashi e viaje no teleférico de Komagatake.”
No domingo, minha excursão foi para Nikko, pequena cidade perto de Tóquio, para visita ao templo Toshogu.
Na segunda-feira, iniciei o programa de trabalho, preparado em Nova York, que se constituiu numa série de visitas e entrevistas com o pessoal da IBM Japão envolvido com “National Language”.
Lá, a dificuldade era muito maior do que no Canadá, por causa da diferença e da quantidade dos símbolos na escrita. Para o uso dos computadores, além da tradução dos textos propriamente dita, a digitação dos dados implicava o uso de milhares de símbolos em vez das 26 letras do alfabeto inglês. Eu já havia assistido, alguns anos antes, a um filme da IBM que mostrava uma operadora, agilíssima, operando um teclado no formato de vasto tabuleiro, com o qual ela podia registrar, mediante teclas de controle, uns dois mil símbolos “Kanji”, se não me falha a memória. Como diria um dos personagens de Chico Anysio, era um espanto! Os nossos “ç”, “ã”, “õ” e os demais acentos são brincadeira, perto dessa diversidade de símbolos.

Nas entrevistas com meus colegas japoneses, procurei me informar de como eles vinham resolvendo as dificuldades da tradução de software, como operavam, como se organizaram etc., pois tinham, já naquela época, grande experiência no assunto.
Fiz visitas ao escritório no centro da cidade, onde me admirei com a arquitetura dos edifícios (“à prova de terremotos”, diziam) e me lembro de alguns detalhes, especialmente de um almoço com o grupo, em um restaurante comercial situado em uma galeria. Eu estava tentando comer de pauzinho, mas notei que estava muito devagar e atrasando os outros. Pedi um garfo. O restaurante não tinha; rodaram a galeria toda e acabaram me arranjando uma colher. Quando conto esse vexame para meu neto carioca, que gosta muito de comida japonesa e maneja bem os pauzinhos, ele acha muita graça. O Kato já me deu algumas aulas sobre o uso da ferramenta, mas não adiantou. Desisti.
Uma das pessoas com quem eu tinha de falar trabalhava numa fábrica da IBM nos arredores de Tóquio, onde fui visitá-lo. Para orientar o motorista do taxi, ele me enviou por fax um mapa com o itinerário para eu entregar ao motorista. Não haveria condições de eu entender e transmitir as orientações do trajeto. Além disso, lembremos, o Japão é famoso por não adotar o sistema de endereço por rua e número.

Grande surpresa tive uma noite em que resolvi jantar fora do hotel, cujo restaurante era caro e eu queria variar. Indicaram-me um restaurante próximo ao hotel em que os comensais comiam em torno de um balcão em “U”. Dentro do “U” havia, se me lembro bem, frutas e verduras. Na parte de cima do “U”, numa espécie de palco, estavam sentados dois japoneses enormes, que serviam os clientes com uma longa pá. Os pedidos eram tomados por um terceiro, que se dirigia a cada cliente pelo lado de fora do “U”. Os dois lá de cima anunciavam ruidosamente os pratos servidos e sabiam exatamente onde estavam os clientes respectivos. Não havia problema na transferência da pá para o balcão. Se não me engano, comi uma ótima lula recheada.
Nessa noite, ao sair do restaurante, um encontro surpreendente: um colega chileno que trabalhara na IBM Brasil vinha pela mesma calçada. Fazia tempo que não nos víamos, mas nos reconhecemos imediatamente. Ele estava trabalhando nos Estados Unidos, ainda na IBM. Jantamos juntos no dia seguinte, e pusemos as notícias em dia.


Terminada minha missão em Tóquio, iniciei a viagem de volta ao Brasil, via São Francisco. O voo foi normal – apenas estranhei sair do Japão de noite e chegar à Califórnia na manhã do mesmo dia. As pessoas hoje em dia viajam tanto que não devem reparar mais nessa volta aparente no tempo, mas realmente me diverti com isso, tanto que não esqueci e conto aqui.
Chegando ao aeroporto, aluguei um automóvel, arranjei um mapa e tomei a autoestrada 101 rumo ao Sul, para Palo Alto, no Vale do Silício. Um percurso que eu viria a fazer muitas outras vezes e agora conheço muito bem.

Saí da 101 na Embarcadero Road, segui até a El Camino Real, virei à direita e cheguei ao Holiday Inn de Palo Alto, onde me hospedei. O hotel ficava bem próximo à Universidade de Stanford. Telefonei para o Nelson Lodge, técnico do time de soccer da Universidade, com quem já havia marcado a visita. Era começo da tarde. Ele enviou seu assistente, o Tony Igwe, para me buscar no hotel. Este, muito simpático e atencioso, logo contou que havia jogado futebol pelo time juvenil de seu país, a Nigéria, e tivera a oportunidade de jogar contra o Pelé. Deu-me a impressão de este fato ter sido a maior honra da vida dele como esportista.


Cassio me contou recentemente que o Tony Igwe jogou na seleção olímpica da Nigéria participando inclusive das olimpíadas de 1968, se não me engano. E que ele realmente jogou pela seleção nigeriana contra o Santos, num daqueles amistosos que este time brasileiro fazia em excursão pelo mundo; claro que jogar contra o Pelé foi uma honra enorme e algo que ele sempre terá orgulho de ter feito — mas o que ele dizia para o Cássio com muita satisfação  é que ele tinha marcado (pois era lateral direito)  "the great Edu," a quem ele considerava o melhor ponta esquerda do mundo. Ele tinha um álbum de fotografias inteiro dedicado a fotos do jogo contra o Santos, e a maioria das fotos era dele disputando a bola com o "great Edu."


Encontrei com o Igwe outras vezes e nosso relacionamento foi sempre cordial.
Stanford me surpreendeu e encantou desde aquela primeira visita, com seu campus parecendo uma bela pequena cidade, muito bem cuidada. Tony me levou ao Departamento Atlético, onde encontramos o Nelson. Este me conduziu em um “tour” pela Universidade, iniciando pelas instalações esportivas – quadras e campos de esportes. Fez questão de me mostrar, com grande orgulho, algo que eu entendia como “waiting room” (sala de espera), quando nos dirigíamos para lá, e não tinha ideia de qual seria sua finalidade esportiva. Na verdade, era “weight room” (sala de pesos) um galpão enorme com todo tipo de aparelhos para exercícios, o que seria hoje no Brasil o salão de uma enorme academia de ginástica. Naquele tempo, quando em nosso País se anunciava com grande alarde o início do uso de um aparelho chamado “Nautilus” por nossos craques de futebol (Reinaldo, centroavante da seleção, foi fotografado se exercitando em um deles) vi, admirado, uma grande quantidade de máquinas daquele tipo na sala de pesos do Departamento Esportivo de Stanford.
Nelson estendeu depois nossa excursão para outras instalações da Universidade, inclusive ao centro do campus, onde ficam a Biblioteca, a ótima livraria, o Correio, lanchonetes, em torno de uma praça bastante frequentada, apesar de ser tempo das férias de verão. Nessa praça fui apresentado ao Vice-Reitor de Admissões, Fred Hargadon, que havia assinado a carta de admissão do Cássio na Universidade.
Falei com o Nelson sobre o Cássio. Não precisei comentar seu futebol porque ele havia assistido ao filme que o professor da Escola Americana tinha distribuído. Comentei o telefonema que recebi do técnico de Clemson e ele se deliciou com a história, pois, fiquei então sabendo, eles competiam por novos jogadores.
Aproveitei para comprar camisetas e agasalhos de Stanford para os filhos.
Foi uma ótima visita. Fiquei certo de que meu filho tinha feito uma ótima escolha e de que teria pela frente um enorme desafio, especialmente nos estudos.
Voltei ao Rio satisfeito e com muito para contar à família e aos amigos.

Washington Luiz Bastos Conceição


Nota:
Cássio, após a graduação em Stanford, empregou-se em uma empresa da região, casou-se e tem dois filhos americanos. Leilah e eu passamos, então, a ter razões ainda mais fortes para viajar à Califórnia, o que fizemos por mais de trinta anos, até quando nossas condições físicas permitiram. Agora, somos visitados no Rio.
Nessas viagens, sempre íamos a Universidade; visitávamos a igreja, a livraria, a biblioteca e fazíamos um lanche na praça central, muito frequentada pelos alunos. E, claro, passávamos pelo estádio, onde vimos a seleção brasileira de futebol jogar na Copa de 1984.



2 comentários:

  1. Prazer enorme sabendo mais de sua vida venturosa e aventurosa. Fica claro que você tem histórias mil para contar e aqui você tem, nesta prima, uma fã de carteirinha do seus relatos. Abraços.

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  2. Delicinha de ler... Arigatou gozaimasu!

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