sexta-feira, 3 de julho de 2020

Nos Tempos da Bossa Nova


Cara leitora ou prezado leitor:
Retomo a série de crônicas com transcrições do capítulo “A Música e Eu” de meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, publicado em 2009. Com a série, que continua tendo muito boa aceitação pelos meus generosos leitores, pude intensificar a publicação de crônicas no blog, com o objetivo de oferecer distração aos amigos nesta fase tão difícil do isolamento social. Nesta crônica, como fiz na publicação das demais da série, incluo um suplemento com os links de áudios e vídeos de números musicais selecionados.
Segue a transcrição.



“Bossa Nova – Leilah e eu

Corria o ano de 1958. Leilah e eu, já noivos, estávamos, no carro do pai dela, subindo a Avenida Rebouças, em São Paulo, rumo à sua casa no bairro do Pacaembu. No rádio do carro começou a tocar uma música nova. Leilah disse qualquer coisa como: “Você já ouviu esta música? É diferente, engraçada, preste atenção!”.  Era mesmo diferente. O cantor, que eu não conhecia, entoava:
“... pois há menos peixinhos a nadar no mar
do que os beijinhos que darei em sua boca...”
Era, realmente, algo novo para mim: não era um samba-canção, que requeria vozes potentes, nem um samba brejeiro, urbano, como aqueles do Caymmi, nem as canções algo jazzísticas interpretadas principalmente pelo Dick Farney.  Era agradável, leve, animada, maliciosamente romântica.
Claro, vocês já sabem, era o “Chega de Saudade”, com o João Gilberto, meu primeiro contato com o tipo de música depois consagrado como “Bossa Nova”, denominação extraída da letra de “Desafinado”, outro grande sucesso. Ambas foram marcos do que viria a ser um notável e duradouro movimento musical que se espalhou pelo mundo inteiro, com “Garota de Ipanema” sendo seu maior sucesso.
A partir de então, as músicas da Bossa Nova vieram enriquecer o rol de minhas preferências musicais, o que aconteceu com a Leilah, Penha, minha irmã, e os amigos. Gostávamos muito de ouvir intérpretes como, por exemplo, Nara Leão, Silvinha Teles, Elisete Cardoso, Agostinho dos Santos, além do João Gilberto e dos próprios compositores, Tom, Vinicius, Chico Buarque...

Designado pela IBM para um projeto nos Estados Unidos, mudei-me com a família para Chicago em 1968.
No grupo em que trabalhei – formado por americanos e estrangeiros – um dos participantes, americano, era o artista (designer), encarregado de todas as ilustrações do material de Marketing e Instruções que estávamos desenvolvendo. Jovem, simpático, James Kelly, ao saber que eu era brasileiro, fez questão de me contar que era fã de Bossa Nova, era admirador de Tom Jobim e colecionava seus discos. Foi por ele que fiquei sabendo da parceria do Tom com o Frank Sinatra, que resultou numa ótima gravação pelo americano de várias músicas de Bossa Nova em Inglês. Optei pela gravação em fita de rolo, em função do primeiro equipamento de som que tínhamos comprado, e comprei também um rolo do Sérgio Mendes 66 e outro do Walter Wanderley Trio. Depois, equipados também com um som de toca-discos, passamos a ouvir Laurindo Almeida, Aretha Franklin, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald e outros. Ouvimos muito essas músicas na temporada em Chicago – aqueciam o inverno e animavam nossas reuniões com amigos.
Morando longe do centro de Chicago e com três crianças, não era fácil irmos ao teatro ou assistirmos a apresentações musicais em Chicago. Entretanto, quando o Bola Sete fez uma temporada em um dos bares de lá, fomos assistir ao seu show. Matamos a saudade da música brasileira ao vivo, pois, apesar das caretas incríveis que ele fazia quando tocava, era ótimo violonista e tinha um repertório excelente.
Uma surpresa que tivemos (lembrem, o ano era 1968!) foi a inclusão da bossa nova nas músicas de fundo dos shopping centers, especialmente de “Garota de Ipanema”. Aliás, continuam tocando até hoje – só que não é mais surpresa para ninguém.

Quando voltamos ao Brasil, mudamo-nos para o Rio – e caímos no epicentro da Bossa Nova. Outras músicas, brasileiras e estrangeiras, tiveram grande destaque na década de 1970, mas a Bossa Nova se mantinha muito viva junto ao público. Em nosso caso, particularmente, passamos a aproveitar também de outra forma: assistindo a shows de Vinicius, Tom, Baden, Toquinho, Chico Buarque, Elis, Gal Costa, Elisete, Tito Madi, Marisa Gata Mansa, Ribamar, João Roberto Kelly.
Como curiosidade adicional, encontrávamos os artistas em locais públicos e restaurantes. Nos primeiros meses de meu trabalho no Rio, quando a família estava em São Paulo, eu ficava em hotel no Rio e viajava toda sexta noite para São Paulo e voltava na segunda. Saturado de avião e fugindo das dificuldades da Ponte Aérea, preferia ir de trem, que era mais barato e mais confortável. Antes de me deitar, jantava no carro restaurante, onde várias vezes encontrei o Ciro Monteiro (sambista veterano, foi o melhor intérprete de “Formosa”). Muito simpático e comunicativo, ele estava sempre cercado de amigos para um papo alegre.

Ao mudarmo-nos para o Rio, em janeiro de 1970, tivemos uma dificuldade usual naquele tempo: custou para conseguirmos nosso telefone residencial. Assim, para falarmos com a família em São Paulo, tínhamos de ir ao posto da Companhia Telefônica na Praça General Osório em Ipanema (já morávamos no Leblon). Mais de uma vez encontramos o Baden Powel no posto – quieto, esperando como nós sua vez para telefonar. O Chico Buarque e o Baden foram os artistas que mais encontramos: o primeiro, sempre andando muito rápido, não encorajava ninguém a pedir autógrafo; o segundo, encontramos mais em restaurantes; pedimos seu autógrafo duas vezes – a primeira para os meninos e a segunda, mais recentemente, para minha mãe, quando almoçávamos num restaurante de frutos do mar na Barra da Tijuca, o preferido dela aqui no Rio.
Continuo curtindo a Bossa Nova, mediante CDs e DVDs. Ela pertence, agora, à categoria recordações, mas é muito bom ouvir o Baden, solando o “Poema dos Olhos da Amada” e Tom, Vinicius e Elis, por exemplo, nos diversos discos que vimos colecionando por todos estes anos, todos excelentes. Ou, ainda, assistir novamente ao documentário ”Vinicius” em DVD, muito divertido.
A Bossa Nova continua comigo, inesquecível.”



A bossa nova encantou, durante anos, o mundo todo e mais de uma geração de brasileiros. Porém, ao escrever o livro, eu estava lembrando mesmo era daquela extraordinária fase da música brasileira em que, realmente, a bossa nova predominou, mas outras correntes musicais fizeram, também, muito sucesso. Alguns compositores e cantores chegaram a participar de mais de um movimento. Eu (e, provavelmente, o público em geral) não me preocupava em saber exatamente se alguma peça musical era ou não bossa nova. Exemplos: a música de Jorge Ben (depois Ben Jor) era diferente, mas igualmente apreciada; Chico Buarque compunha e interpretava canções e sambas que podiam ser ou não bossa nova. Outros sucessos populares, claramente fora das características da bossa nova, evoluíam paralelamente, a os números até se misturavam em shows. Era o caso das músicas de Caymmi, que continuava, como fez a vida inteira, com suas canções e sambas, e as músicas da Jovem Guarda, que tinha seu grande público. Tudo muito bom e misturado.
O que mais me impressiona ao recordar aqueles anos de nossa música é a quantidade de artistas de talento extraordinário, compondo, cantando, gravando, se apresentando em shows memoráveis. Shows como o “Dois na Bossa”, com Elis Regina e Jair Rodriques; aqueles do Wilson Simonal, que conseguia fazer vibrar grandes plateias com um arranjo de “Meu limão, meu limoeiro”, música antiga do folclore que se ensinava a crianças; os shows de pura bossa nova, com Vinicius, seu copo de whisky, Baden, Tom e, também, Toquinho; espetáculos como os Saltimbancos, de Chico Buarque e companhia; apresentações em teatro de Gal e Bethania (cantando Balancê, Mãe menininha e outros sucessos). E ainda não mencionei nomes como Edu Lobo, Carlos Lira, Gilberto Gil, Caetano Veloso e certamente mais uma dezena deles, pelo menos. A lista dos grandes artistas é infindável.
Quem conseguiu, com muita felicidade, fazer menção a uma lista extensa de vários de nossos artistas mais destacados, foi Chico Buarque, em sua toada “Paratodos”.

Chega de saudade? Não, quando a saudade é a daqueles tempos de nossa música popular, que permanece e é muito gostosa. Para atenuá-la, basta tocar alguns daqueles discos excelentes, recostar-se na poltrona e deleitar-se com o som e a poesia de nossos admiráveis artistas.

Washington Luiz Bastos Conceição



Suplemento
Como ilustração da crônica, os leitores poderão ouvir algumas das músicas que selecionei no Youtube e relaciono abaixo, indicando os respectivos links. Na seleção, considerei peças musicais e cantores que mencionei no texto, preferindo os áudios aos vídeos quando o som me pareceu melhor; também incluí alguns shows que apreciei muito.
Resultou um extenso cardápio, o que não quer dizer que estou sugerindo que os leitores ouçam todos de uma vez. Provavelmente, como em um restaurante, vocês examinarão toda a lista (o que recomendo) e escolherão uma entrada, o prato principal e a sobremesa, deixando outros números para a próxima visita ao blog.

Observação: Nesta seleção, vários áudios e vídeos trazem anúncios, que podemos pular. Esse inconveniente é o preço que pagamos pela audição.

Chega de saudade - João Gilberto
https://www.youtube.com/watch?v=yUuJrpP0Mak

Garota de Ipanema - João Gilberto e Tom Jobim
https://www.youtube.com/watch?v=DSJ5xZci9mI

Desafinado - Joao Gilberto
https://www.youtube.com/watch?v=g6w3a2v_50U

The Girl From Ipanema - Frank Sinatra e Antônio Carlos Jobim
https://www.youtube.com/watch?v=NldPFVKYmiw

Introdução ao Poema dos Olhos da Amada – Baden Powell
https://www.youtube.com/watch?v=4AsPgeOIars

Dois Na Bossa - Pot-Pourri - Elis Regina E Jair Rodrigues
https://www.youtube.com/watch?v=wQdO2SYHFtM

Tarde em Itapoã - Toquinho e Gilberto Gil
https://www.youtube.com/watch?v=CLOqNeCps20

Se eu quiser falar com Deus - Elis Regina
https://www.youtube.com/watch?v=ivwHnJpcU3Y

Manhã de Carnaval - Agostinho dos Santos
https://www.youtube.com/watch?v=n0W12dVKD2s

A Banda - Nara Leão
https://www.youtube.com/watch?v=i9-WscD3Xxw

Berimbau - Baden Powell e Vinícius de Moraes
https://www.youtube.com/watch?v=q-cHTXrW3J8

Águas de Março - Elis Regina e Tom Jobim
https://www.youtube.com/watch?v=BnB1G63XvCQ

Formosa - Cyro Monteiro
https://www.youtube.com/watch?v=_cizWw--yFA

Água de Beber - Maysa
https://www.youtube.com/watch?v=0B3d_p5Vquw

Samba do Avião - Tom Jobim
https://www.youtube.com/watch?v=aK-k0SstIJQ

A noite do meu bem - Maria Bethania e Quarteto em Cy
https://www.youtube.com/watch?v=418pvtvD-cE

Pra dizer adeus - Edu Lobo
https://www.youtube.com/watch?v=jHTAHkEj34U

Minha Namorada - Carlos Lyra
https://www.youtube.com/watch?v=anh8gLm8hR0

Pot-pourri - Toquinho & Vinicius
https://www.youtube.com/watch?v=14rLKxvPIx4

Das Rosas - Dorival Caymmi e Tom Jobim
https://www.youtube.com/watch?v=38NP9AQYnAE

Apelo - Elizeth Cardoso
https://www.youtube.com/watch?v=7c32uFFUbls

Balanço zona sul - Tito Madi
https://www.youtube.com/watch?v=QxC4YDslf20

Quem te Viu, Quem te Vê - Chico Buarque
https://www.youtube.com/watch?v=DPi2GvElSUQ

Mais que nada - Sergio Mendes e o Brasil '66
https://www.youtube.com/watch?v=05w5ch9l6zI

Que pena! - Jorge Ben e Gal Costa
https://www.youtube.com/watch?v=4Dhn5zUjR-0

Meu limão meu limoeiro - Wilson Simonal
https://www.youtube.com/watch?v=qoBkkFTO-Xc

Trem das Onze – Gal Costa
https://www.youtube.com/watch?v=QzWuViSIRHQ

Pot-Pourri - Elis Regina e Adoniran Barbosa
https://www.youtube.com/watch?v=FVtbveUu1To

Paratodos - Chico Buarque

terça-feira, 2 de junho de 2020

Kassinof e Korsakov


Caro leitor ou prezada leitora:
Meu programa de oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento social está tendo muito boa aceitação pelos meus generosos leitores. Pelos registros de visitas ao blog e pelos comentários que tenho recebido, manifestados de várias maneiras, posso considerá-lo um sucesso, o que me deixa extremamente satisfeito, pois parece que está atingindo seu objetivo de distrair os amigos. Parece que o suplemento das crônicas, com os links de áudios e vídeos de números musicais selecionados, foi fundamental para o entretenimento dos leitores, fazendo-os também ouvintes.
Do capítulo “A música e eu” do meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, transcrevo, hoje, o tópico “Música Clássica – Kassinof e Korsakov”, onde conto uma das minhas pequenas histórias.
Dedico esta publicação aos meus pais e aos primos Carnasciali, especialmente Therezinha, pianista, e Clóvis, instrumentista e maestro, que me proporcionaram, desde quando eu era ainda criança, um importante contato com a música clássica.


Introdução

Antes do episódio Kassinof e Korsakov, eu costumava ouvir música clássica em casa, acompanhando meus pais, dos programas das rádios Gazeta e Excelsior de São Paulo e de alguns bons discos nossos. Lembro, por exemplo, do programa “Boa Iluminação”, patrocinado pela companhia Light de São Paulo, que tinha como prefixo o Bolero de Ravel.
Contudo, minha visita ao amigo, narrada no livro, teve o efeito de me incentivar a ouvir mais música clássica; passei a tomar a iniciativa de procurar peças e autores, além daquelas que habitualmente vinha ouvindo em casa. Não me tornei um conhecedor, muito longe disso, mas sim um apreciador do que já ouvi chamar de “clássicos populares”, ou seja, aqueles mais conhecidos. Ilustrando: há um programa diário da Rádio MEC de música clássica ("Clássicos do ouvinte") no qual a emissora atende a pedidos dos ouvintes. Ele é seguido de outro, também de músicas clássicas, mas selecionadas pela própria emissora. Gosto mais do primeiro, o popular; o segundo apresenta, em geral, peças que não conheço e autores de que não ouvi falar.
De nossa pequena discoteca de música clássica, ouço, com bastante variação, a música clássica de minha preferência. Para o suplemento musical da crônica, selecionei várias delas.
Vamos ao livro.


Kassinof e Korsakov

Morei em Heliópolis, bairro afastado de São Paulo, dos 11 aos 18 anos. Hoje, uma das comunidades mais intensamente povoadas da Capital era, naquele tempo, uma enorme gleba de terra que se estendia do Sacomã, no final do bairro do Ipiranga, até a divisa com São Caetano. Na largura, ia da Vila Carioca ao Moinho Velho, este o bairro que chegava até a Via Anchieta.
Nós morávamos na Rua Comandante Taylor que, naquele trecho, era a estrada para São Caetano, asfaltada e bastante movimentada. No bairro não havia comércio, de forma que a maioria de nossas compras era feita no Sacomã. Meu irmão mais velho, Túlio, e eu éramos incumbidos dessas compras. Depois que ele começou a trabalhar, sobraram para mim. A padaria ficava na rua Silva Bueno, a principal daquela parte do Ipiranga – a rua do bonde – e eu gastava uns 12 minutos para descer de casa até lá.  No meu caminho, a travessa que precedia a Silva Bueno era a rua do Manifesto, em cuja esquina com a Comandante Taylor havia uma misteriosa casa de pedra, um sobrado imponente no melhor estilo russo. Atrás da casa, na continuação da Manifesto, ficava um campo de futebol onde joguei algumas vezes.
Acostumado a conhecer, de uma maneira ou de outra – na condução, no futebol, amigos de amigos – as pessoas do bairro, não conhecia ninguém daquela casa e por isso ela me parecia misteriosa.
Quando, aos quinze anos, passei a estudar no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, na Rua São Joaquim, na Liberdade – para variar, longe da minha casa – levava cerca de uma hora de condução para chegar lá e outra para voltar. Saía cedo e voltava lá pela uma hora da tarde, com aquela fome de leão.
Assim, quando um dia um colega de outra classe, chamado Kassinof, ficou sabendo onde eu morava, me disse que outro colega morava em São Caetano e que às vezes o pai dele ia buscá-lo no colégio.  Com isso, quando os horários coincidiam, eu tinha uma carona espetacular que me deixava na porta de casa. Infelizmente, durou pouco tempo porque o colega de São Caetano mudou de escola.
Qual não foi minha surpresa quando o Kassinof desceu, antes de mim, em frente à casa dele – era a casa de pedra da Rua Manifesto.
Ficamos amigos por algum tempo. Ele era um pouco mais velho do que eu, alto, encorpado, claro – enfim, o próprio russo. Muito simpático, me convidou para ir à casa dele num sábado, quando ele jogava xadrez com um amigo. Fui, apesar de ser completamente ignorante de xadrez, muito movido pela curiosidade que tinha em relação à casa e, afinal, era uma oportunidade de fazer algo diferente de jogar futebol.
Não lembro de ter tentado jogar xadrez. Kassinof e seu amigo eram experientes, de modo que fiquei assistindo ao jogo, conversando um pouco, apreciando a decoração da sala onde se destacava um samovar enorme.
Passei a prestar atenção na música, que me atraiu muito. Numa vitrola de 78 RPM, uns cinco discos grandes (12 polegadas), empilhados, traziam uma melodia muito agradável. Era a Sheherazade, de Nikolai Rimsky-Korsakov, opus 35, em quatro movimentos. Na minha lembrança, foi nesse dia que passei a me interessar mais por música clássica e gosto muito de Sheerazade, até hoje.

Repito que nunca fui um entendido de música. Como já disse no começo deste capítulo, nunca estudei música, conheço os clássicos por ouvi-los, identifico poucos concertos. Uma ocasião, quando estudante de Engenharia na Politécnica, assisti a algumas sessões de música clássica promovidas por colegas que se davam ao trabalho de, na hora do almoço, instalar um toca-discos numa das salas e fazer um programa comentado sobre as músicas. A concentração do grupo era total, quase religiosa, as pessoas mostravam grande conhecimento musical. Gostei, mas participei poucas vezes; humildemente, eu era um estranho no ninho. Havia outras coisas para fazer na hora do almoço, uma delas era adiantar os projetos.
Mas Korsakov me levou a outros autores e, hoje, ouço com muito prazer peças dos mais conhecidos, como Grieg, Bach, Beethoven, Vivaldi, e aqueles que o cinema ajudou a popularizar. Por exemplo: Brahms (“Do you like Brahms?”, com Anthony Perkins e Ingrid Bergman); Chopin (“À noite sonhamos”, com Cornel Wilde e Merle Oberon); Rachmaninof (cujo “Concerto No. 2” foi o tema de “O pecado mora ao lado”, com Marilin Monroe); Mozart (“Amadeus”) ...

Enfim, eu iria me interessar por música clássica, mais cedo ou mais tarde, pois eu e minha família tivemos relacionamento muito próximo com músicos e maestros. Porém, no meu caso, o marco foi ouvir Sheherazade na casa do Kassinof. Por falar nele, depois daquele ano nunca mais tivemos contato. Poderíamos ter sido grandes amigos.

Washington Luiz Bastos Conceição



Suplemento

Como ilustração da crônica, os leitores poderão ouvir algumas das músicas que selecionei no Youtube e relaciono abaixo, indicando os respectivos links. Nessa seleção, procurei peças bem conhecidas, que costumava ouvir lá em casa, e outras que passei a ouvir mais tarde.

Observações:
1. Ao selecionar os vídeos e áudios, observei que alguns, especialmente aqueles que apresentam músicos famosos, trazem anúncios, que podemos pular. Esse inconveniente é o preço que pagamos pela audição.
2. Alguns dos vídeos selecionados são longos, mas podem ser ouvidos com interrupções, nos pontos em que o leitor desejar.



Meu pai gostava muito dos dois números abaixo. Os solos de violino são extraordinários. 

Saint Saëns - Introdução e Rondó Caprichoso - Tanja Sonc (13 minutos)

Monti - Czardas – Orquestra Gelders, Roby Lakatos e Dimiter Tchernookov (8 minutos)

Minha mãe gostava de Chopin e todos lá em casa a seguiram.

Chopin – Valsa no. 2 - Evgeny Kissin (4 minutos)

Chopin - Estudo  Revolucionário - Yundi (3 minutos)

Fiquei fã de Korsakov e não podia deixar de selecionar Scheherazade. Está completa, pode ser degustada aos poucos.

Korsakov - Scheherazade - Sinfônica da Galicia - Leif Segerstam (52 minutos)

Korsakov - Capricho Espanhol – Filarmônica de Berlim - Zubin Mehta (16 minutos)

No início dos anos 1980, a pianista brasileira Cristina Ortiz, que já estava na Europa, veio visitar a família no Rio e aproveitaram para programar um concerto dela aqui no Rio, na Sala Cecília Meireles. Dois de seus irmãos eram meus colegas na IBM e um deles, o Joel Ortiz, me convidou para assistir ao concerto. Fomos, Leilah e eu, e gostamos muito. Frequentemente, ouço um dos CDs de Cristina. Abaixo, dois áudios desse disco e um vídeo recente de apresentação da pianista.

Rachmaninoff - Concerto para piano no.2 - Cristina Ortiz (33 minutos)

Addinsell – Concerto de Varsóvia - Christina Ortiz (9 minutos)

Gottschalk - Grande Fantasia Triunfal (Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro) (8 minutos)

Shostakovich - Concerto para piano no.2 - Cristina Ortiz (21 minutos)

Completando este cardápio, relaciono abaixo vídeos com peças musicais variadas que costumo ouvir.

Ravel - Bolero - André Rieu (7 minutos)

Grieg - Piano Concerto in A menor – Khatia Buniatishvili (28 minutos)

Tchaikovsky - Capricho Italiano op. 45 - Sinfónica de Galicia - Jesus López Cobos, diretor (18 minutos)

Tchaikovsky – Valsa das FloresDaniel Barenboim (8 minutos)

Tchaikovsky - Abertura 1812 - Prinsengrachtconcert 2013 (16 minutos)

Brahms – Dança húngara No.5 - Hungarian Symphony Orchestra Budapest (3 minutos)

Brahms - Concerto para piano no.1 - Hélène Grimaud (53 minutos)

Gershwin - Rhapsody in Blue - Filarmônica de Nova York - Leonard Bernstein (17 minutos)

Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras nº 2 - Tocata (O trenzinho do caipira) - Orquestra Sinfônica Brasileira – Roberto Minczuk (5 minutos)

Manuel de Falla - Dança ritual do fogo (5 minutos)

Bach - Cantata 147 - Jesus alegria dos homens (4 minutos)

Bach - Tocata e fuga - Xaver Varnus (12 minutos)

Beethoven - Sinfonia no. 5 - (33 minutos)

Beethoven - "Für Elise" - Valentina Lisitsa – Filarmônica de Seul (4 minutos)

Vivaldi - A Primavera, primeiro movimento - (3 minutos)

Mozart – Marcha turca - Lang Lang (2 minutos)

Mozart - Eine kleine Nachtmusik (19 minutos)

sábado, 23 de maio de 2020

Óperas – De pai para filho


Caro leitor ou prezada leitora:
Prossigo em meu programa de lhe oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento social. Desta vez, considerando a gentil recepção dos leitores às crônicas sobre boleros e tangos, trago a história de meu interesse por óperas, transmitido pelo meu pai, grande apreciador da música lírica.
Apresento-lhe a transcrição de mais uma parte do capítulo “A música e eu” de meu primeiro livro, o “Histórias do Terceiro Tempo”, publicado em 2009.
Dedico esta publicação a meu pai, seus contemporâneos que transmitiram aos filhos o gosto por suas músicas preferidas e, especialmente, aos imigrantes italianos e seus descendentes que nos trouxeram o hábito de apreciar o “bel canto”.



Introdução

Nunca estudei música, não tenho bom ouvido e, quando tento cantar, desafino. Enfim, sou um ignorante que, humildemente, gosta de ouvir vários gêneros de música: desde marchinhas de carnaval, sambas, bossa nova, música brasileira em geral, boleros e tangos, até óperas e música clássica. Variado, não é?
Vocês poderão dizer: “Caramba (ou outra interjeição que costumem usar mais), Washington, deve ser tudo o que os seus contemporâneos curtiram ao longo da vida – qual é a novidade?”.



Óperas, meu pai e eu

É pouco provável que a maioria de vocês goste de ópera ou, mesmo, que se interesse pelo assunto. A ópera carrega a fama de ser um espetáculo em que a heroína é uma mulher gorda pela qual o herói e o vilão estão apaixonados e travam duelo de morte; estes tampouco correspondem fisicamente aos personagens jovens e impetuosos do drama. Apesar de realmente acontecer com frequência esse contraste entre a aparência de cada artista e de seu papel, suas vozes e o espetáculo como um todo se sobrepõem a essa característica, que se torna um detalhe de pouca importância. Embora não seja conhecedor de música lírica, apenas alguém que a aprecia, ouve e assiste a óperas de vez em quando, tenho aqui alguma coisa para contar e comentar.

Sempre que vou a Nova York, procuro visitar o Lincoln Center para assistir a algum espetáculo artístico em um daqueles teatros maravilhosos. Quando há uma apresentação de ópera no Metropolitan Opera House, não perco, mesmo que tenha de subir à galeria lá no alto.
Tive o prazer de levar, ao Metropolitan, Leilah e Jurema, minha filha, então com doze anos. Fomos assistir a “Il Trovatore”, uma das minhas óperas prediletas. O teatro, grandioso, moderno, muito bonito; o público, elegante e bem comportado; os cenários, a orquestra, os cantores, perfeitos. As árias mais famosas eu conhecia bem, dos discos, e vibrei em ouvi-las ao vivo, como parte do espetáculo teatral completo. Minha satisfação foi triplicada pelo interesse e a satisfação delas, desde o “Alerta!. Alerta!” ao “Miserere”, com destaque para o brilhante coro dos ferreiros. Inesquecível!

O gosto pelas óperas, assim como pelo tango, também me foi passado por meu pai. Morar em São Paulo ajudou muito, pois, além das temporadas no Teatro Municipal, havia sempre programas de música lírica nas rádios, especialmente na Rádio Gazeta. A preferência dele era por Verdi, de modo que tínhamos em casa discos com várias árias da Traviata, Otelo, Il Trovatore, Un Balo in Maschera, Aída, Rigoletto, além de algumas das mais famosas de outros autores.
O que vocês acham que eu fazia quando tocava os discos em casa, especialmente quando estava sozinho, de bobeira? Acho que adivinharam: tocava as árias, de preferência do barítono, e procurava acompanhá-lo, de libreto na mão. Era uma pauleira para mim e para os vizinhos, mas eu me divertia e aprendia para futuros gastos; meu pai morria de rir. Meu desafio preferido era a ária “Credo in un Dio crudel”, do Otelo, interpretada pelo Iago, o terrível vilão da história, com versos e música muito fortes.
Nessa época (início dos anos 1950, eu tinha uns vinte anos), fui assistir com meu pai ao Otelo, no Teatro Municipal de São Paulo, o qual apresentava anualmente temporadas com récitas de qualidade, com grandes cantores e músicos italianos. Os principais intérpretes de Otelo naquela noite foram, que eu me lembre, Mario del Monaco, tenor, Elizabeta Barbato, soprano, e Enzo Mascherini, barítono, que arrancaram “Bravos” da audiência, italianos e descendentes em sua grande maioria. Ainda assim, parece que o Mascherini cometeu alguma falha, imperceptível para mim, e um dos meus vizinhos de cadeira comentou com o outro: “Você viu que frango deu Mascherini?”.

Depois da fase de estudante, não perdi meu gosto por óperas, mas não ouvi mais música lírica com regularidade e minhas idas ao teatro para assistir a óperas foram poucas, embora marcantes.
Dez anos antes de ver o Trovatore, em Nova York, Leilah e eu tínhamos assistido à Aída, em Roma, nas Termas de Caracala, espetáculo muito bonito, com um cenário grandioso. Porém, visto de longe e ao ar livre, em uma noite um tanto fria do verão italiano, não pude apreciá-lo devidamente. Valeu pelo inusitado.
Mais inusitado ainda foi o caso da ópera a que fomos assistir no Municipal do Rio, por volta de 1980, Leilah e eu, em companhia do Roberto Castro Neves, grande amigo e colega da IBM, e Dóris, sua esposa. Era uma temporada com cantores italianos, que eu me lembre não dos mais famosos, mas estava agradando. A ópera era a Tosca, hoje minha predileta. Tarde quente do Rio, o Municipal cheio, conseguimos um bom lugar e tivemos um bom primeiro ato. Veio o intervalo, aproveitamos para bater um bom papo, mas o tempo foi passando e nada de recomeçar o espetáculo. Depois de uns vinte minutos de atraso, avisaram pelo alto-falante que estava havendo um problema qualquer, mas que logo seríamos chamados para o segundo ato – e tome mais atraso. Finalmente, chamaram os espectadores e acabaram explicando que os cantores italianos se recusaram a continuar com a ópera porque não tinham recebido o pagamento combinado. Os produtores foram buscar às pressas um soprano e um tenor brasileiros (no meu tempo de futebol de várzea, isso se chamava laçar) que deram prosseguimento ao espetáculo. A soprano era boa, conhecida, e não decepcionou, dadas as circunstâncias, mas o tenor teve um desempenho mais fraco. Contaram, porém, com a boa vontade e a simpatia do auditório e, importante, levaram a ópera até o fim.
Mais recentemente, e já faz dez anos – para os mais velhos os anos passam cada vez mais depressa – voltamos ao Metropolitan para assistir à Turandot, de Puccini. Desta vez, somente Leilah e eu. O teatro, magnífico como sempre, orquestra, cenário, intérpretes de primeira linha. Eu não conhecia o enredo e fiquei um tanto decepcionado, pois parece história infantil do folclore chinês. Mas a música é muito bonita, os cantores foram ótimos e o cenário genial. Tive apenas uma dificuldade de aceitação: a soprano, voz magnífica, era do tipo grande e gorda, e sua personagem é a “principezza”!

“E agora?” Vocês poderão perguntar. “Você tem assistido a óperas? Ainda gosta dessa música de antigamente?”
Agora, respondo, nesta vida preguiçosa de idoso, o que faço é ouvir, de meus discos, algumas óperas e árias diversas, inclusive da série dos três tenores, e assistir a DVDs que ganhei do Cássio e do Ron, sogro dele.
Nessas sessões, tenho uma sensação diferente, mescla da apreciação de uma forma de arte diferente, pouco comum em nossa mídia em geral, e das reminiscências que ela evoca.




Suplemento:

Como ilustração da crônica, os leitores poderão ouvir algumas das árias e aberturas que selecionei no Youtube e relaciono abaixo, indicando os respectivos links. Nessa seleção, procurei vídeos de árias e aberturas mais conhecidas que costumávamos ouvir lá em casa e outras que passei a ouvir mais tarde.


1. Tosca - "E lucevan le stelle" – Plácido Domingo https://www.youtube.com/watch?v=5-AF1T4OehM


2. Carmem – La Habanera - Carmen Monarcha
https://www.youtube.com/watch?v=K078WJGmivo

3. La Traviata - Brindisi - Pavarotti
https://www.youtube.com/watch?v=pu7zWrIMV_g

4. Norma – Casta Diva – Maria Callas
https://www.youtube.com/watch?v=TYl8GRJGnBY

5. Otelo - Credo in un dio crudel - Tito Gobbi
https://www.youtube.com/watch?v=1SWYKIN41WQ

6. I Pagliaci – Vesti la giubba – Plácido Domingo
https://www.youtube.com/watch?v=1hxonfpfuTY

7. O Barbeiro de Sevilha – Abertura – Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte
https://www.youtube.com/watch?v=9W0tZ1F68pA

8. Aida – Marcha Triunfal - Lund International Choral Festival 2010 – Suécia – Regente: Roger Andersson
https://www.youtube.com/watch?v=ns_xsduwI-E

9. La Traviata – Abertura - Istanbul State Opera – Regente: Raoul Grüneis
https://www.youtube.com/watch?v=EVNRxiof298

10. Il Trovatore – Coro di gitani – Stride la vampa - Cristina Vincenzi e o coro "Le voci di bonavicina”
https://www.youtube.com/watch?v=o5nalsW2sMw&list=TLPQMjMwNTIwMjBFQTR7isdg7Q&index=4

11. Turandot - Nessum dorma – Pavarotti (espetáculo em Londres, que ele encerra com a canção “Torna a Surriento”)
https://www.youtube.com/watch?v=S8F-lenWkIo

12. Madame Butterfly – Un bel di vedremo – Renata Tebaldi
https://www.youtube.com/watch?v=1woH96ROG-c

13. O Barbeiro de Sevilha – Largo al factotum – Dmitri Hvorostovsky e Orchestre symphonique de Montreal.
https://www.youtube.com/watch?v=TKDXr_fimQ8

14. Aída – Celeste Aída – Andrea Bocelli
https://www.youtube.com/watch?v=AYfTZjRDaCI

15. Rigoletto – La donna è mobile – Os três tenores (Pavarotti, Plácido Domingo e José Contreras)
https://www.youtube.com/watch?v=a8-vZJNY10k

16. Cavalleria rusticana – Intermezzo – Orquestra Sinfônica Evergreen – Regente: Lim Kek-tjiang
https://www.youtube.com/watch?v=7OvsVSWB4TI

17. William Tell – Abertura – Orquestra Sinfônica de Milwaukee – Regente:  Edo de Waart
https://www.youtube.com/watch?v=YIbYCOiETx0


domingo, 10 de maio de 2020

Mr. Washington – Party of Nine!

Prezada leitora ou caro leitor:
Prossigo em meu programa de lhe oferecer mais de meus escritos neste tempo de isolamento social. Desta vez, trago outra transcrição de um capítulo de meu e-book “A Califórnia e Nós”.
Dedico esta transcrição aos jovens que nos acompanharam, à Leilah e a mim, na extraordinária e inesquecível viagem de comemoração de nossas Bodas de Prata.


Introdução

Sou de um tempo em que as pessoas privilegiadas que viajavam ao exterior, especialmente à Europa, convidavam amigos e parentes para comentar a viagem, acompanhando a narração com longas apresentações de slides. Tais sessões, embora com ilustrações interessantes, às vezes se tornavam cansativas.
Nesse meu livro sobre o nosso relacionamento com a Califórnia, não posso deixar de relatar viagens, pois não moro lá, e insiro algumas fotografias. O texto é longo, porém, comparando com as apresentações de slides, meus leitores, se cansarem, têm a vantagem de poder interromper a leitura e retomá-la (espero) em outra hora.


Bodas de Prata – a excursão com os jovens

Em dezembro de 1984, Leilah e eu completamos 25 anos de casados.
Durante aquele ano, pensamos em como comemorar nossas Bodas de Prata. Leilah não tinha vontade de fazer uma festa, entre outras razões porque dois dos filhos estavam morando nos Estados Unidos e suas férias de fim de ano se resumiam a uma semana. Tivemos, então, a ideia de fazermos uma reunião da família lá na Califórnia, levando daqui conosco os outros dois filhos, Luiz e Jurema. Desta forma, proporcionaríamos a estes uma bela viagem de férias.
Em junho, a decisão estava tomada e começamos a trabalhar no projeto. Tanto que, tendo deixado a IBM em outubro de 1983, ao me empregar em outra empresa, em 1984, combinei que tiraria férias antecipadas em dezembro. Leilah também programou férias para dezembro, junto à empresa em que trabalhava.
Aconteceu, entretanto, que os amigos dos meninos ficaram sabendo da viagem e se animaram a nos acompanhar – eram todos jovens, porém maiores de idade.
O Cássio havia deixado a “fraternity” onde morava, dentro do campus de Stanford, mudando-se para uma casa em Palo Alto com três colegas. Ele nos comunicou que teria espaço para nos hospedar quando estivéssemos naquela cidade, pois seus companheiros de moradia estariam passando as festas de fim de ano fora, com as respectivas famílias.
Dessa forma, nós, os viajantes, teríamos despesas de hotel apenas nas outras cidades, onde ficaríamos menos tempo, além das despesas com refeições. Considerando a vontade dos jovens, que iriam animar a viagem, e o que teríamos gastado com uma festa aqui no Brasil, Leilah e eu decidimos bancar as despesas de hotel e refeições dos que fossem conosco; eles teriam apenas de comprar as respectivas passagens.
Na semana de 17 de dezembro, viajamos do Rio para Los Angeles: Leilah, eu, Luiz, Jurema e Paolinha, namorada do Luiz. Em Los Angeles, alugamos um vasto “station wagon” (o utilitário daquele tempo, chamado então caminhonete no Rio e perua em São Paulo) com capacidade para oito pessoas, e fomos buscar o Francisco na Occidental. Passamos a noite em Glendale (próxima à Universidade) e, no dia seguinte, rumamos para Palo Alto.
Aproveitando para fazer turismo, fomos pela rodovia 1, que acompanha a costa e oferece vistas maravilhosas, como as praias de Santa Bárbara e a costa escarpada da região do “Big Sur”.

Nosso primeiro destino, antes de Palo Alto, era Carmel, onde o Cássio estava nos esperando para jantar.
Chegamos a Carmel cerca de oito horas, noite fechada. Tivemos a agradável surpresa de sermos recebidos pela família do Albert Jordan, amigo do Cássio, colega de escola e de futebol e um dos quatro moradores da casa em Palo Alto, onde iríamos ficar. Sua família era do Irã e eles tinham um restaurante em Carmel, cidade em que moravam. Como o restaurante estava fechado para as férias de Natal dos empregados, a própria família preparou e nos serviu um típico jantar da terra deles, com destaque para a carne de carneiro. Foram extremamente gentis ao receber-nos, então um grupo de sete pessoas, contando o Cássio. Foi um ótimo começo de viagem.


Abro um parêntese:
Muitos anos depois, fomos surpreendidos aqui no Rio com um telefonema de um senhor: era o pai do Albert. O casal estava fazendo um cruzeiro em um transatlântico e veio ao Brasil. Entendemo-nos em Inglês, apesar dos sotaques diferentes, e combinei de buscá-los no hotel para jantarmos. Perguntei que tipo de comida eles preferiam provar aquela noite. Custei um pouco a entender, mas era... galeto! E ele acrescentou: “aqui no Brasil estou comendo só galeto, pois vocês o preparam da mesma forma que fazíamos no Irã; estamos matando a saudade”.
Fomos buscá-los e não tivemos dificuldade em reconhecê-los apesar de fazer muito tempo que não nos víamos. Expliquei que o restaurante onde comíamos galeto, no Leblon, era relativamente simples, mas era da especialidade e nos atendia muito bem. Foi um jantar agradável, onde rememoramos nosso encontro anterior e falamos dos filhos, muito amigos até hoje. Tive de me esforçar para pagar a conta, mas ele fez questão de dar a gorjeta. Lembro-me da expressão de espanto do garçom – pareceu-me que a gorjeta foi maior do que a conta.
Comentei, depois, com a Leilah: pois é, levamos ao Gatão (apelido do “Galeto do Leblon”) o homem que foi dono do maior restaurante de Teerã!


Após o jantar, rumamos para Palo Alto, mais umas duas horas e meia de viagem. Chegamos todos bem.
A casa era espaçosa, deu para nos instalarmos razoavelmente bem. Fomos dormir e, no dia seguinte, tivemos um alegre café da manhã, pois a turma já estava muito animada. Alguns foram ao supermercado de manhã e fizeram o reconhecimento do bairro, da vizinhança.
Era 20 ou 21 de dezembro e passamos a programar as atividades para os próximos dias. Cássio já havia planejado passarmos o aniversário de casamento (dias 29 e 30) em Lake Tahoe, época em que a região do lago está coberta de neve. A expectativa de terem a oportunidade de esquiar animou os jovens. A esta altura éramos Leilah, eu e cinco jovens.
Dois mais se juntariam ao grupo nos dias seguintes: meu sobrinho Marcelo, filho de minha irmã, e o Archie, colega de escola do Francisco desde o jardim de infância. Este também estava estudando nos Estados Unidos, em outra universidade. Ambos chegariam a São Francisco.
Cássio e Julia estavam iniciando o namoro (que, anos mais tarde, resultaria em casamento); ela havia chegado de um passeio à Europa e ele foi encontrá-la para combinarem os programas. Do encontro, Cássio trouxe a notícia do convite dos pais da Julia para um jantar na casa deles – para todo o grupo! Já seriamos dois coroas e sete jovens, que se somariam aos cinco da família dela.
A família da Julia morava em Los Gatos, cidade a oeste de São José e a uma meia hora, de automóvel, de Palo Alto. Fomos em dois grupos, pois alguns dos jovens tinham ido a São Francisco à tarde e voltariam diretamente para Los Gatos. Cássio foi conosco, de modo que não tivemos o difícil trabalho de procurar, à noite, o bairro e a casa.
Quem conta bem a história desse jantar é a Leilah. Escrevi e pedi a revisão dela.


Ao sermos convidados para jantar, fomos procurar um presente para dar ao casal. Tinha de ser algo de valor, ainda mais que tinham convidado todo o grupo. Leilah tinha perguntado ao Cássio como eram os pais da Julia, mas ele não nos deu um perfil claro; não tivemos, portanto, uma dica sobre o que comprar. Fomos ao Shopping Center de Stanford e na Emporium, loja de categoria, escolhemos uma bandeja de desenho chinês, que achamos bonita.
Quando chegamos à casa dos Martino, nos surpreendemos. Construída em um loteamento de alto nível, era uma casa moderna com projeto arquitetônico que aproveitava o desnível do terreno. Pareceu-nos uma mansão moderna, muito especial. Já na porta de entrada, notamos o capricho na seleção e conservação das plantas.
Fomos recebidos pelo Ron, pai da Julia, que nos guiou por um corredor, também decorado com plantas ornamentais, até uma sala de visitas onde encontramos a Julia e a Diane, sua mãe. Ron e Diane, alguns anos mais moços do que nós, e a filha, foram muito simpáticos e nos puseram à vontade. Nosso Inglês serviu para uma boa comunicação e melhorou muito depois que nos serviram um aperitivo, inesquecível para mim: champanhe com “seven-up”.
A sala de visitas e, em seguida, a enorme copa-cozinha, davam para a piscina, que não tínhamos visto da entrada da casa. Do outro lado do corredor ficava a sala de jantar, com uma grande mesa de tampo de cristal, de formato oitavado. Os quartos ficavam no outro lado da casa, oposto à piscina, em nível diferente. Na copa-cozinha havia, além dos balcões e armários junto às paredes, uma ilha com fogão, balcão e gaveteiros; completando o mobiliário, uma mesa grande, para oito pessoas pelo menos.
Para nós, Leilah e eu, uma grande surpresa foi o lavabo, decorado com vegetação do oriente (bambu, entre outras) e, além da iluminação normal para a noite, a zenital durante o dia.
Ficamos então sabendo que o Ron era Arquiteto, especializado em decoração de interiores, e que tinha uma loja sofisticada do ramo em Los Gatos.

A casa dos Martino em Los Gatos
Na sala de jantar jantaram os jovens – os dois irmãos da Julia, Jon e Randy; Luiz, Paolinha, Francisco, Jurema, Marcelo e Archie. Na copa, Ron, Diane, Julia, Cássio, Leilah e eu.
O Cássio não havia contado para nós que a família era religiosa, católica. Foi para mim uma surpresa, portanto, ser convidado a dizer a “grace”, ou seja, fazer a oração antes da refeição. Topei, mandei bala, estimulado pelos drinks, mas acho que dei um recado satisfatório e agradeci devidamente a gentileza do casal.
O jantar foi memorável, um ótimo início de relacionamento – e ficamos muito amigos da Diane e do Ron.


Leilah, até hoje, sente um certo constrangimento pela modéstia, impropriedade mesmo, de nosso presente (a bandeja) frente ao requinte da decoração da casa, tanto que, há algum tempo, comentou nossa “gafe” com o próprio Ron. Ele sorriu, divertido com a preocupação dela.


Passamos a noite de Natal na casa de Palo Alto. Após telefonemas vários para o Brasil e os votos recíprocos de Feliz Natal (não me lembro da sessão de presentes, nem da árvore, nem das orações) comemoramos com uma ótima e animada ceia. Tampouco me lembro do cardápio, mas sim (ajudado por fotografias) de que tomamos um vinho ótimo, da Califórnia, e brindamos com champanhe (naquele tempo ainda se podia chamar qualquer espumante de champanhe). Fizemos as compras em um ótimo supermercado próximo e a Leilah, com ajuda de todos, preparou a ceia.
Conforme planejado pelo Cássio, o aniversário de casamento, Bodas de Prata de Leilah e Washington, seria comemorado em Lake Tahoe, local de turismo bem conhecido dos brasileiros, que no inverno se converte em estação de esqui. Conforme já comentei, esse passeio daria aos jovens a oportunidade de se iniciar nesse esporte e de curtir a neve bem de perto (algumas vezes na horizontal).
A viagem seria feita nos dois automóveis alugados – o “station wagon” grande e um Honda esporte vermelho escolhido pelo Cássio. Este aproveitou a chance de dirigir um carro “legal”, pois naquela ocasião o seu veículo era uma moto Kawasaki usada, a qual, aliás, ele comprara sem nos contar, pois sabia de nossa total reprovação ao uso de motocicletas por nossos filhos. Felizmente, ela foi depois substituída por um pequeno Honda Civic, aposentado muitos anos depois, por insistência de Julia, Leilah e eu.
Volto à viagem.
Foi necessário alugarmos correntes para colocar nos pneus, então permitidas nas estradas da Califórnia, para evitar derrapagens na neve que encontraríamos ao chegarmos às proximidades de Tahoe.
A viagem, de uns 400 km, durou cerca de 4 horas. O Cássio dirigiu o Honda e eu e Leilah nos revezamos no “station wagon”. Chegamos à noite e encontramos logo o hotel em que tínhamos feito a reserva.
O hotel, simples, porém confortável, ficava à beira do lago, numa espécie de praia gelada, a qual, na manhã seguinte, se mostraria sob um céu azul maravilhoso. Tirei uma foto da Leilah nessa praia, foto essa que considero a melhor que tirei na vida.


Leilah, o lago e a neve
Em Tahoe, fizemos passeios de automóvel em volta do lago, com paisagens deslumbrantes, pois o tempo ajudava.

Contrastes - Verde, azul e branco
As sessões de esqui tiveram lugar num campo de risco médio, adequado aos principiantes, pois poucos tinham tido, como o Cássio, alguma experiência nas descidas de montanha.


Jurema, garota nova, parte para a aventura
Leilah e eu (que estava então na flor dos meus 52 anos) ficamos em baixo, no restaurante, abrigados e nutridos com canecas de chocolate bem quente. Não conseguiríamos nem subir nos banquinhos que içavam as pessoas para o topo da montanha.

Leilah e Washington ficavam no sopé da montanha
E perto do chocolate quente
Participamos do programa de esqui, felizmente, apenas duas vezes. Temos uma foto, histórica e célebre na família, do grupo já preparado para a escalada, devidamente vestidos para esquiar, pois havia a facilidade de se alugar todo o equipamento.

O casal e o valoroso grupo de esquiadores

O destaque em Tahoe foi o jantar de comemoração das Bodas de Prata, num restaurante muito bom, com um ambiente agradável e acolhedor, circundado por uma respeitável camada de neve. Recordo-me que, mais uma vez, fomos chamados para a mesa da forma que ficou famosa no grupo: “Mr. Washington – party of nine!”. Era 30 de dezembro de 1984.
Voltamos a Palo Alto e comemoramos a passagem do ano na casa do Cássio, com nova ceia, muito animada, depois da qual os jovens foram passear em Stanford. Um réveillon muito diferente daqueles do Rio, com fogos, batuques na praia e festas em clubes ou casas de amigos.


Nessa viagem, antes e depois de Tahoe, fizemos um bom turismo na região.
Tenho dificuldade, agora, em afirmar onde estive em cada viagem à Califórnia, especialmente aquelas de anos atrás, mas certamente, também daquela vez, aproveitamos as várias atrações de São Francisco que menciono sempre: a Fisherman’s Wharf, o centro da cidade, o Golden Gate Park e as ladeiras famosas (como a “Lombard Street”), estas cenários de filmes para perseguições extremamente acrobáticas em automóveis, em alta velocidade. Sausalito também esteve no roteiro, bem como as localidades vizinhas a Palo Alto. Aproveitamos para fazer compras, claro, pois, especialmente naquela época, havia lá vários artigos que ainda não eram fabricados no Brasil ou que aqui eram muito caros.
Compra importante nessa viagem foi um forno micro-ondas que a Leilah tinha tentado comprar em outras viagens, mas eu sempre me opunha, pela dificuldade de carregar e pelas complicações que enfrentaríamos na Alfândega. Dessa vez, entretanto, com a ajuda dos jovens que nos acompanhavam, seria mais fácil levar o forno. Lembro-me deles embalando-o para a viagem. Durante trinta anos, esse milagre da indústria eletroeletrônica funcionou regularmente; um pouco lento em relação aos mais novos, mas dando conta do trabalho. É o primeiro objeto inanimado cuja velhice achei semelhante à minha.


Depois do dia primeiro de janeiro, o grupo se dispersou. O Luiz e o primo Marcelo ficaram mais um pouco em Palo Alto com o Cássio e depois visitaram a Occidental. O Francisco voltou para a Occidental, o Archie para a Universidade dele e a Paolinha para o Rio.
Leilah, eu e Jurema fomos para Chicago, onde fomos hospedados pelos Stilps, Polly e Tom, nossos grandes amigos desde os idos de 1968-1969. Já estava combinado deixarmos a Jurema para uma temporada de três meses na casa deles, em Wilmette. Ela ia frequentar como ouvinte uma classe de high school na escola em que a Polly lecionava. O casal fez muita festa para ela, adotaram-na temporariamente como filha (eles só têm filhos homens) e ela aproveitou bastante o programa.

A excursão de nossas Bodas de Prata foi notável; o “Party of Nine”, inesquecível. Foram dias de uma convivência excelente com os jovens, nos quais Leilah e eu nos divertimos muito e – tive essa impressão – nós, os dois mais velhos, também fomos uma boa companhia para eles.

Washington Luiz Bastos Conceição