sábado, 25 de maio de 2019

Reunião de Família na Franca do Imperador


O plano era antigo, de uns dois anos atrás. Jurema, minha filha, queria nos levar, a mim e Leilah, minha esposa, a Franca, para visitar meu irmão Luiz Antônio e a família do Túlio, meu irmão mais velho, já falecido. Luiz Antônio, bem mais moço do que eu, está, já há algum tempo, com grande dificuldade de locomoção causada por um sério problema nos quadris; usa cadeira de rodas. Da família do Túlio, tínhamos notícia, mas, com exceção da Márcia, filha dele, fazia muito tempo que não nos víamos.
Afinal, este ano, Jurema, embora esteja a todo vapor em seu trabalho, decidiu realizar a viagem recorrendo ao apoio da Márcia, que costuma estar em Franca entre uma viagem e outra ao exterior. Ela organizou o programa e Jurema providenciou nossa viagem do Rio para Franca, que seria de avião até Ribeirão Preto e, de automóvel, desta cidade até Franca. Sabedores do programa, o casal Roberto, meu cunhado, e Regina, prima da Leilah, que também queria ver os francanos, aderiu ao programa. Beto, filho do Roberto, se encarregou de acompanhá-los. Francisco, meu terceiro filho, que está fazendo um trabalho em São Paulo, também decidiu ir a Franca.

Franca é uma cidade situada no nordeste do Estado de São Paulo, cujo município faz divisa com Minas Gerais. A leste de Ribeirão Preto, dista 89 km desta importante cidade paulista (cerca de 900.000 habitantes) e se liga a ela por uma excelente rodovia. Fundada como freguesia da Vila Mogi Mirim em 1805, com o nome de “Nossa Senhora da Conceição da Franca”, foi elevada a vila em 1824, denominando-se “Vila Franca do Imperador”. Hoje, Franca é um importante centro urbano, econômico e industrial, com uma população estimada em mais de 350.000 habitantes, bastante conhecida por sua indústria de calçados e pelo destaque no basquete nacional.
Parte da família de Osmar e Jurema, meus pais, se estendeu para Franca. Como esses Bastos Conceição foram parar lá?

Tudo começou com o Túlio. Ele, aos 24 anos, era rapaz feito, trabalhava no IAPI desde os 14 anos, fazendo uma promissora carreira. Chegara ao cargo de agente substituto, ou seja, gerente de agência, temporário, substituindo agentes em férias ou licenciados em cidades do interior paulista. Esteve em várias delas, em algumas por muitos meses. Quando foi designado para a agência de Franca, conheceu Nenzinha, apelido de Maria Aparecida, namoraram e ficaram noivos. Quando se casaram, ele já estava trabalhando em outra cidade do interior do estado. Foram morar em São Paulo. Nasceram Eduardo e, depois, Márcia. Entretanto, como ele continuava trabalhando em cidades do interior, a vida do casal, com duas crianças, ficou difícil. Nessa ocasião, seu Antônio Rocha, pai da Nenzinha, ofereceu ao Túlio a oportunidade de se associar à sua empresa e trabalhar com ele em Franca. A Rochfer era, então, uma pequena indústria metalúrgica especializada em turbinas e bombas de uso rural. Excelente técnico em mecânica e muito criativo, inventor mesmo, Seu Antônio criou uma bomba de água que usava energia de uma roda d'água, ideal para fazendas e sítios que não dispunham de energia elétrica em locais remotos. Um produto de muita aceitação, com características técnicas que o tornavam altamente eficiente. Seu Antônio queria expandir sua empresa, mas preferia continuar com suas atividades técnicas, e chamou o Túlio para atuar nas áreas de administração e finanças da empresa. Este aceitou o convite, decidiu deixar o emprego público e enfrentar o desafio. Deu muito certo. A indústria se expandiu, passou de um terreno no centro da cidade, junto à casa do Seu Antônio, para um novo edifício construído especialmente para ela no distrito industrial da cidade de Franca. Consolidou-se, dando ótimos resultados financeiros, principalmente porque a bomba, seu principal produto, vendida em todo o País e também exportada, foi um grande sucesso. Aliás, continuamente aperfeiçoada, prossegue sendo um importante produto da empresa.
Em Franca, nasceu o terceiro filho do casal, Fernando.

Com o sucesso da Rochfer, Túlio pôde realizar um sonho de infância que era ter uma pequena fazenda. Começou com o que chamava de sítio, onde construiu inicialmente uma espécie de clube, com uma grande piscina, vestiários, salão de festas, salão de refeições, cozinha, despensa e dois apartamentos que usava enquanto projetava e construía sua casa definitiva na fazenda. Sua construção foi caprichada e, por isso, demorada, mas ficou como ele queria, bem grande e no estilo colonial norte-americano. Tinha um apartamento completo para o casal e várias pequenas suítes para os hóspedes. Resultou uma bela mansão.
O sítio evoluiu, mediante compra de terrenos vizinhos, para uma fazenda de produção de leite com criação refinada de gado leiteiro e instalações modernas para ordenha e tratamento do gado. Para administrar este desenvolvimento, Túlio chamou Luiz Antônio que, já casado e com filhos, morava em Goiânia, Goiás, e tinha se especializado em desenvolvimento e administração de fazendas. Daí a mudança dele e sua família para Franca. A fazenda se tornou um modelo do ramo de leite, participou de vários concursos e recebeu prêmios importantes – um deles foi um trator que o Luiz Antônio foi a São Paulo receber do governador do Estado.
Essa situação durou vários anos. Nós, os parentes, visitávamos Franca e a fazenda com frequência, especialmente nos feriados de final de ano e de carnaval. Foram reuniões inesquecíveis, marcadas pela atenção e generosidade dos anfitriões.
Esse quadro foi se modificando com o passar dos anos. Ocorreram os falecimentos de Osmar, de Seu Antônio e de D. Dina, sua esposa; Túlio, relativamente cedo, decidiu se aposentar, passando a administração da empresa aos filhos. Estes a conduziram com competência e, recentemente, passaram a administração aos filhos da Márcia e integram o conselho da empresa. A Rochfer se mantém firme e forte sob a administração da quarta geração, o que, como empresa familiar, é algo admirável.
A fazenda, depois do falecimento do Túlio, passou a ser pouco utilizada e, com a extraordinária expansão da cultura da cana na região, foi vendida para uma empresa canavieira.
Túlio faleceu em 2002. Jurema, minha mãe, que já sofrera, como todos da família, a perda prematura de minha irmã, Maria da Penha, mudou-se para Franca em 2003 e lá faleceu em 2007, aos 97 anos.

Leilah e eu nos preparamos para a viagem a Franca que, para mim, era uma aventura. Por que estou falando em aventura? Porque já não estamos, minha esposa e eu, em condições físicas para considerar uma viagem, especialmente viagem aérea, uma atividade normal. No planejamento geral, na compra das passagens, no acompanhamento durante a viagem, os filhos ajudam muito (senão não poderíamos sair de casa). Porém, na preparação final, as coisas que fazíamos sem problemas anos atrás ficam muito mais difíceis para nós, idosos. A definição do que teremos de levar (roupas, agasalhos, remédios mil, perfumaria, documentos, dinheiro, cartões de crédito, celulares e seus carregadores); a retirada das malas das prateleiras altas do armário e a acomodação da roupa, calçados e objetos na bagagem (“Será que não estamos esquecendo alguma coisa?”) são agora tarefas muito difíceis para nós.
O voo a Ribeirão Preto estava programado para as dez da manhã do dia três de maio. Nesse dia, levantamo-nos às seis horas da manhã, tomamos café, fechamos as malas, preparamos a casa para nossa ausência e chamamos e embarcamos em um carro da Uber. Chegamos ao aeroporto Santos Dumont e fizemos check-in. Jurema e Alexandre chegaram logo depois e nos acompanharam ao embarque. Leilah e eu passamos por uma revista especial; eu, por causa do marcapasso, e ela, porque estava usando cadeira de rodas, como costuma fazer em aeroportos. O encarregado da revista, além do procedimento normal, apalpou meu peito para verificar se eu tinha mesmo o aparelho (as carteiras de “marcapassista” e de identidade não foram suficientes). Concluí que há uma desconfiança de golpe de falsos implantados de marcapasso. Também tive de tirar o tênis para exame. Fui liberado.
Embarcamos no andar térreo e, por causa da cadeira de rodas da Leilah, fomos de van até o avião. Este era baixo, de modo que a escada de embarque tinha apenas seis degraus. Jurema, Alexandre e os funcionários da empresa aérea ajudaram os velhos a subir no avião e a se acomodarem nos assentos. Fizemos boa viagem.
Márcia estava nos esperando no aeroporto de Ribeirão e nos levou em seu automóvel até Franca. Alexandre e Jurema ficaram com amigos em Ribeirão e seguiriam para Franca no dia seguinte.
Leilah e eu chegamos ao hotel, fizemos o check-in e seguimos para a casa de Luiz Antônio e Inês, sua esposa. Roberto, Regina e Beto chegaram de São Paulo, também via Ribeirão, logo depois. Inês nos ofereceu um ótimo almoço. Iniciava-se uma bela temporada gastronômica.
A Márcia nos recebeu, no sábado, com uma feijoada para todos da família que estavam em Franca; no domingo, churrasco para o mesmo grupo; na segunda, para parte do grupo (os mais jovens ainda trabalham), almoço para acabar com a feijoada de sábado. Sempre com petiscos, acompanhamentos e bebidas variadas. Ainda na segunda à noite, Inês convidou o grupo para o lanche.
Na terça, dia da volta, Leilah e eu (dentre os visitantes, Francisco voltara a Atibaia, SP, no domingo, e os outros já tinham ido, na manhã da terça, a Ribeirão) decidimos matar saudades do Barão, restaurante aonde o Túlio costumava nos levar e do qual ele era frequentador especial tratado “à vela de libra”. O Barão conserva suas características tradicionais. Conseguimos falar com um gerente veterano que conheceu meu irmão, me apresentei e trocamos lembranças. Almoço muito agradável e comemos bem; o programa foi uma ótima ideia da Leilah. Voltamos ao hotel, fizemos o checkout e Eduardo e Márcia nos levaram ao aeroporto de Ribeirão, desta vez no carro dele. Chegamos com bastante antecedência e aguardamos Jurema e Alexandre, que tinham voltado a Ribeirão pela manhã. O voo da volta não foi tranquilo. Primeiro, atrasou; porque, segundo informaram após ter passado um bom tempo do horário de embarque, estava chovendo muito no Rio e o Santos Dumont estava fechado. Após uma longa espera, embarcamos; foi um voo noturno com alguma turbulência. Ao nos aproximarmos do Rio chovia bastante; o piloto teve de retardar o pouso (entendi que um avião que nos precedia teve de arremeter ao tentar pousar). Enfim, estava acontecendo tudo que podia impressionar um velho medroso. O pouso foi difícil, mas sem problemas. Bati palmas para o piloto, mas poucos passageiros me acompanharam – vários olharam para trás, admirados. Passei vergonha.
Chegamos em casa umas duas horas depois do previsto. Tudo em ordem, graças a Deus.

Foi, para mim, realmente uma aventura. E com final feliz. Uma reunião de que todos os participantes guardarão uma lembrança muito agradável. O almoço de sábado se destacou porque teve o maior quórum e foi o reencontro de muitos de nós, incluindo aqueles que moram próximos uns dos outros. A casa da Márcia se presta de forma excelente a esse tipo de reunião. Éramos mais de vinte pessoas, de quatro gerações: a minha, de meus filhos e sobrinhos, dos filhos destes e de seus pequenos netos. Contemplando o grupo, pensei: são todos descendentes de Osmar e Jurema e dos pais dos respectivos cônjuges de seus filhos. A certa altura do almoço tive vontade de fazer um discurso onde eu abordaria a construção da família, imaginando o prazer que os ancestrais teriam em apreciar aquela reunião. Não tive oportunidade, as pessoas estavam conversando animadamente abordando diferentes assuntos.

Quando, outro dia, me estimularam a escrever uma crônica sobre nosso memorável evento, aceitei o desafio. E, o que é especial, a estou publicando no dia do aniversário do Túlio.

Washington Luiz Bastos Conceição



Nota: IAPI é a abreviação de “Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários”.

5 comentários:

  1. Então este seu leitor bate palmas pela crônica e pela aventura. Entendo perfeitamente o que é este reencontro de família. Parabéns.

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  2. Que bela aventura, Washington: nada melhor que um encontro de família, as quatro gerações em fina sincronia, matando velhas saudades e guardando no coração esses momentos felizes. Você soube captar, com a classe costumeira esse clima de paz e amor, que fez com que nós nos sentíssemos presentes curtindo reencontros e conhecendo a gente nova da nossa gente. Bem lembrado o aniversário do Tulio. Foi uma linda homenagem a ele, aos tios Osmar e Jurema que, onde estiverem terão amado essa reunião. Parabéns , primo. Isa

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  3. Adorei... manter os laços de família só nos ajudam a seguir em frente confiante.

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  4. Linda e fiel descrição do encontro familiar! Como você, primo, também pensei na perspectiva da descendência de Osmar e Jurema. E, na minha fé credito que de onde estão contemplaram esse momento tão especial, bem como, o empenho de todos para concretizá-lo. Sempre vale a pena! Parabéns!

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  5. Washington, embora não seja "Parente de Sangue" desta sua família tão simpática, sou "Parente de CORAÇÂO" e me honro muito disso.
    Participei deste ENCONTRO em Franca e gostei demais...Vamos repetir, foi muito bom.
    Aproveito par dizer que meu e.mail abaixo está errado, esse não exite mais, faz muito tempo. Meu e.mail correto é o da "TERRA" que você me envia as mensagens para o meu computador.
    Gostei muito da sua descrição do nosso encontro. Abraços a Leilah e toda família..... REGINA

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